Artur Paschoali queria viajar pelo mundo sem ter destino certo. Quando tinha 19 anos, em dezembro de 2012, ele desapareceu durante um mochilão pelo Peru. Mais de sete anos depois, o sumiço do rapaz é um mistério que nunca foi esclarecido. O pai acredita na possibilidade de o filho estar vivo. A mãe prefere não criar expectativas e crê que o jovem morreu.
O rapaz é definido por amigos e parentes como aventureiro e desapegado de itens materiais. Artur morava em Brasília junto com os pais e os três irmãos – duas moças mais novas e um rapaz, o primogênito.
“O Artur sempre foi o mais desgarrado e desligado da família, apesar de muito amoroso. Ele não tinha a necessidade social de estar com a gente, de estar presente. Ele era do mundo e sempre se preocupou com causas sociais. Desde pequeno, falava que queria conhecer muitos lugares. A família dele sempre foi o mundo”, detalha a mãe do jovem, a arquiteta Susana Paschoali.
No fim de setembro de 2012, ele viajou com um grupo para o Peru, pouco após começar a cursar artes cênicas na Universidade de Brasília (UnB). Artur iria passar apenas algumas semanas na região de Cuzco, mas se encantou pelo lugar e estendeu o período do mochilão.
Para permanecer na região, ele trabalhou em hostels e em um bar. Pouco antes do Natal de 2012, parou de mandar mensagens para os pais. Dias depois, foi declarado desaparecido.
Em busca por respostas sobre o paradeiro do filho, os pais foram ao Peru várias vezes. Eles fizeram investigações por conta própria, relatam que gastaram mais de R$ 200 mil, mas nunca chegaram a uma resposta sobre o que aconteceu com Artur. “Considero que fiz tudo o que estava ao meu alcance para tentar encontrar meu filho. Rodei todo o Peru para tentar descobrir algo, conheço mais aquele país que o Brasil”, afirma o motorista de aplicativos Wanderlan Vieira, pai do jovem.
O sumiço de Artur é marcado por suposições e incertezas. Os pais acreditam que o rapaz pode ter sido vítima de pessoas envolvidas com o tráfico de drogas da região ou que possa ter sido escravizado. As autoridades peruanas, responsáveis por apurar o caso, nunca chegaram a nenhuma informação concreta. As investigações foram arquivadas há quase três anos.
Desapegado e aventureiro
A viagem ao Peru representava uma oportunidade para Artur conhecer mais sobre a cultura local. O rapaz era apaixonado por artes. Pouco antes de viajar, ele havia ganhado um prêmio por um curta-metragem que produziu em Brasília.
O jovem adorava tocar violão. Para contragosto da mãe, ele costumava tocar o instrumento em transporte público. “Morria de vergonha quando me diziam que tinham visto meu filho cantando no metrô”, diz a mãe de Artur. A família do jovem é de classe média. “Ele não precisava fazer isso”, justifica Susana. Ele também fez malabares nos semáforos da capital brasileira, por se recusar a depender financeiramente dos pais.
Quando o filho contou que viajaria para o Peru junto com uma caravana de brasileiros, Susana se desesperou. “Eu sempre soube que ele não seria muito presente na minha vida, porque ele era do mundo. Mas pensei em segurá-lo, para tê-lo por perto, mas eu sabia que não tinha nada que pudesse fazer para impedi-lo de viajar”, relata a arquiteta.
A última noite ao lado do filho é um dos momentos que mais fazem parte das lembranças de Susana. Antes de ele viajar para o Peru, ela saiu com o jovem. “Tomamos cerveja e jogamos bilhar. Naquele dia, sentamos no meio-fio de uma rua de Brasília e bebemos juntos. Eu já estava muito doída com a viagem dele, então decidi que seria importante estarmos juntos naquele momento”, diz a mãe.
Quando foi para o Peru, o rapaz passou a se comunicar com os pais por meio de mensagens no Facebook. “Ele tinha celular, mas não gostava. Até comprou um chip por lá, mas sempre preferiu mandar mensagens pela rede social. Nunca sabíamos quando ele mandaria uma mensagem”, conta a arquiteta.
Em uma mensagem em meados de novembro, ele comunicou aos pais que o grupo de brasileiros com o qual tinha viajado estava voltando para o Brasil. Porém, Artur permaneceu no Peru. Ele disse que se encantou por Cuzco e queria ficar na região por mais seis meses. Em meados do ano seguinte, planejava viajar para a Bolívia e depois retornar ao Brasil. “Para mim foi péssimo saber que ele ficaria sozinho, mas não pude brigar com ele. Não havia o que fazer, porque ele me mandava uma mensagem a cada dez dias”, relata Susana.
