Desde o ano de 2010 a médica cuiabana, Letícia Franco, vem sofrendo com internações em hospitais, destas internações 34 são na Unidade de Terapia Intensiva. O sofrimento causado por uma doença crônica degenerativa fez com que ela tomasse a decisão de optar pelo procedimento bastante controverso.
Em suas redes redes sociais ela postou uma mensagem despedindo-se dos amigos e explicando quais são as próximas medidas que pretende tomar em sua vida: “Em 16 dias estarei longe, na Suíça, fazendo o que me deixará livre da dor e do medo. Acho que amanhã ou depois desligo esse facebook […] (sic) Toda minha família deixo meu mais sincero amor”.
A viagem para a Suíça planejada por Letícia demonstra o interesse da médica na ideia de optar pelo suicídio assistido em uma clínica conhecida por oferecer este serviço para pacientes terminais que desejam que sua vida tenha um fim. O suicídio assistido é uma prática legal na Suíça ao contrário do Brasil.
Segundo Letícia para tomar esta decisão ela precisou enfrentar questões religiosas, mas o que a teria motivado a suspender a ideia do suicídio foi a possibilidade de seu caso estudado e ajudar na descoberta de um tratamento que possa vir a auxiliar pessoas que possuam a mesma doença. “Eu sou médica, minha vida toda foi doação, então pensei que é um final justo eu poder ajudar os outros”.
Há oito anos, Letícia foi primeiramente diagnosticada como portadora de uma doença autoimune chamada dermatopolimiosite. Doenças autoimunes são aquelas em que o organismo passa a atacar células saudáveis do próprio corpo. No caso da dermatopoliomiosite, o principal efeito é sobre os músculos e a pele. Mas pela complexidade de seu quadro, ela recebeu, mais tarde, outro diagnóstico: de ter uma rara síndrome ligada ao uso de prótese de silicone.
Em sua primeira internação, quando seus membros ficaram paralisados e ela mal conseguia abrir os olhos, conta ter passado três meses no hospital. “Nunca tinha ouvido falar nessa doença, não lembro de ter estudado isso na faculdade. Ali eu soube que meus músculos estavam morrendo. Eu corria, participava de competições, malhava muito. Tenho 1,73 m e cheguei no hospital pesando 78 kg, a maior parte de músculo. Quando eu tive alta estava pesando 43 kg.”
Franco passou a ter crises da doença a cada quatro meses – e manifestou sintomas de outras enfermidades, como lúpus e esclerodermia. Em decorrência da alta carga de cortisona tomada, relata ter desenvolvido osteoporose e passado a sofrer fraturas a cada vez que caía ou batia em algum lugar – quebrou queixo, braço e perna.
Há três anos, o quadro dela piorou. Além das dores nas articulações e músculos, e as constantes paralisias, começou a ter paradas respiratórias e outros sintomas inesperados para a doença que supunha ter. Foi então que um médico do Hospital das Clínicas de São Paulo a diagnosticou como portadora de uma nova síndrome, chamada Asia (sigla em inglês para síndrome autoimune/autoinflamatória induzida por adjuvantes), que ainda está sendo estudada e sequer foi definitivamente reconhecida no mundo científico.
Os adjuvantes são elementos externos que basicamente estimulam os anticorpos de quem é geneticamente propenso a ter doenças autoimunes a atacar o próprio organismo. Até agora, entre as substâncias estranhas ao corpo humano identificadas como tendo efeito adjuvante estão implantes de silicone e alguns tipos de vacina.
No caso de Letícia, ela e o reumatologista que a atendeu no Hospital das Clínicas, em São Paulo, acreditam que a prótese de silicone colocada pela primeira vez aos 18 anos, e que se rompeu anos depois, teria sido a responsável para que ela desenvolvesse a doença.
Os sintomas da síndrome, segundo os estudos, se assemelham muito aos de algumas doenças autoimunes, como a dermatopolimiosite, com a qual Franco foi inicialmente diagnosticada. Os mais comuns relatados são dores e inflamações dos músculos e nas articulações, fadiga crônica, comprometimento cognitivo, perda de memória e manifestações neurológicas associadas à desmielinização (quando há algum tipo de perda ou danificação da bainha de mielina dos nervos, como na esclerose múltipla).
