Uma das principais entidades representativas de indígenas informou nesta quinta-feira que representou na PGR (Procuradoria-Geral da República) contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL-RJ), pela decisão que transferiu da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o Ministério da Agricultura a tarefa de identificar e demarcar terras indígenas no país.
Os indígenas pedem que seja aberto um inquérito civil com o objetivo de “investigar e monitorar os atos e processos administrativos de demarcação de terras indígenas” e apurar “eventual responsabilidade administrativa atentatória à moralidade administrativa, a democracia e ofensa aos direitos culturais dos povos indígenas.”
É a primeira medida tomada no âmbito judicial por organizações indígenas contra um ato administrativo de Bolsonaro. A transferência do poder de demarcação foi feita por medida provisória no primeiro dia de governo, na terça-feira (dia 1º).
A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) reúne organizações indígenas do Norte e do Centro-Oeste. A peça é subscrita pela coordenadora executiva da Apib, Sonia Guajajara, que nas últimas eleições foi candidata a vice-presidente na chapa de Guilherme Boulos (PSOL), e pelo assessor jurídico da entidade, Luiz Eloy Terena.
A entidade afirma que houve “um desvio de finalidade” quando Bolsonaro repassou a ruralistas uma das principais tarefas da Funai.
Tereza Cristina, a ministra de Agricultura, era até poucas semanas atrás a presidente da frente parlamentar de agricultura no Congresso e seu auxiliar no ministério, que ficará responsável pelas demarcações, é o pecuarista Nabhan Garcia, presidente da UDR (União Democrática Ruralista).
“De forma flagrante, o presidente Jair Bolsonaro transferiu para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a atribuição para decidir o que será ou não terra de ocupação tradicional. Não é preciso muito esforço intelectual para concluir que tal transferência visa nitidamente acatar reivindicação da classe ruralista, mas sobretudo colocar os interesses privados acima dos interesses coletivos de toda a coletividade indígena e não indígena, visto que terra indígena é bem da União”, diz a peça.
“E ainda, é público e notório que a ministra que irá chefiar a pasta da Agricultura, sra. Tereza Cristina, é notadamente contra a demarcação de terras indígenas, sendo assídua militante e representante do agronegócio. Como pode alguém com este perfil ditar o que será ou não terra indígena? Caso os processos demarcatórios sigam esta lógica procedimental, comprometido estará o princípio da impessoalidade e finalidade, fundamentos da administração pública”, diz a representação da Apib.
A Apib afirma que a decisão de Bolsonaro afronta a Convenção número 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), promulgada por decreto de abril de 2004, que prevê “obrigatoriedade da realização de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas” sempre que “sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.”
Além do inquérito civil, a Apib pede também “medidas urgentes a fim de evitar risco de dano irreparável aos povos indígenas pela suspensão e/ou interferência política nos procedimentos demarcatórios, atingidos por eventual comportamento da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e seus respectivos subordinados.”
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa de Tereza Cristina não foi localizada. A assessoria da ministra durante a transição informou que outros profissionais assumiram o trabalho de assessoria no ministério. No telefone fixo da assessoria do ministério, procurada às 20h, ninguém atendeu aos telefonemas. A assessoria da PGR informou que, até aquele momento, não poderia confirmar o protocolo da representação da Apib.
Fonte: Valor Econômico
Créditos: Valor.com