O esforço que fizeram na campanha virtual que levou à eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL) não os livrou de serem bombardeados por discordarem da manifestação de ontem e, mais que isso, os colocaram ao lado de artistas e articulistas críticos da esquerda que já haviam sido jogados no barco dos “comunas”. Depois de ser uma das principais responsáveis pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) por sua atuação como advogada do pedido de afastamento da petista e quase compor a chapa de Bolsonaro como candidata a vice-presidente, Janaina Paschoal precisou usar as redes sociais nesta semana para defender a si própria e aliados “acusados” de mudar de lado.
“Chamar Janaina Paschoal, Kim, Arthur (Mamãe Falei) e general Mourão de comunistas é IGNORÂNCIA”, registrou em caixa alta. Janaina passou a ser rotulada depois de ter se recusado a engrossar o coro de chamamento às manifestações pró-Bolsonaro e questionar até a sanidade de um presidente da República que faz esse tipo de convocação. Precisou explicar que não sairia do PSL após dizer que, se os atos fossem um fiasco, Bolsonaro precisaria parar de fazer drama e começar a trabalhar, e que deixaria o grupo de WhatsApp da bancada. Na mesma linha, os líderes do MBL questionaram a pauta dos defensores do governo de ataque ao Congresso estimulada pelo próprio presidente Bolsonaro e acabaram se tornando “inimigos”.
“Estão me chamando de comunista. Quem discorda do Bolsonaro é comunista”, relatou Kim Kataguiri em entrevista ao jornal O Globo. Kim criticou a demonização dos parlamentares na semana em que Bolsonaro replicou texto dizendo que o país é ingovernável sem conchavos. Arthur de Val também entrou na lista de “traidores” por dizer que a manifestação de apoio ao Executivo era um tiro no pé.
Com cinco meses de governo, nomes que foram reverenciados pela direita como os do cantor Lobão, do cineasta José Padilha, dos jornalistas Raquel Sheherazade e Reinaldo Azevedo também passaram a ser demonizados por questionar aspectos do governo e da família Bolsonaro, como a relação com as milícias e as acusações de rachadinha contra o filho do presidente e agora senador, Flávio Bolsonaro. Um dos últimos a se juntar ao grupo foi o filósofo Luiz Felipe Pondé, que nesta semana chamou Bolsonaro de “burro”.
Ontem, enquanto ocorriam as manifestações, Janaina usou o Twitter para parabenizar os militantes. “Olá, Amados! Acompanhando aqui as manifestações, as pessoas estão de parabéns, até agora, todas as pautas são democráticas. Ao pedir a reforma da Previdência de Guedes e o pacote de Moro, nosso povo mostra maturidade”, postou. Para especialistas em história e comunicação, além do uso da pecha de comunista estar errado conceitualmente, ele remete a uma prática recorrente no mundo e no Brasil, que voltou a ser mais forte desde a campanha eleitoral de 2014.
“Existe o comunismo real, que esses movimentos de direita combatem, que é o modelo soviético de criar uma sociedade sem propriedade privada e com igualdade de classes. Mas essa luta contra as ideias comunistas no Brasil desde os anos 1920 gera distorções, de maneira que eram chamados de comunistas pessoas que não eram, seja por confusão ou por interesse de manipular propositadamente para aumentar a sensação de que existe um perigo vermelho”, afirma o especialista em história política e professor da UFMG Rodrigo Patto Sá Motta.
O professor fez referência ao golpe de 1937, quando, para se manter no poder, militares e o então presidente Getúlio Vargas alegaram haver um “plano comunista” (Plano Choen) para derrubá-lo, o que depois foi desmascarado como fraude. A instalação da ditadura militar em 1964 também teve como mote o chamado perigo vermelho e até o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a eleição de Bolsonaro, para ele, tiveram esse discurso como um dos componentes. “Muitas acusações que fizeram ao PT como comunistas foram sem noção quando se vê os governos reais de Lula e Dilma. Eles não entraram em choque com a propriedade privada, foram governos democráticos que saíram quando perderam, e o exemplo mais flagrante foi que o próprio aparato do Estado investigou e acabou derrubando-os. Falar em regime comunista é quase um delírio que gera piada para quem tem um pouco de conhecimento”, disse.
Se a referência ao PT era distorcida, Rodrigo Sá Motta diz que a inclusão dos nomes de direita na lista é ainda mais equivocada. “Estão chamando anticomunistas, como membros do MBL, de comunistas. Na greve dos caminhoneiros teve gente que chamou o general Villas Bôas por esse termo, qualquer um que seja adversário vira comunista sem qualquer significado real. Virou palavrão”, disse o especialista.
O historiador afirma que essa prática pode se tornar contraproducente até mesmo para grupos de direita. “Com isso, acabam tornando a arma discursiva deles sem efeito, porque a pessoa com o mínimo de bom senso vai perceber que chamam qualquer um de comunista.” A doutora em história social e professora dos cursos de pós-graduação em história e comunicação na UFMG Regina Helena Alves da Silva afirma que o uso do termo comunismo nas redes tem se dado por conta do clima de polarização.
“Estamos em um momento em que não tem debate para que se construam novas coisas, é um embate de crenças, e crenças você não muda. Todo aquele que não professa o mesmo pensamento que você é o inimigo, aí você aciona essa figura histórica, o comunismo vira o inimigo da vez”, explica. Ela lembra que membros da esquerda também promovem generalização ao chamar quem pensa diferente de burros.
Para a professora, mesmo no campo da direita, como nem todos pensam igual, quem pensa diferente acaba virando um pretenso inimigo, e as redes sociais se tornaram um Telequete (show de luta livre) em que “cada um dá porrada do jeito que quer e deixa para o algorítimo resolver a questão”.
Ela afirma que o uso do termo comunismo é uma construção histórica muito mais pelo medo dessas ideias do que de sua implementação. “É uma construção que vem das mídias e das tradições de família e igreja, por exemplo. Não existe lugar nenhum no mundo hoje que seja comunista”, afirmou. Para a professora, os ataques são fruto da falta de compreensão de que é possível estabelecer um “conflito construtivo” na política sem a obrigação de se chegar a um consenso. “Tudo o que é diferente passou a ser motivo de intolerância.”
Prega o fim da propriedade privada e a ideia da coletividade dos meios de produção e o fim das classes sociais. Não se fixa nas ideias de pátria e nação, com um modelo mais global, sem divisão de fronteiras. Movimento de direita com ideias ultranacionalistas, de caráter autoritário, com uma pauta moral mais conservadora e com a exaltação dos valores da raça ou nação em detrimento do indivíduo.
Essa divisão remonta à Revolução Francesa, em 1789, quando os mais moderados e conservadores se sentavam à direita na assembleia nacional e os progressistas ficavam à esquerda. Os grupos de direita são contrários à instituição de políticas voltadas para a igualdade, pregam a economia liberal e trazem pautas de viés mais conservador nos costumes. Já os movimentos de esquerda defendem mudanças sociais que reduzam a desigualdade. Atuam em diferentes níveis que vão desde os que pregam o fim da propriedade privada até os da esquerda mais moderada.
Fonte: Estado de Minas
Créditos: Juliana Cipriani