Ele se recusava a receber ajuda financeira dos pais. O jovem trabalhava como recepcionista em hostels e em um bar para que pudesse ter moradia e alimentação. No início de dezembro, se mudou de Cuzco para Águas Calientes, também nas proximidades de Machu Picchu, a cidade perdida dos Incas.
“Ele disse que o dono do hostel de Cuzco tinha um amigo, que era dono de um hostel em Águas Calientes, que precisava de gente para trabalhar naquele fim de ano. Por isso, o meu filho foi para a outra cidade junto com outros dois brasileiros”, diz Susana.
O desaparecimento
Dias depois de chegar a Águas Calientes, o jovem mandou uma mensagem que preocupou a família. “Ele disse que bebeu demais, ‘deu show’ e o patrão não queria mais ele por lá. Fiquei com muita raiva do Artur por fazer isso, mas me acalmei e evitei brigar naquele momento, porque estava difícil manter contato com ele. Apenas disse: fique tranquilo, só me informa onde você está”, conta Susana.
Segundo os pais, o jovem disse que iria “para a natureza”, sem detalhar o destino. A família ficou preocupada. Ele enviou uma mensagem somente uma semana depois, informando que estava no distrito peruano de Santa Teresa. “Era dia 21 quando ele nos contou isso. Ficamos mais tranquilos”, relata Susana.
Foi o último contato do jovem com os pais. O desespero da família sobre o sumiço de Artur começou no Natal, quando os parentes esperaram por uma mensagem dele. “Ligamos para o hostel que ele ficou em Águas Calientes, pois era o único contato que tínhamos, e nos disseram que nosso filho estava bem”, diz Susana.
No dia 28 de dezembro, Wanderlan sonhou com o filho. “Eu sonhei que a Susana estava em um ônibus, segurando o Artur no colo, mas ele estava sem cabeça. Ela segurava a cabeça dele, que estava fora do corpo, com outra mão. Ele dizia para mim que estava vivo, mas estava ferido e precisava de ajuda”, relata o pai do rapaz.
A família ligou para um hostel em Santa Tereza e um homem confirmou o desaparecimento de um brasileiro, mas não soube informar a identidade do turista. Desesperados, procuraram por autoridades brasileiras ou peruanas, que pudessem ajudá-los. Mas, segundo eles, não conseguiram apoio naquele momento. Conseguiram passagens aéreas para 31 de dezembro e embarcaram para o Peru. Em Lima, descobriram que o jovem desaparecido era Artur.
As buscas por respostas
Susana e Wanderlan foram a Santa Teresa, à procura de respostas para o sumiço do filho. A polícia deu início às buscas pelo jovem. O caso passou a ser divulgado na imprensa.
A procura por Artur reuniu autoridades peruanas e brasileiras. Susana e Wanderlan também resolveram fazer investigações por conta própria. Eles relatam que descobriram que Santa Teresa é uma cidade tomada pelo narcotráfico e com uma população com intenso temor de revelar qualquer informação.
“O tráfico de drogas é muito forte naquela região. É uma zona que tem muita produção de cocaína, principalmente nas fazendas que estão localizadas em torno da montanha. Então é uma área muito perigosa”, relata Susana.
Os pais de Artur revelam que sofreram diversas ameaças de morte enquanto estiveram por Santa Tereza. Apesar disso, não desistiram de buscar por respostas. Nas redes sociais, parentes iniciaram um movimento para arrecadar recursos para que os pais permanecessem no Peru e conseguissem ajudar nas buscas. Em quatro meses, conseguiram pouco mais de R$ 50 mil, por meio de doações.
Para buscar por informações, eles contam que tiveram a ajuda de informantes da região. “Todos colaboravam anonimamente”, explica Wanderlan. Ele afirma ter vivido situações aterrorizantes enquanto buscava pelo filho. “Uma mulher disse que tinha informações sobre o Artur. Combinamos de nos encontrar em um local e quando chegamos, ela estava morta, coberta com folhas de bananeira e com as mãos decepadas”, diz o motorista, que diz ter ficado uma semana sem conseguir comer, após presenciar a cena.
“Foram muitas situações complicadas enquanto buscávamos respostas. Fomos muito ameaçados pelos traficantes da região. A população vive aterrorizada. Moradores da região afirmavam que a gente só não morreu durante as buscas pelo Artur porque a mídia estava noticiando o assunto”, afirma Susana.
Na primeira vez, Susana e Wanderlan permaneceram no Peru por quatro meses. Eles fizeram buscas incessantes pelo jovem, mas não obtiveram respostas. Ela chegou a retornar uma vez ao país andino. Ele foi outras quatro vezes, sendo a última em 2016.
