Uma das vozes mais influentes do empresariado brasileiro, o banqueiro Roberto Setubal faz uma defesa contundente da permanência da presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Impeachment por corrupção, “pelo que vi até agora, não tem cabimento”, afirma o presidente do Itaú Unibanco.
“Pelo contrário, o que a gente vê é que Dilma permitiu uma investigação total sobre o tema.” Outro argumento usado pela oposição, as manobras para melhorar as contas do governo (pedaladas fiscais), podem “merecer punição”, mas não são “motivo para tirar a presidente”, segundo o banqueiro.
Maior banco privado do país, o Itaú foi fortemente hostilizado pelo PT na campanha presidencial de 2014.
Na visão de Setubal, tirar a presidente do poder agora “criaria uma instabilidade ruim para nossa democracia”. Na semana passada, entidades do setor econômico fizeram manifestações públicas pela estabilidade do país.
A seguir, trechos da entrevista à Folha na sexta (21).
Folha – A presidente Dilma está sofrendo ameaça de um processo de impeachment, pressão por sua renúncia e manifestações de rua contra seu governo. O sr. vê motivos para tirá-la do Planalto?
Roberto Setubal – Nada do que vi ou ouvi até agora me faz achar que há condições para um impeachment. Por corrupção, até aqui, não tem cabimento. Não há nenhum sinal de envolvimento dela com esquemas de corrupção.
Pelo contrário, o que a gente vê é que Dilma permitiu uma investigação total sobre o tema [corrupção na Petrobras]. Era difícil imaginar no Brasil uma investigação com tanta independência. A Dilma tem crédito nisso.
E as pedaladas fiscais?
Isso é grave e pode merecer algum tipo de punição. Mas não me parece ser motivo para tirar a presidente. Até porque presidentes anteriores a ela passaram por situações semelhantes. Seria um artificialismo querer tirar a presidente neste momento. Criaria uma instabilidade ruim para nossa democracia.
Empresários dizem que, se o vice Michel Temer entrasse no lugar de Dilma, o país teria mais chance de sair da crise…
Não se pode tirar um presidente do cargo porque ele momentaneamente está impopular. É preciso respeitar as regras do jogo, precisa respeitar a Constituição. Eu sou a favor da Constituição.
Como avalia o comportamento da oposição nessa crise?
Não vou falar especificamente da oposição. Mas o que está faltando é discutir o país. Há uma grande discussão sobre poder e pouca discussão sobre o país. Precisamos debater quais as reformas necessárias para que o país possa se recuperar. Só estou vendo muita discussão de poder pelo poder.
Os empresários saudaram Joaquim Levy [Fazenda] como ideal para tirar o país da crise econômica. Por que ele não está dando certo?
Ele está fazendo as coisas certas, mas os efeitos positivos ainda não vieram. Vai muito além da capacidade de um ministro, sozinho, resolver os problemas do país. Ele precisa de apoio político tanto da presidente como do Congresso.
O governo usou bancos públicos novamente para salvar a economia, política já criticada por Levy. Não é um sinal de que o ministro está fraco?
Não vejo isso como uma direção do governo –se ficar nisso, claro. Acho uma medida pontual, sem muito impacto na economia.
A Agenda Brasil, apresentada como um pacote de reformas para empurrar o país para a frente, tem mais de 40 medidas. É para ser levada a sério?
Nessas medidas há passos necessários que precisamos dar, como a reoneração da folha de pagamentos [aumento de tributos para alguns setores]. Mas são medidas menores para ir levando o país e sair um pouco dessa crise.
Para que o país volte a crescer a um ritmo mais elevado, precisamos de reformas mais amplas. Mas isso não foi tratado na campanha presidencial do ano passado e também não é isso o que o Congresso está discutindo hoje.
Quais são essas reformas?
A reforma política é muito importante. O país tem mais de 30 partidos, isso não funciona. Não vejo nenhuma razão para ter mais do que seis, oito, no máximo dez agremiações. Dá para acomodar perfeitamente todas as linhas ideológicas neles.
A necessidade dos governos de ter maioria no Congresso obriga a alianças muito amplas e negociações que nem sempre são boas para o país. Esse tipo de concertação é uma das razões para a situação em que estamos.
O governo acaba fazendo tantas concessões para satisfazer tantos partidos que desfigura os projetos, leva a ineficiências, a decisões erradas e interesses muito pequenos.
Onde mais o sr. mexeria?
A reforma trabalhista.
O Brasil é um dos países com mais ações trabalhistas no mundo. No Japão há 7.000 ações trabalhistas. Nos Estados Unidos, não chegam a 70 mil. No Brasil, temos alguns milhões.
Criou-se uma indústria de ação trabalhista no Brasil, que é um negócio que precisa ser repensado.
Não seria por que aqui muitas empresas não respeitam os direitos de seus trabalhadores?
Isso tudo é muito em razão de uma legislação que nenhuma empresa consegue cumprir. O Itaú tem enorme dedicação a isso, somos superlegalistas, mas simplesmente é impossível cumprir todos os detalhes.
Para mim, o primeiro passo seria permitir que os sindicatos negociassem diretamente com as empresas contornos sobre a legislação trabalhistas. Não é mudar a lei, mas permitir que setores diferentes negociem em função das suas características, das suas peculiaridades, permitir negociação setor a setor.
