Mais de 40 dias antes de assumir o Palácio do Planalto e com Jair Bolsonaro recolhido, Luiz Inácio Lula da Silva é tratado, na prática, como se já fosse presidente em compromissos no exterior e consegue atenção internacional com pauta ambiental.
Após participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), Lula tem encontros em Lisboa, nesta sexta-feira (18/11), com o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro, António Costa.
Na COP27, no Egito, Lula teve encontros com autoridades de outros países e foi aguardado por um grande público internacional – o que levou a imprensa francesa, por exemplo, a dizer que o brasileiro foi recebido “como uma estrela de rock” (jornal econômico Les Echos) e a descrever que foi “acolhido com um imenso fervor” (Le Monde).
O diplomata Rubens Ricupero avalia que Lula tem dominado a agenda “um pouco pelo acerto dele, um pouco pela omissão de Bolsonaro”.
“Para todos os efeitos, é como se (Lula) já fosse presidente, até porque o outro esvaziou. Nunca vi isso antes, é como se não tivesse mais presidente, há não sei quantos dias. A agenda (de Bolsonaro) está completamente abandonada”, disse o ex-embaixador e ex-ministro à BBC News Brasil ao comentar a viagem de Lula.
O silêncio de Bolsonaro e a escassez de compromissos oficiais vêm sendo destacados na imprensa brasileira. Além de poucos compromissos na agenda em Brasília e de um ritmo baixo de postagens no Twitter, Bolsonaro também não participou da cúpula do G20, na Indonésia.
‘Legitimidade reforçada’
Ricupero diz que o fato de Lula ter conseguido imprimir um tratamento de presidente no exterior antes da posse “reforça a legitimidade em um momento em que aqui há um movimento muito grande de pessoas que contestam as eleições”, em referência aos protestos de parte dos apoiadores de Bolsonaro.
O diplomata considera que Lula acertou no momento da viagem, no início do período de transição. Agora, ele diz, “o calendário tende a favorecer o Lula”, já que há a Copa do Mundo e as festas de fim de ano até a posse.
“Com a Copa do Mundo, eu acho que boa parte desse sentimento de mobilização política (contra as eleições) vai abrandar. Terminando a Copa do Mundo, entra nas festas de Natal. Aí Ano Novo e posse, e é outra história”, diz. “O momento mais crucial era agora.”
Ao deixar o Brasil no início do governo de transição, Lula também se distancia, em certa medida, da disputa por espaço entre partidos aliados na formação do novo governo.
Ricupero, que já foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda lembra, ao mencionar viagens de Tancredo Neves e de Juscelino Kubitschek em momentos semelhantes, que “esse período de transição no Brasil é sempre muito carregado de risco, porque há muita intriga, além da chateação dos pedidos de todo tipo, porque todo mundo cai em cima do presidente”.
O destaque negativo ficou para a carona que Lula pegou, para chegar ao Egito, no jato do empresário José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp e dono da QSaúde, que chegou a ser preso em 2020 em operação que investigava supostas irregularidades na campanha de José Serra (PSDB-SP) ao Senado, em 2014.
“Eles deveriam ter calculado que cairia mal. Não creio que terá desdobramentos maiores, mas foi um descuido”, diz Ricupero.
Ao lembrar que viagens de Tancredo foram feitas em aviões comerciais, Ricupero pondera que “naquela época não havia ameaça à segurança que há hoje” e diz que, no atual contexto, “também seria penoso pegar um avião comercial e ser vítima de manifestações de bolsonaristas, como essas contra os ministros do supremo em Nova York”.
O diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, diz que não há problema jurídico na carona de Lula no avião particular. “Há um problema ético aí, se você quiser. Um problema ético de você aceitar um oferecimento de um empresário para viajar num avião privado.”
Barbosa destaca problemas de segurança em uma eventual viagem em voo comercial e diz que, idealmente, o presidente eleito teria se deslocado de carona em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que tivesse viajado para o Egito.
