Desde a primeira vez que vi Marília Mendonça, em um programa de televisão, percebi a sua abissal diferença em relação ao universo da chamada música sertaneja.
Não, não vou pagar de fã da artista, assumir posição de devoto, íntimo da obra dela, no convencional oportunismo pós morte.
Longe disso. Nunca fui a um show dela, não a buscava no streaming, ou coisa do tipo…
Mas conhecia suas músicas. Mais até do que procurava, de fato, eu e todo o Brasil, praticamente sem exceção, estávamos nesta bolha sonora, mesmo que por osmose.
O que me impressionou, desde sempre, em Marília Mendonça é a sua total originalidade em relação aos pares do estilo que tomou conta do país há alguns anos. Cansava de compartilhar isso com amigos em conversas banais sobre música, as que gostávamos, ou mesmo as que queríamos ignorar…
Marília era um oásis no deserto de talento e aridez de originalidade de um gênero cada vez mais pasteurizado, com fórmulas prontas.
E não estou falando da enorme simpatia, carisma dela, tampouco sobre o alardeado pioneirismo de Marília como mulher no sertanejo.
Até porque há controvérsias, como explico brevemente…
Apesar de Marília ter introduzido as bases de empoderamento feminino com letras fortes de liberdade e representação em um panorama machista até o talo, o papel de desbravadora da participação da mulher na música sertaneja coube a paraibana Roberta Miranda, mais de duas décadas antes do surgimento da goiana.
Derivações a parte e aprofundando as letras de Marília…
Foi, à seu modo, revolucionária sua capacidade de subverter a temática tradicional colocando a mulher como agente e determinante das próprias ações e escolhas no imaginário do gênero. Tudo isso com linguagem simples, mas métrica criativa e soluções de forte, intenso apelo popular. Típico de quem nasceu para a coisa.
Voz potente e com assinatura própria, longe daquela impostação padrão, anasalada exagerada do estilo.
E, mesmo melodicamente, ecoa a diferença de Marília para os outros do estilo. Oscilações de intensidade e riqueza estilística fora das convenções engessadas, que regem o sertanejo.
Características específicas facilmente justificáveis no DNA de formação de Marília Mendonça. A Rainha da Sofrência, ou do Feminejo, não cresceu ouvindo música sertaneja, ao contrário renegava o estilo. Suas fontes eram o imenso caleidoscópio da música pop, a transgressão sonora do Rock etc.
A própria revelava o quanto essa soma de referências influenciou na formatação do seu estilo de compor e cantar.
Se essa trajetória já foge do estereótipo de astro sertanejo, imagina a surpresa que causou vê-la, em vídeokê caseiro, cantando com desenvoltura o rap furioso dos Racionais Mc’s?? Empunhando microfone com firmeza de gangsta e rasgando no tempo certo versos cortantes de Mano Brown.
Fonte: Marcos Thomaz
Créditos: Polêmica Paraíba