Corredor da maior emergência da rede pública de saúde do Rio Grande do Norte; sindicato acusa redução de leitos nos últimos anos
A falta de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) levou o maior hospital público de emergência do Rio Grande do Norte –o Walfredo Gurgel, em Natal– a acomodar de forma improvisada em salas de recuperação de cirurgia pacientes que necessitam de tratamento intensivo. Médicos alegam a medida adotada pelo hospital criou uma espécie de “fila da morte” à espera de uma vaga.
Inaugurado em 1971, o hospital Walfredo Gurgel possui 284 leitos e realiza cerca de 600 atendimentos por dia. São 45 leitos de UTI, sendo que dez foram desativados na semana passada, apesar da alta demanda.
Na terça (6), o governo do Estado decretou estado de calamidade na saúde pública alegando deficit de servidores e falta de medicamentos e insumos em todas as unidades. Os problemas foram causados pela redução da arrecadação e de repasses federais, afirma o Estado.
Segundo relato de servidores que trabalham no Walfredo Gurgel, o hospital possui cinco salas de cirurgia e seis salas de recuperação. Atualmente, quatro salas de recuperação estão funcionando, entretanto, atendendo pacientes que necessitam de UTI e estão à espera de uma das vagas disponíveis de UTI. Sem oportunidade de tratamento, muitos pacientes morrem antes de conseguir um leito.
“Esses pacientes necessitam de equipamentos de UTI, como respirador de ventilação mecânica, monitor cardíaco e não há número disponível para atender a demanda”, contou Geraldo Ferreira, presidente do Sinmed-RN (Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Norte).
Paciente entubado fora da UTI
O presidente do Sinmed estima que há hoje entre 20 a 30 pacientes na fila por leitos de UTI no Walfredo Gurgel. “Muitos vão a óbito esperando vaga”, diz.
“Eu passei o meu plantão com as cinco salas ocupadas [na segunda]. No domingo passado, até as 18h30, estava assim também. Nesse horário liberaram uma porque conseguiram vaga. Mas o plantão virou a noite toda com uma sala para todas as cirurgias de emergência”, afirma o enfermeiro Manoel Egídio Júnior, que trabalha no centro cirúrgico do hospital.
O enfermeiro cita salas que abrigam inadequadamente pacientes que estão em ventilação mecânica.
Sem novos leitos
O Sinmed diz que nos últimos dez anos não houve ampliação do número de leitos e que a rede pública sofreu perdas significativas.
“Nos últimos 10 anos não houve ampliação do número de leitos, e a demanda aumentou com o crescimento da população. A situação vem piorando porque a rede conveniada, que atendia o SUS, deixou de prestar atendimento, e o sistema público se concentrou onde tem condições de prestar atendimento”, afirma Ferreira.
Atualmente, o Rio Grande do Norte conta com 322 vagas de UTI. O mínimo deveria ser de 350, segundo o presidente do Cremern (Conselho Regional de Medicina), Marcos Lima de Freitas. O número é menor do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde.
Na segunda-feira, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 3 milhões para que o Estado aumente o número de leitos de UTI. A decisão foi um dos argumentos citados no decreto de calamidade.
Ferreira diz ainda que todas as emergências do Estado estão superlotadas, com sobrecarga de trabalho e falta de medicamentos e insumos.
“É um quadro dramático e calamitoso. Todas as emergências apresentam pacientes em macas no chão e/ou usando leitos improvisados”, garante.
A triagem no hospital Walfredo Gurgel endureceu e apenas casos mais graves são atendidos no hospital.
“Pessoas com doenças menos graves, como apendicite, pedra na vesícula, obstrução intestinal são enviadas para o hospital municipal de Natal ou liberadas para casa para esperarem o chamamento da cirurgia posteriormente”, explica Ferreira.
Há relatos ainda de recusa de pacientes vindos do interior do Estado para a capital porque o repasse dos municípios não seria feito de acordo com a demanda.
À espera de recursos
Em entrevista coletiva, o secretário de Estado da Saúde Pública, George Antunes, admitiu os graves problemas na rede, como citados pelos profissionais de saúde ouvidos pela reportagem.
Segundo ele, o governo potiguar já teria acertado um repasse de R$ 50 milhões do Ministério da Saúde.
Com os recursos, o Estado promete abrir 60 novos leitos de UTI, sendo metade em 30 dias e a outra metade até o fim do ano. A previsão é que o dinheiro seja repassado em até 10 dias após a publicação do decreto.
As áreas mais gritantes são os leitos de UTI –porque há uma população precisando e que não está sendo assistida.”
“A segunda prioridade é a logística [de compra e entrega] de insumos e remédios. E a terceira são as cirurgias, com dois grupos de pacientes eletivos: um daqueles que estão em seus domicílios esperando, e o segundo grupo que estão nas nossas unidades”, explica Antunes.
O orçamento aprovado pelos deputados do Rio Grande do Norte para o ano de 2017 é de R$ 1,4 bilhão para a Saúde, mas, segundo dados do portal da Transparência, só foram gastos do orçamento R$ 392 milhões até o momento –sendo R$ 126 milhões de resto a pagar, ou seja, gastos assumidos pelo governo em anos anteriores.
Sem garantia
Procurado, o Ministério da Saúde não confirmou o repasse de dinheiro. Informou, em, nota, que “o secretário de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde, Francisco de Assis Figueiredo, atendeu, nesta terça-feira, o secretário Vagner Araújo [secretário Extraordinário para Gestão de Projetos], com o objetivo de dialogar a respeito da situação do Estado. No encontro, ficou decidido que serão buscadas soluções conjuntas e imediatas para a crise do RN”.
A pasta afirmou ainda que realiza “repasses regulares ao Rio Grande do Norte.” “Em 2016, o Fundo Estadual de Saúde recebeu em torno de R$ 235,11 milhões. Já o conjunto dos municípios potiguares recebeu, no mesmo ano, R$ 1,3 bilhão”, finalizou.
Sobre o orçamento, a Coordenadoria de Orçamento e Finanças da Secretaria de Saúde afirmou que, além do valor já pago, também já foram empenhados e pré-empenhados um total de R$ 1,33 bilhão –que correspondem a 93,48% do orçamento previsto.
“Levando-se em consideração as principais fontes de financiamento, esse percentual sobe para cerca de 98%, o que justificou o decreto de calamidade por parte do Governo do RN. Isso ocorre porque a execução financeira orçamentária segue três etapas: empenho, liquidação e pagamento. Quando o Estado empenha uma despesa, principalmente de contratos, empenha para o ano em exercício, porém o pagamento se dá à medida que a despesa financeira vai sendo executada”, explica a pasta, em nota.
“Uma vez reconhecida a despesa, esta depende da disponibilidade financeira para a execução do pagamento”, completa.
Fonte: UOL