“O médico então me disse que essa doença também não tinha cura [como a dermatopolimiosite], que eu ia continuar tendo crises e podia tentar tratamentos paliativos”, lembra Franco. “Aí eu falei: doutor, e agora? O que vai ser de mim? Eu sabia que ia piorar mais…E eu não queria isso.”
Foi no ano passado, quando foi internada e fez a traqueostomia para poder respirar, que começou a pensar no suicídio assistido. Como médica, ela sempre defendeu que pacientes de doenças incuráveis ou com morte cerebral pudessem ter essa opção.
Eu não quero morrer cheia de tubos, ter uma morte sofrida, horrível como eu sei que é. Se fosse só eu que sofresse, tudo bem. Mas é a família inteira que sofre. A coisa mais difícil é olhar para o olho da mãe e do pai e ver a tristeza enorme que eles têm por você estar com dor, ver eles sem esperança de que você vá melhorar, esperando por um milagre” diz ela, cujos pais também são médicos.
“Quantas vezes minha mãe pegou na mão e disse ‘Descansa, que vai ficar tudo bem.’ E eu via aquele olhar cheio de lágrimas. Isso pra mim dói mais que a doença, eu tô matando meus pais com tudo isso. Por isso pensei: se eu não posso voltar atrás e não ter essa doença, o que posso tentar é um final melhor, com dignidade.”
Católica praticante, a oftalmologista conta que a decisão pela eutanásia a fez perder algumas noites de sono. “Tinha medo de Deus não me perdoar. Dizem que quem comete suicídio vai para o inferno”, fala.
Ao receber um e-mail com instruções da clínica de morte assistida Dignitas, na Suíça, Franco comunicou a decisão aos pais. Em um primeiro momento, eles aceitaram levá-la até o local. Mas depois desistiram da ideia. “Minha mãe me disse ‘Como eu posso te levar pra morrer? Eu pedi tanto para ter uma filha, como vou fazer isso?’.”
Desesperada com a negativa da família, a médica conta que tentou tirar a própria vida com um bisturi dias após o post de “despedida” no Facebook. Foi salva pelos pais e ficou internada mais alguns dias.
Nesse período no hospital, Franco consultou três padres. “Falei pra eles do sofrimento meu e da minha família e perguntei se Deus ia me perdoar, se estava vendo a cruz que eu carrego”, diz. “Um me perguntou o que eu faria se fosse o contrário, se eu levaria minha mãe [para morrer]. E eu disse que sim, eu levaria. E todos me falaram que não iriam interferir na minha decisão, que só Deus conhecia meu coração.”
Logo depois, recebeu um e-mail que a fez suspender o plano do suicídio assistido. Ela havia escrito para o médico israelense Yehuda Shoenfeld, um dos principais pesquisadores da síndrome Asia no mundo, relatando seu caso e oferecendo-se para servir de cobaia para suas pesquisas sobre a doença.
Na mensagem o cientista, que é professor da Universidade de Tel Aviv, sugere que Franco tentasse se submeter a um dos tratamentos recomendados por ele para tentar evitar crises, mas não se compromete a recebê-la para estudar seu caso.
Mesmo assim, Franco diz que pretende ir a Israel conhecer Shoenfeld. O especialista diz ter identificado cerca de 300 casos no mundo e alega que a síndrome só não é mais conhecida no meio científico “por pressão da indústria de vacinas e de próteses de silicone”.
A Sociedade Brasileira de Reumatologia, por meio da médica Gecilmara Pileggi, membro da comissão de doenças endêmicas e infecciosas da entidade, afirma que a síndrome Asia não foi reconhecida como doença e que é preciso muita cautela antes de dizer que ela é causada por alguma vacina.
A mesma posição tem a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. “O silicone pode causar reações em casos raríssimos quando a prótese se rompe e algumas moléculas entram em contato com a corrente sanguínea. Mas essa síndrome é raríssima e ainda necessita ser estudada”, diz o cirurgião Paulo Godoy, responsável pela área de biomateriais e próteses da entidade.
Fonte: Bol Notícias
Créditos: Lígia Mesquita