Lula em Portugal
Ao noticiar a previsão de visita de Lula a Portugal, a imprensa portuguesa destacou que Bolsonaro nunca esteve no país enquanto presidente e que, no Brasil, cancelou um encontro com Marcelo Rebelo de Sousa em julho deste ano porque o português encontraria Lula.
O jornal Expresso escreveu que a visita de Lula “marca uma nova etapa das relações luso-brasileiras, que tinham sido objeto de um distanciamento institucional durante a Presidência de Jair Bolsonaro”. O jornal Público disse que há “carga simbólica” na visita de Lula “por decorrer no ano do bicentenário da independência brasileira e por acontecer meses depois de Bolsonaro ter rejeitado receber o chefe de Estado português”.
A visita do presidente português ao Brasil no 7 de setembro deste ano, que marcou o bicentenário, também é lembrada.
Rubens Barbosa diz que houve uma “desconsideração” com o presidente português no desfile. “Ele estava ao lado do presidente, o presidente não falava com ele, entrou o cara da Havan (Luciano Hang), ficou no meio… Isso foi uma coisa, diplomaticamente, muito ruim”.
Ricupero já havia declarado que considera que o tratamento dado ao presidente de Portugal no governo Bolsonaro foi “inqualificável” e voltou a defender uma reparação.
“Os portugueses fizeram tudo o que nós pedimos, mandaram até aquela coisa do coração de Dom Pedro 1º, com aquele aspecto um pouco lúgubre… Colaboraram em tudo para que se pudesse comemorar o bicentenário, que acabou sendo um fracasso por culpa nossa, não deles”.
Ricupero diz que “os portugueses foram maltratados”. “Quando houve o 7 de Setembro, ele (Bolsonaro) deixou o presidente Portugal ao lado dele no palanque, mas não deu atenção nenhuma. E fez um tipo de discurso completamente fora do espírito da celebração”, diz o diplomata.
E a falta de uma visita de Bolsonaro aos portugueses?
Para Rubens Barbosa, a ausência de uma visita de Bolsonaro a Portugal diz mais sobre a política externa do governo Bolsonaro em geral do que sobre a relação entre os dois países em si.
“Bolsonaro não visitou quase país nenhum, não tem nada de discriminação contra Portugal. Ele tem uma política externa muito complicada”, disse. “A relação com Portugal é muito intensa e eu acho que o Lula, passando por lá, vai retomar essa tradição de contato estreito entre os dois países.”
Lula na COP27: meio ambiente e a atenção internacional
A atenção internacional que Lula conseguiu logo após sua eleição também tem a ver com o tema central da viagem, já que a pauta ambiental é o maior interesse internacional no Brasil, devido principalmente à Amazônia.
“Lula foi para uma conferência que é, nesse momento, a mais importante da agenda internacional e na qual o Brasil é relevante”, destaca Ricupero.
Na COP27, Lula disse que “não medirá esforços para zerar o desmatamento de nossos biomas até 2030” e afirmou que todos os crimes ambientais vão ser combatidos “sem trégua”. Ele também propôs que a COP de 2025 ocorra na Amazônia.
Ricupero, que conta ter se filiado à Rede Sustentabilidade, diz que a pauta ambiental “deveria dominar grande parte da política externa” do novo governo Lula. “Tem outros aspectos da política externa do PT que são mais controversos – por exemplo, ele vai ter em algum momento que se posicionar em relação à Nicarágua, Cuba e Venezuela. No passado, sempre teve simpatia ideológica do PT (a governos desses países) e eu não sei o que ele vai fazer”, disse.
“(A pauta ambiental) é um assunto que pode render enormes retornos ao Brasil a curto prazo, sem muito custo. O custo que tem é interno, de enfrentar os grileiros, mineradores, garimpeiros ou os madeireiros. De qualquer forma, ele é obrigado a enfrentar, porque são todas atividades criminosas, ilegais”, diz.
Fonte: Polêmica Paraíba com Terra
Créditos: Polêmica Paraíba