Tem mais?
Tem muita coisa. É essencial criar uma agenda para melhorar a produtividade, e, para isso, é inevitável passar por um processo de maior abertura econômica.
Agora, uma coisa que está começando a mudar no Brasil, e é superimportante, é a questão da impunidade.
A lei antes parecia não ser igual para todos. Agora estamos avançando nisso.
O sr. identifica a Operação Lava Jato como um passo nessa direção?
Sim. A Lava Jato só foi viável por causa de três leis bastante recentes, nas quais se baseia toda a investigação: a lei da delação premiada, que foi aperfeiçoada, já no período Dilma; a lei anticorrupção; a lei de lavagem de dinheiro.
Essas três leis tornaram possível a investigação e a caracterização dos crimes de corrupção que estamos vendo aqui.
Com a estrutura legal de cinco ou dez anos atrás –a época do mensalão, por exemplo–, não seria possível um enquadramento tão adequado quanto estamos conseguindo hoje. Vejo uma evolução nesse campo.
Voltando a nossa crise do momento, o sr. acha que a situação vai piorar?
A saída da crise será longa, nosso período de recuperação será lento.
Estamos vivendo aquele momento mais difícil em que as medidas duras foram tomadas e a gente ainda não tem nenhum benefício delas.
Os economistas do próprio Itaú estimam queda de 1% do PIB no ano que vem. Quando o sr. acha que o país sai da recessão?
A situação econômica é difícil, mas eu também olho para a frente e vejo algumas coisas melhorando. A balança de pagamentos começou a reagir e as exportações estão crescendo. Acho que o setor externo vai puxar a recuperação e pode haver alguma surpresa nessa área. Ainda não tenho certeza de que o ano que vem terá PIB negativo.
A recessão vai jogar a taxa Selic para baixo daqui a pouco? Ou os juros ainda vão continuar altos por muito tempo?
O Banco Central está fazendo uma política monetária restritiva, que a meu ver era necessária.
Difícil dizer qual o momento correto de reduzir os juros, mas acho que não é agora.
A inflação ainda está em níveis elevados.
Por que o Itaú não fez oferta pelo HSBC? Para muitos analistas, vocês tentariam comprar o banco para não deixá-lo cair nas mãos do Bradesco.
A gente fez um lance, mas não foi agressivo.
Nossa estratégia é investir em tecnologia como caminho para o futuro. Estamos investindo mais em agências digitais, em serviços digitais para os clientes, via aparelho celular e internet, e menos na rede de agências.
Já servimos assim mais de 1 milhão de clientes e queremos aumentar esse número rapidamente. O plano é crescer mais por meio de tecnologia do que por abertura de agências.
Ainda há bancos para comprar aqui?
No Brasil, a última grande instituição para ser comprada foi o HSBC. No exterior continuamos com nossa agenda de expansão na América Latina. Já estamos no Chile, na Colômbia, na Argentina, no Paraguai e no Uruguai. Queremos ter banco de varejo também no México e no Peru.
A procura de empresas interessadas em vender seus ativos para enfrentar a crise aumentou?
Neste momento, quem estiver disposto a adquirir ativos maiores tem oportunidades bastante interessantes.
Mas quem são os possíveis compradores?
Investidores estrangeiros, por exemplo. O ajuste do câmbio aumenta o interesse deles. É evidente que o Brasil tem riscos elevados no momento, mas tem coisas bastante atrativas que podem ser adquiridas.
O que os estrangeiros dizem sobre o Brasil?
Evidente que há incerteza em relação ao cenário atual, tanto político quanto econômico. Mas eles também reconhecem que o câmbio está interessante para investir no Brasil e sabem que há retornos elevados em ativos que estão à venda.
À medida que a economia comece a dar sinais de recuperação e o cenário político se estabilize, as coisas tendam a melhorar.
Seu pai foi prefeito de São Paulo e ministro do governo Sarney. E sua irmã, Neca, foi uma das principais coordenadoras da campanha de Marina Silva à Presidência no ano passado. Como é a sua relação com a política?
Distante. Adoro meu país e acredito muito nele, mas acho que minha contribuição é do lado do setor privado. Acho que, de certa forma, contribuo, administrando o banco. E não me vejo envolvido na política.
Sua irmã foi muito hostilizada pelo PT e pela campanha de Dilma na última eleição. Isso chegou a afetar o banco?
Nada. Fizemos até pesquisa com clientes para ver se aquilo estaria tendo alguma influência. Zero. E minha irmã foi muito cuidadosa, sempre evitou fazer qualquer ligação com o banco. A imprensa e os políticos é que faziam mais.
Neca acredita nas coisas dela de forma legítima. Ela milita na área de educação desde sempre. Faz um trabalho belíssimo, reconhecido. Enfim, acho que ela ainda tem a intenção de contribuir para o país no setor em que atua. Infelizmente foi mal compreendida.
RAIO-X ROBERTO SETUBAL
IDADE
60 anos
FORMAÇÃO
formado em engenharia de produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo; tem mestrado em Science Engineering pela Universidade de Stanford
CARREIRA
diretor-presidente do Itaú Unibanco desde novembro de 1995; presidente do comitê consultivo da Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos) desde 2008 e copresidente do Fórum Econômico Mundial 2015.
Folha de S. Paulo