“Muitas provas foram destruídas ou desprezadas. A polícia não fez uma investigação real”, critica Wanderlan. A família acredita que por se tratar de uma região de tráfico intenso, as autoridades tiveram receio em apurar profundamente o desaparecimento do jovem.
Após insistência dos pais, as autoridades policiais peruanas passaram a investigar o caso como crime, não mais somente como desaparecimento de pessoa.
Os pais de Artur fizeram denúncias às autoridades peruanas. Apontaram, entre os suspeitos pelo desaparecimento do jovem, o dono do bar em que o jovem trabalhou, antes de desaparecer. Outras pessoas ligadas ao homem, segundo os pais, também poderiam ter ligação com o desaparecimento. No entanto, nada foi comprovado pelas investigações da polícia. Ninguém chegou a ser preso.
Morto ou vivo
Para Susana, o filho está morto. Ela acredita que ele possa ter sido assassinado em dezembro de 2012. “Uma mulher bateu no meu albergue cinco da manhã, disse que tinha que falar comigo rapidamente, antes de amanhecer, e me contou que ouviu meu filho sendo agredido e pedindo para não apanhar”, diz Susana.
Ela conta que não sabe as causas da suposta agressão. “Acredito que o Artur talvez tenha descoberto algo que tenha incomodado as pessoas daquela região”, diz a arquiteta.
A casa na qual a testemunha relatou ter ouvido gritos de Artur pertence ao dono do bar em que o jovem trabalhava. Na residência foram encontradas marcas de sangue. Os vestígios passaram por análise, que apontaram que não seriam do jovem. “Mas até hoje acredito que aquele sangue era do meu filho”, declara Susana. Para ela, deveriam ser feitas outras análises do material colhido.
Desde que soube do desaparecimento do filho, ela relata ter aprendido a lidar com a ideia de que o filho morrera. “Em minha mente, ele está morto. Mas quem me garante que estou certa? Não sei o que aconteceu. Alguns conhecidos dizem que isso pode ser uma fuga para não sofrer mais. Pode ser. Mas há sete anos convivo com a sensação de que ele morreu”, afirma a arquiteta.
Wanderlan, porém, acredita que o filho possa estar vivo. Quando volto ao Peru, dois anos depois do desaparecimento de Artur, ele conta ter ouvido diversas pessoas afirmarem que viram um rapaz com características semelhantes às do jovem desaparecido. “Algumas pessoas me informaram que ele poderia estar em uma reserva indígena, no norte do Peru. Em meados de 2015, fui até essa região e muitas pessoas disseram que ele estava por lá”, relata o motorista.
“A última informação que tenho é de 2015, de que ele estaria por lá, sendo escravizado para trabalhar como tradutor, porque ele sabia inglês e espanhol. Me disseram que ele teria sido vendido por traficantes da região por valor semelhante a R$ 100 mil. Mas não consegui encontrá-lo, até porque eu não tinha dinheiro para permanecer tanto tempo naquela região”, acrescenta Wanderlan.
A cada ano sem informação sobre o paradeiro do filho, Wanderlan conta que as esperanças de encontrá-lo reduzem. Porém, ele ainda acredita que o jovem possa estar vivo. “Hoje acredito menos nisso”, afirma.
Em nota à BBC News Brasil, o Itamaraty ressalta que as investigações sobre o caso foram encerradas pelas autoridades peruanas em 2017. Segundo a entidade, foram cinco anos de trabalho, que incluíram “diversas diligências na região em que ocorreu o desaparecimento”.
Ao menos por ora, as investigações sobre o desaparecimento de Artur foram suspensas, por falta de comprovações sobre o paradeiro do jovem. “Até este momento, o Itamaraty não foi informado de qualquer fato novo que possa servir como justificativa para pleitear, junto às autoridades peruanas, a reabertura dessas investigações”, detalha o Itamaraty.
Enquanto não conseguem respostas concretas, Susana e Wanderlan, que foram casados por mais de 25 anos e estão separados há dois anos, afirmam que é difícil conviver com a saudade e a incerteza sobre o filho. Apesar de terem opiniões distintas sobre o que aconteceu com o jovem, eles têm algo em comum: a esperança de que ainda conseguirão respostas sobre o desaparecimento do rapaz.
Para acalentar a saudade, Susana costuma compartilhar textos sobre o filho nas redes sociais. “Parece que tem dias que a dor não cabe no peito. Daí eu te procuro em minha alma para poder respirar. Quanta falta você faz”, escreveu a mãe do jovem, meses antes de completar sete anos sem respostas sobre Artur.
Fonte: BBC
Créditos: BBC