Policiais civis e militares mataram no ano passado ao menos 3.022 pessoas no país, uma média de oito por dia e um total que supera o de vítimas dos atentados de 11 de setembro nos EUA em 2001, em que 2.977 pessoas morreram.
Os dados fazem parte da 9ª edição do Anuário de Segurança Pública que será lançado semana que vem pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ONG que reúne especialistas em violência urbana.
Essas mortes por policiais em 2014 representam crescimento de 37% em relação a 2013, puxado principalmente pelo avanço da letalidade em SP (57,2%) e Rio (40,4%).
A sensação em 2015 é que esse tipo de crime segue em alta nesses dois Estados.
Em São Paulo, por exemplo, PMs são os principais suspeitos de comandar a chacina de 19 pessoas em Osasco e Barueri, em agosto.
Em outro caso recente em SP, PMs foram presos após o assassinato de dois suspeitos já rendidos na capital –um deles atirado de um telhado.
Esse crime foi registrado em vídeo, assim como no caso desta semana no Rio no qual policiais tentaram forjar um tiroteio diante do corpo de um jovem morto.
Para o sociólogo Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do fórum, esses casos são exemplos de uma política de combate à violência equivocada. “É mais uma evidência, de tantas outras, de que o sistema de polícia no país precisa mudar. Há uma falência do modelo de polícia, de enfrentamento.”
Outra evidência do fracasso é o alto índice de policiais também assassinados no país –foram 398 no ano passado. Esse ranking é puxado por Rio (98), SP (91) e AM (30).
“Eles também são caçados. Você acabou criando a dinâmica da “vendetta” [vingança]. Quem mata e quem morre primeiro. O Estado tem que ser mais eficiente em interromper essa guerra”, disse o vice-presidente do fórum.
Embora tenham 29% da população, as polícias paulista e fluminense foram responsáveis por 51,3% de todas as mortes praticadas por policiais em 2014 –o que inclui dados de PMs e policiais civis de, de folga e em serviço.
Mas o fórum faz uma ressalva. SP e RJ podem representar fatia menor no cenário nacional, porque outros Estados resistem a dar informações. Assim, as 3.022 mortes são dados subestimados.
Para o coronel Álvaro Camilo, ex-comandante da PM de SP e hoje deputado estadual pelo PSD, um dos motivos do crescimento da letalidade é a ação dos próprios criminosos.
“A impunidade fez com que o infrator passasse a ficar mais agressivo. Ele está enfrentando mais a polícia.”
AÇÕES CONTRA LETALIDADE
As secretarias de Segurança de São Paulo e do Rio dizem que estão adotando medidas para tentar reduzir a letalidade policial.
No caso do governo Geraldo Alckmin (PSDB), a pasta afirma apostar em uma resolução deste ano que passou a exigir, além da perícia, equipes das Corregedorias e comandantes na região de mortes com confrontos “para melhor preservação do local dos fatos e eficiência inicial das investigações”.
No caso do governo fluminense, de Luiz Fernando Pezão (PMDB), a secretaria cita a redução do número de fuzis no policiamento –arma de maior letalidade e que em SP só é usada em unidades especiais, e não no patrulhamento comum.
A secretaria paulista afirma ainda prever a imediata comunicação ao Ministério Público dos casos envolvendo policiais e que a letalidade da PM caiu 11,2% entre abril e julho, em relação ao mesmo período de 2014. De janeiro a junho, porém, houve crescimento recorde.
“Vale ressaltar que São Paulo está entre os Estados mais transparentes na divulgação de índices criminais, sendo um dos poucos que contabiliza, entre outros quesitos, as mortes provocadas por policiais em folga”, diz trecho da nota.
Já a secretaria do Rio ressalta ainda a criação de Centro de Formação do Uso Progressivo da Força para a redução dos índices criminais.
Apesar do aumento da letalidade em 2014, ela ressalta que esse número está 45% abaixo do patamar de 2006.
Segundo a pasta, a partir de 2008, ano da primeira Unidade de Polícia Pacificadora, os homicídios por intervenção policial apresentam queda (nas áreas de UPP, de 85%) e “estudos apontam que a pacificação” contribuiu para reduzir as mortes em confronto.
SEM ENFRENTAMENTO
Na outra ponta da gangorra, o Distrito Federal, com os menores indicadores de letalidade policial, é apontado como exemplar pelo Fórum Brasileiro de Segurança.
Lá, segundo o secretário da Segurança Pública e da Paz Social, Arthur Trindade, há nas próprias instituições uma cultura de não-violência. “A pergunta que todos me fazem é se é isso mesmo: taxa média de três civis mortos por ano em confrontos. Aqui não há uma lógica do emprego do policiamento para confronto, essa cultura do enfrentamento. O policiamento é feito seguindo outras estratégias.”
Além disso, as corregedorias trabalham de forma dura e todas as mortes por policiais são registradas como homicídio, não como resistência seguida de morte.
POLICIAIS MORTOS NO RIO
Assim como figuram entre os que mais matam, policiais do Rio também estão entre as principais vítimas –como ocorreu nesta sexta (2) com um sargento e um cabo da PM, alvos de tentativa de assalto em Sulacap (zona oeste).
Marcelo de Moraes (sargento) e Antônio Carlos Dias Leite (cabo) seguiam de moto para um treinamento. Sem farda, foram abordados por dois homens em outra moto.
Eles reagiram e, no tiroteio, Moraes foi assassinado com um tiro na cabeça e outro no abdômen. O cabo acabou baleado no abdômen, mas pediu ajuda a um funcionário dos Correios –que matou um dos ladrões com a arma do policial. O outro fugiu.
Esse funcionário levou Leite ao hospital em sua própria moto. “Ele viu o policial atingido, pegou a arma do policial e atirou contra o meliante. Foi um ato de heroísmo”, disse o delegado Rivaldo Barbosa.
A morte de Moraes é a quarta de um PM nesta semana no Rio. Na segunda (28), um soldado foi morto na Baixada Fluminense após ser reconhecido como policial. Também na Baixada e pelo mesmo motivo, outro soldado morreu na quinta (1º). Um PM que foi dublador de Harry Potter morreu em tiroteio no Complexo do Alemão.