Ministra Rosa Weber foi interrompida ao menos 3 vezes durante seu voto no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula.
Existem dois conceitos que poderiam ser adicionados na definição do que foi a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu o futuro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na noite da última quarta-feira (4): mansplaining e maninterrupting. De forma simplificada, ambos podem ser entendidos como “a prática comum da ‘interrupção masculina’ para explicar a uma mulher o que ela já sabe”.
A ministra Rosa Weber, que tinha em suas mãos o voto considerado decisivo para o julgamento, negou o pedido de habeas corpus ao ex-presidente. Ela resumiu sua decisão em uma afirmação: o Estado de Direito requer que não haja variações frívolas nas decisões dos tribunais. Mas, ao apresentar seu argumento, cometeu o deslize de discordar de Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. Ambos a interromperam mais de uma vez.
“Tenho critério de julgamento e costumo manter minha coerência. Não tenho como reputar ilegal, abusivo ou teratológico o acórdão da 5ª turma do STJ que rejeitou a ordem de habeas corpus, independentemente da minha opinião pessoal quanto ao tema de fundo”, afirmou a ministra, respeitando a decisão do Supremo de 2016.
Weber posicionou-se contrária à decisão do STF, em 2016, sobre a pena antecipada, alegando que o entendimento confronta a “presunção da inocência”. Desde então, no entanto, acumulou votos favoráveis à prisão após condenação em 2ª instância, negando liberdade a 57 de 58 presos que fizeram o mesmo pedido da defesa de Lula.
Enquanto Weber lia seu voto, o ministro Marco Aurélio Mello a interrompeu: “Rosa, Vossa Excelência me permite um aparte?”. E Rosa respondeu: “Pois não, ministro Marco Aurélio, com muito gosto”. E ele continuou: “Se a apreciação dos pedidos formulados nas declaratórias de constitucionalidade fosse hoje, haveria maioria para deferir a liminar, ante a evolução do ministro Gilmar Mendes”.
Neste momento, antes de Weber voltar a falar, o ministro Lewandowski, visualmente irritado, argumentou que com uma posição como a dela “a corte não pode evoluir jamais”. A presidente do STF, Cármen Lúcia, defendeu a colega:
“A ministra justificou muito bem, exatamente dentro da opinião dela, então acho que há de se respeitar”, disse. Lewandowski também interpelou a presidente, e argumentou que, no Supremo, “a troca de ideias é cabível”. “Com muito prazer. Mas tem um detalhe: eu estabeleci premissas teóricas”, disse a ministra, antes de ser interrompida novamente.
Foi neste momento que o ministro Marco Aurélio disse: “No início, eu confesso que não sabia a natureza de seu voto. E eu tenho alguma experiência no colegiado”. E Rosa Weber respondeu, reafirmando seu argumento e sua trajetória como magistrada:
“Quem me acompanha nesses 42 anos de magistratura não poderia ter a menor dúvida com relação ao meu voto, porque eu tenho critérios e procuro manter a coerência das minhas decisões”.
Dos 11 ministros do STF, Rosa Weber e Cármen Lúcia são as únicas mulheres. Por 11 anos, Ellen Gracie, então aposentada, também ocupou uma cadeira na corte. Durante a sessão de ontem, diferente de Rosa Weber, ministros como Luiz Roberto Barroso, Celso de Mello e Edson Facchin proferiram seus votos sem interrupções significativas. Nas redes sociais, o ocorrido ganhou o apelido até de “ministerrupting”.
No judiciário, mulheres são interrompidas, em média, 3 vezes mais do que os homens. O dado é de uma pesquisa feita por Tonja Jacobi e Dylan Schweers, da Escola de Direito Northwestern Pritzker School of Law, de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos, que descobriu o efeito do gênero, do posicionamento político e da idade nos debates dentro da Suprema Corte americana. O estudo foi divulgado em março deste ano.
A interrupção sistemática de mulheres feita por homens, ou apartes na fala das ministras para explicar aquilo que não precisa ser explicado ou o que já seria falado por elas, não é de hoje e, segundo a pesquisa, acontece mesmo quando as mulheres alcançam a mais poderosa posição de sua carreira.
E elas não são interrompidas só por seus colegas de tribunal, não. Por advogados também. Apesar de, segundo a regra, eles serem proibidos de cortar a fala de um juiz, que tem o poder de repreendê-lo imediatamente caso isso aconteça.
Não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas.Cármen Lúcia, presidente do STF
Para chegar a este resultado, foram analisadas discussões da Suprema Corte norte-americana de 1990, 2002 e 2015, com a intenção de descobrir qual foi a evolução histórica desse comportamento. Casos de quatro ministras que chegaram à Suprema Corte norte-americana até o momento foram analisados pelos pesquisadores. São elas: a ex-ministra Sandra Day O’Connor, a ministra Ruth Ginsburg, e ministra Sonia Sotomayor e a ministra Elena Kagan.
Para os autores do estudo, todo o cenário descoberto na pesquisa sugere que, em vez de se acostumarem a compartilhar o trabalho com mulheres, homens podem ter se tornado mais hostis à presença delas em ambientes que, tradicionalmente, são feitos e ocupados por eles.
Além de silenciar as mulheres, o estudo diz que esse comportamento contribui para o fortalecimento de alianças conservadoras, já que decisões novas e sob a influência das mulheres não aparecem como deveriam.
Não à toa, Cármen Lúcia, no ano passado interrompeu uma sessão da primeira turma para falar sobre este assunto e citou a pesquisa em plenário:
“Foi feita agora uma pesquisa, já dei ciência à ministra Rosa, em todos os tribunais constitucionais onde há mulheres, o número de vezes em que as mulheres são aparteadas é 18 vezes maior do que entre os ministros… E a ministra Sotomayor [da Suprema Corte americana] me perguntou: como é lá? Lá, em geral, eu e a ministra Rosa, não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas”.
Fonte: HuffPost Brasil
Créditos: HuffPost Brasil