UMA LAMPARINA

Juliette veio combater a xenofobia de frente, o analfabetismo cultural, o turismo das aparências - Por Fabrício Carpinejar

"A língua é viva, passional, inventiva. Quem pensa assim nunca leu Guimarães Rosa ou Manoel de Barros, nunca se deliciou com Patativa do Assaré"

UMA LAMPARINA

Fabrício Carpinejar

Não tem como sufocar as raízes. Não tem como sonegar o nascimento. Não tem como apagar os pratos prediletos da infância. Não tem como esconder a emoção do sotaque. Não tem como não entoar as canções da própria terra, é onde se guarda a saudade. Não tem como abolir parte do dicionário das ruas. Não tem como conter os abraços efusivos, as expressões de carinho. Não tem como padronizar ninguém achando que existe o mais certo e o menos certo.

O preconceito com o nordestino reside na crença de que ele usa mal a língua portuguesa, de que fala errado, além de alimentar o imaginário de que está destinado a ocupar postos inferiores no mercado de trabalho.

A língua é viva, passional, inventiva. Quem pensa assim nunca leu Guimarães Rosa ou Manoel de Barros, nunca se deliciou com Patativa do Assaré.

É um elitismo da segregação, de fomentar rótulos orais para proteger os seus privilégios.

Privilegiado é quem honra pai e mãe, privilegiado é quem preserva os conselhos dos avós, privilegiado é quem respeita os seus antecessores, privilegiado é quem tem orgulho de sua casa e dos afluentes do idioma.

Nosso coração parte de um paradeiro. Nossa intimidade nunca será estrangeira.

O interior do nosso Brasil é a nossa alma.

Juliette veio combater a xenofobia de frente, o analfabetismo cultural, o turismo das aparências. Trajando os símbolos atemporais da contestação que nunca serão fantasias: traz a valentia de uma cangaceira, de uma Maria Bonita. É uma lamparina na escuridão do bullying, de chapéu de couro, jabiraca e alpercatas.

De suas cordas vocais, ressoa o triângulo, o forró da alegria, o lengo-lengo, o quindim.

Não foi aceita e não mudou. Por mais que seja interrompida no meio do raciocínio, por mais que seja imitada a sua comunicação, como se ela fosse menos civilizada pela sua origem, jamais cedeu para agradar, seguiu o fio da meada de onde a pararam.

Ela não quis ser diferente de ninguém, mas ser ela mesma.

Juliette rompeu com a bolha do preconceito. Ela é a Paraíba, é o Nordeste, não é mais uma pessoa.

Ao conversar com ela, você atravessa um estado inteiro, o DNA de uma vasta e rica sensibilidade.

Fonte: Polêmica Paraíba com Fabrício Carpinejar (Instagram)
Créditos: Polêmica Paraíba com Fabrício Carpinejar (Instagram)