O governo prepara uma regulamentação do trabalho que vai atingir os cerca de 2,5 milhões que atuam como prestadores de serviços de aplicativos, sejam motoristas, entregadores ou em outras funções. De acordo com a proposta, a proteção seria a mesma de um microempreendedor individual (MEI), que é a previdenciária, com acesso a aposentadoria, pensão, auxílio doença e licença maternidade.
No entanto, sem a cobertura dos direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, como férias, décimo terceiro salário e descanso remunerado. Não haverá relação trabalhista.
Pela proposta, a inscrição no regime seria obrigatória; hoje é voluntária. Todos que trabalham em aplicativos serão necessariamente microempreendedor digital (MED), nome do programa em gestão, e as plataformas farão o recolhimento da contribuição ao governo, de R$ 55 mensais, de forma automática, em parcelas descontadas a cada entrega.
Assim, o desconto para a Previdência desses trabalhadores será direto na fonte. Pelo projeto em gestação, segundo integrantes do governo anteciparam ao GLOBO, o sistema funcionaria assim: quando o trabalhador se inscrever na plataforma, ele terá um CNPJ.
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A cada corrida ou serviço prestado, a plataforma descontará um valor para o recolhimento do MED que, como o MEI, equivalerá a 5% do salário mínimo. Em uma corrida de R$ 15, o aplicativo descontará do crédito do motorista de R$ 0,40 ou R$ 0,50 para o recolhimento à Previdência destes trabalhadores.
Com este mecanismo, o governo quer evitar a alta inadimplência do MEI: atualmente, 52% dos autônomos atrasam o recolhimento de suas obrigações previdenciárias, segundo dados do Ministério da Economia.
Para evitar isso, afirmam os responsáveis pelo novo projeto, a única forma de manter a regularidade no pagamento das contribuições é fazer o desconto na fonte.
Isso ainda elimina a burocracia na geração de guias, o que é visto como uma forma de estímulo à adesão, explicou um técnico.
Se ao fim do mês, o trabalhador não conseguir completar os R$ 55, ele poderá gerar uma guia para recolher o que falta, explicou um técnico a par das discussões. Porém, pelos cálculos do governo, os prestadores de serviço conseguirão atingir a meta em até 20 dias de serviço.
Neste primeiro momento, o governo não prevê qualquer contribuição por parte das empresas para o MED. Cogita-se cobrar algum tipo de contribuição das plataformas, mas a estratégia é tratar dessa questão posteriormente, para não contaminar as discussões e somente depois que o novo sistema estiver totalmente operacional para recolher dos trabalhadores.
Esta primeira versão do programa ainda terá foco apenas nos prestadores de serviço. Pessoas que utilizam as plataformas para vender produtos só seriam incluídas em um segundo momento, porque esse tipo de transação envolve pagamento de tributos, como ICMS.
Estes trabalhadores terão direito, assim como no MEI, a benefícios como auxílio doença, salário maternidade, pensão por morte e aposentadoria. Poderão se inscrever no regime quem fatura até R$ 81 mil por ano. De acordo com dados do Ministério da Economia, atualmente cerca de 200 mil motoristas e entregadores de aplicativos são inscritos no MEI, ou seja, possuem algum tipo de proteção social.
O que representa menos de 10% do total. No Brasil, há 12,5 milhões de pessoas inscritas no MEI.
Por medida provisória
Segundo o técnico, o novo sistema poderá ser implementado por medida provisória ainda este ano. Para isso, o Ministério do Trabalho e Previdência já se reuniu com as principais associações de plataformas.
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Segundo o sociólogo José Pastore, que tem se debruçado sobre o tema, a multiplicidade de plataformas e serviços oferecidos, de jornadas, formas de pagamento tem se mostrado um desafio para regulação:
— Mas precisa resolver isso urgentemente. A sociedade moderna não aceita essa selvageria que está acontecendo nesse campo. Motociclista se acidenta, fica doente e ninguém é responsável.
Segundo ele, há tentativas de solução em curso em vários países, mas nada pronto. Há um esforço para legislar, mas há outros que “continuam pendurados na jurisprudência dos tribunais”.
Para o estudioso de relações de trabalho, a obrigatoriedade de inscrição é o desenho correto, deixando claro que não há vínculo. Dessa maneira, a empresa poderia oferecer outros benefícios como seguro-saúde ou auxílio creche.
— Mas, o ideal é garantir na lei punições para não cumprimento.
Vitor Magnani, presidente da Associação Brasileira Online to Offline (O2O), uma das associações que foram ouvidas pelo governo, disse que o novo regime precisará observar a diversidade de plataformas e ter foco na proteção social e participação dos trabalhadores.
— Sem um sistema que consiga conectar todas as plataformas digitais no INSS e algumas adaptações no regramento do MEI não teremos a eficiência na implementação — disse Magnani, cuja entidade representa 153 plataformas e redes de varejo.
Flávio Prol, diretor executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa Uber, 99 e I Food, e foi ouvida pelo governo, destacou que a regulamentação não deve seguir a lógica trabalhista.
— O foco deve ser a proteção social.
Fonte: Globo
Créditos: Globo