O Ministério da Economia quer barrar projeto que prevê indenização a profissionais de saúde incapacitados para o trabalho em razão da Covid-19. A proposta também estabelece a reparação a cônjuges e dependentes de profissionais que morreram após se infectarem com o novo coronavírus. Mais de 200 profissionais de enfermagem já morreram após se exporem ao vírus no ambiente de trabalho, segundo dados de entidades do setor. Entre os médicos, são cerca de 140 óbitos, conforme organizações que reúnem dados de todo o país. Há um mês, um relatório do Ministério da Saúde apontou um número distinto: 169 trabalhadores da área de saúde morreram com Covid-19; 83,1 mil se infectaram com o vírus.
A manifestação contrária a uma indenização a profissionais incapacitados ou aos dependentes de quem morreu por Covid-19 foi expressa em um documento finalizado no último dia 3. É uma nota conjunta elaborada por duas secretarias, uma subsecretaria e duas coordenações da pasta. Assinam o documento o secretário de Previdência do Ministério da Economia, Narlon Gutierre, e o secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho, Benedito Brunca. Eles estimam um impacto à previdência social na ordem de R$ 1,7 bilhão a R$ 3,7 bilhões, caso a reparação seja concedida a profissionais de saúde e a dependentes de quem morreu no combate ao coronavírus.
A análise da equipe econômica foi feita em relação a um projeto de lei já aprovado na Câmara e no Senado, que prevê indenização mínima de R$ 50 mil ao profissional de saúde incapacitado ao trabalho pela Covid-19 — ou a seus herdeiros, em caso de morte pela doença. Ao valor se somam R$ 10 mil por ano, até que o dependente complete 21 anos de idade. Se ele estiver na universidade, o benefício deve se estender até os 24 anos.
O líder do governo no Congresso, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), afirmou que não existe “compromisso” com a sanção da proposta aprovada:
— A matéria foi aprovada mas não houve compromisso de sanção. Já existe legislação própria para tratar a incapacitação por atividade laboral — disse.
O projeto prevê que têm direito ao benefício profissionais que atuaram no atendimento direto a pacientes com Covid-19 ou que fizeram visitas às casas de pessoas infectadas, como é o caso de agentes comunitários de saúde. Mesmo se a infecção pelo novo coronavírus não tenha sido a causa única ou principal da incapacidade ao trabalho, e mesmo em casos de comorbidades, fica assegurado o benefício, conforme o projeto.
A nota conjunta do Ministério da Economia pediu a rejeição do projeto de lei. Quatro dias depois, na última terça-feira, o Senado aprovou a proposta oriunda da Câmara, de forma unânime entre os senadores. Todos os 76 votantes disseram sim à proposta, entre eles o filho do presidente, Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e o líder do governo no Senado. Como houve mudanças no projeto originalmente aprovado na Câmara, com aprovação de emendas que ampliam o rol de profissionais a serem beneficiados (foram incluídos fisioterapeutas, nutricionistas e assistentes sociais, entre outros), o projeto voltou àquela Casa, para uma nova votação.
No documento elaborado, o Ministério da Economia pede, em caso de continuidade do projeto, a inclusão de um parágrafo que blinde o regime da previdência social do impacto da proposta. A pasta quer que a relação entre Covid-19 e incapacidade permanente para o trabalho “não se aplique à concessão de benefícios do regime geral de previdência social”. O pedido não foi contemplado no Senado.
“A proposição, em que pese seus nobres objetivos, implica em aumento de despesas de forma contínua e cujos efeitos ultrapassam o período da pandemia”, cita a nota técnica. “A aprovação de leis que acarretem aumento de despesa ou renúncia de receita de forma duradoura impacta a trajetória futura dos gastos públicos, com efeitos perenes sobre o equilíbrio fiscal e a economia. Isso pode limitar os recursos disponíveis no momento posterior à crise sanitária.”
O regime de previdência será impactado com concessões de benefícios por incapacidade permanente e pensões por morte, uma vez que o projeto de lei estabelece um nexo entre a Covid-19 e a incapacidade ao trabalho, conforme o documento do Ministério da Economia. Isto ocorreria mesmo que a Covid-19 “não seja de fato a causa principal”, diz a pasta.
O ministério fala ainda em “oneração excessiva ao empregador, mesmo que sem nexo comprovado”. E defende que “o mais adequado é a preservação da higidez do sistema por meio da manutenção da regra que assegura à perícia médica federal a competência exclusiva para o exame para fins de caracterização da incapacidade permanente para o trabalho”.
“A presente manifestação se atém aos aspectos técnicos e previdenciários da proposição”, cita o documento. “Não se deixa de reconhecer a inestimável contribuição de cada um dos trabalhadores para o conjunto da sociedade, em especial ao se considerar o contexto desafiador decorrente da rápida disseminação do novo coronavírus pelo Brasil e pelo mundo.”
Fonte: O Globo
Créditos: O Globo