Maya Amaral é uma menina doce, que adora proteger a irmã Laura, de dez meses de idade. A descrição é da mãe, Carolina Amaral, diretora de estratégia do banco canadense Nova Scotia no Brasil, que se diz suspeita para falar da filha. A tese faz sentido, porém, quando se debruça sobre o depoimento que a menina escreveu como lição de casa para a Escola Vera Cruz, na qual Maya cursa o 5º. ano. Toda sua família caiu doente, vítima do coronavírus, e ela relatou o que viveu.
“Eu fiquei um pouco assustada e triste porque queria muito brincar com meus amigos na escola, mas para prevenir e não infectar meus colegas, não fui para a escola”, escreveu. “Como eu ainda estava com muita falta de ar, o meu avô (que é médico) pediu para a minha mãe alugar um cilindro de oxigênio que parece um botijão de gás. Mesmo fazendo inalação com o inalador e com o oxigênio, eu comecei a me sentir pior.”
Do sofrimento da piora com a ida para a UTI, além de ver pais e irmã doentes, surgem linhas também que revelam essa doçura infantil: “Quando chegamos no hospital, a minha médica me examinou e disse que eu teria que ser internada na UTI. A médica do hospital (…) se chama Laura igual minha irmãzinha, eu adoro ela! Eu tive que fazer vários exames de novo. Um exame foi bem legal porque parecia que eu estava numa nave espacial.”
Maya fez 10 anos no dia 7 de março. Comemorou com as amigas, foi ao shopping e teve festa com toda a família. Dias depois, todos cairiam doentes. Detalhe: o pai, o artista plástico Joaquim de Almeida, de 38 anos de idade, é ex-atleta profissional. Faz musculação todos os dias, mergulho em apneia e é capoeirista. Ele teve de ficar com o bebê convalescendo, enquanto a mãe estava com Maya internada. Quando pôde ir ao hospital, foi diagnosticado com pneumonia grave. Carolina, de 33 anos, faz crossfit e ginástica diariamente – e também ficou bastante doente.
“O mais difícil foi não poder pedir ajuda para ninguém de fora da nossa casa porque iríamos contaminá-los”, diz Carolina. “Quando chegamos no hospital, no dia 15, a UTI já estava lotada. Imagino outras mães, no meu lugar, só que no SUS, no auge da epidemia (daqui umas semanas ou meses se nós nos contivermos), só que sem leito de UTI para sua filha.”
A proposta do trabalho da Escola Vera Cruz, chamado “Permanências e transformações”, era fazer as crianças discutirem e entenderem o momento. A seguir, o depoimento de Maya:
“Nessa última semana fiquei muito doente, como nunca fiquei antes. Eu estou infectada com covid-19 e minha família também. Quando comecei a ficar doente na terça (dia 10 de março), eu só estava com dor de garganta e febre baixa, fui melhorando e na quinta-feira fui para escola. Na sexta-feira, meus pais me contaram que meu avô, que é médico, achava que estávamos com coivd-19. Eu fiquei um pouco assustada e triste porque queria muito brincar com meus amigos na escola, mas para prevenir e não infectar meus colegas, não fui para a escola.
No sábado, minha irmã mais nova ficou muito doente, coitada! A febre dela alcançou 42 graus! Meu avô mandou minha mãe levar minha irmãzinha para o hospital e eu fiquei com meu pai. Lá, ela fez alguns exames como por exemplo o do coronavírus e ela foi internada durante o final de semana. Todos os resultados de exames da minha irmã deram negativos, menos o do coronavírus que deu “indetectável”. Meu avô explicou que indetectável não significa negativo, mas que naquela amostra não conseguiram ter certeza que tinha coronavírus. A Laurinha voltou pra casa na segunda-feira.
Uns dias depois eu comecei a ficar com falta de ar e tontura, então minha mãe me levou para o hospital. Lá, eu fiz vários exames: exames de sangue, de narina e um raio-x. Como já achavam que estávamos com coronavírus, todos os exames foram feitos na sala de isolamento. Foi legal fazer o raio-x. Depois dos exames, o médico me mandou para casa, estava muito tarde e quando cheguei, fui dormir com a minha mãe para não acordar meu pai e minha irmã.
Como eu ainda estava com muita falta de ar, o meu avô pediu para a minha mãe alugar um cilindro de oxigênio que parece um botijão de gás. Mesmo fazendo inalação com o inalador e com o oxigênio, eu comecei a me sentir pior.
Então dois dias depois, voltamos para o hospital. Eu estava com muita dor no peito, dificuldade para respirar e também estava muito cansada. Quando chegamos no hospital, a minha médica me examinou e disse que eu teria que ser internada na UTI. A médica do hospital é minha endócrina, ela se chama Laura igual minha irmãzinha, eu adoro ela! Eu tive que fazer vários exames de novo. Um exame foi bem legal porque parecia que eu estava numa nave espacial.
Quando eu cheguei na UTI, eu não podia sair da sala nem para fazer xixi. Eu fiquei triste porque não queria ter que dormir no hospital. No dia seguinte eu tive que fazer um exame para ver se meu coração estava bem, e ele estava. Nesse exame, tiveram que grudar adesivos no meu peito e também ver meu coração num exame que chama ecocardiograma. Por sorte, a médica que fez esse exame é a minha cardiologista.
No dia seguinte, minha mãe ficou muito nervosa porque meu pai estava muito doente e ela não podia sair do hospital. O médico viu que estava um pouco melhor e me deixou ir para o quarto da internação normal. Lá, eu fiquei mais um tempo.
Quando finalmente fomos para casa, eu não pude dar um abraço no meu pai porque não sabíamos se ele estava com uma bactéria contagiosa, e ele estava. Assim que chegamos em casa, ele foi para o hospital. Lá ele fez alguns exames e viram que ele estava com pneumonia bacteriana porque a covid deixou ele muito fraquinho. Por sorte ele não dormiu no hospital, mas teve que ficar sozinho no meu quarto sem chegar perto de ninguém por 48h.
Desde que chegamos em casa, minha mãe tem cuidado de todos nós. Ainda não estou 100% e nem meu pai e a Laurinha. Mas daqui a pouquinhos estaremos todos bem.”
Fonte: Folha
Créditos: Folha