No dia em que faleceu o netinho do ex-presidente Lula, as minhas redes sociais foram tomadas pela comoção — e pela indignação contra pessoas que estariam tripudiando da morte da criança. Vi muitas manifestações de revolta mas, nas minhas redes, não cheguei a ver, naquele momento e em sua forma primária, nenhum post que não fosse de pesar ou de solidariedade.
Tentei encontrar as causas da indignação na sua raiz. Encontrei apenas dois posts com referências diretas ao menino Arthur, escritos por duas usuárias desconhecidas do Facebook, compartilhados milhões de vezes, dando às suas autoras um alcance (e uma notoriedade) que jamais teriam como conseguir nas asas da sua própria maldade; muitos posts questionando a saída de Lula da prisão e discutindo minúcias legais, como se deixar um avô ir ao enterro de um neto fosse um privilégio; e comentários genéricos contra o ex-presidente em publicações dos portais e da imprensa em geral, chocantes porque, no momento de horror indizível da morte de uma criança, tudo o que se espera é solidariedade à família, qualquer que seja essa família.
Em todos os casos, a desumanidade foi amplificada pelos bons sentimentos de quem reagiu a ela: o ódio pegou carona no amor e foi longe. As vastas ondas de solidariedade não repercutiram, é claro, porque reações normais tendem mesmo a não repercutir.
Gente burra e má sempre existiu, mas a sua voz jamais ganhou a dimensão que ganha hoje nas redes sociais.
Millôr costumava dizer que não se amplia a voz dos imbecis — e ele nem chegou a pegar as redes sociais no seu auge. Na internet a voz dos imbecis repercute ad infinitum, e nós corremos o risco de achar que eles representam a totalidade da população fora dos nossos círculos de amizade: os “outros”.
Está aí a receita perfeita para disseminar ódio em vasta escala a partir de sementes que não deveriam em circunstância alguma ser regadas.
Imbecis representam-se apenas a si mesmos, e nós faríamos um bem a todo mundo se pensássemos duas vezes antes de compartilhar as imbecilidades que expressam — seja em relação à política, seja em relação ao que for.
Leio frequentemente comentários de pessoas desiludidas com a humanidade, achando que nunca fomos tão brutos e maus. Tendo lido um pouco de História, não tenho tanta certeza disso, mas tenho certeza absoluta de que a palavra dos brutos e maus nunca foi tão propagada pelos justos e bons.
Em tempo: o tuite de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente e deputado federal, que em 217 caracteres conseguiu expor a abissal falta de empatia, de educação e de humanidade da sua família, é um caso à parte. Saímos aí do maluco da esquina, do troll, do militante hidrófobo que não se deve levar em consideração, e entramos na esfera do governo e da representatividade política.
Besteiras patológicas ditas por políticos devem ser apontadas e publicamente execradas sempre, para que fique claro à população como estão agindo os seus representantes, e o que lhes passa pela cabeça.
Fonte: O Globo
Créditos: O Globo