Aos 37 anos, Jéssica Barbosa ajuda nas contas da casa que divide com a mãe, que é diarista, oferecendo serviços sexuais pelas ruas de Pedreira, em Belém (PA). Ela faz isso desde os 18. Diz que, por ser travesti, nunca conseguiu emprego. “Olhavam para minha aparência e já me recusavam”.
Para ter o que comer, conta que faz cerca de dez programas por noite, cobrando entre R$ 30 a R$ 40, entre 20h e 8h. Ainda assim, diz encontrar cliente que se recusa a pagar após o atendimento. E que a pandemia só piorou a situação.
“Às vezes não pagam ou querem dar só R$ 10 ou R$ 5. E isso tem acontecido com mais frequência nessa pandemia. Acabo aceitando porque sou tranquila e não quero violência. Passei essa noite toda na rua para ganhar R$ 30”, ela chora enquanto conversa com Universa após mais um dia de trabalho.
E não precisa mesmo o uso da violência para não levar calote. Jéssica tem o direito de cobrar pelo serviço na Justiça, caso o cliente se recuse a pagar. Recentemente, inclusive, a 35ª Câmara de Direito Privado do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) reconheceu que o serviço sexual é lícito e aceitou uma ação em que um trabalhador sexual cobra do cliente R$ 15.395,90 não pagos pelo seu trabalho.
O processo segue em segredo de Justiça — sem o nome das pessoas envolvidas —, mas no documento disponível no site do TJSP lê-se que em 22 de agosto de 2020 o autor da ação foi chamado pelo réu para realizar serviços sexuais, mas não recebeu o valor combinado verbalmente. Num primeiro momento, porém, a Justiça não acatou a ação proposta pelo profissional.
Mas a vítima recorreu, e ao justificar sua decisão de dar prosseguimento ao caso, o relator Morais Pucci lembrou que, em 2002, com base na CIUO (Classificação Uniforme de Ocupações), o Ministério do Trabalho reconheceu todas as ocupações do mercado de trabalho do país, incluindo profissionais do sexo. “A prostituição individual é somente uma prática laborativa como outra qualquer, reconhecida pelo Poder Executivo como profissão”, escreve Pucci.
“O calote na prostituição é a regra do dia a dia”
Universa localizou algumas outras decisões a favor dos trabalhadores sexuais na Justiça. Em 2016, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) concedeu habeas corpus (HC) a uma prostituta acusada de roubar um cordão folheado a ouro de um cliente que não quis pagar pelo serviço. Pucci, inclusive, citou esse HC na apelação cível.
No documento do STJ, lemos que a trabalhadora sexual, natural do Tocantins, cobrou R$ 15 pelo programa, mas o cliente não quis pagar após o serviço. Diante da negativa, ela arrancou uma corrente, com um pingente, do seu pescoço. Para tentar reaver o objeto, o cliente ameaçou a mulher com uma faca, e ela fez o mesmo para se defender. Acionada, a polícia prendeu somente ela.
A trabalhadora sexual foi denunciada por roubo impróprio — quando há violência —, mas o relator do caso, o ministro Rogerio Schietti Cruz, entendeu que houve outro crime: o de exercício arbitrário das próprias razões. Isso significa, de acordo com o Código Penal, “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão”. A pena é de 15 dias a um mês de detenção, ou multa, além da pena correspondente à violência. A trabalhadora sexual, porém, não cumpriu a pena porque o caso ocorreu em 2008, e Cruz a declarou prescrita.
Fonte: POLÊMICA PARAÍBA
Créditos: UOL