Imagine ser filho de um casal homoafetivo? Imagine ser João Victor ou Jonathas, filhos de Glenn Greenwald e David Miranda? Deve ser bastante humilhante… para os outros.
A professora pergunta o que faz o pai de cada aluno. As crianças levantam as mãos ansiosas e começam a se gabar: escritor, advogado, filósofo, jornalista. Agora imagine ser filho do Glenn, que é tudo isso? Pega até mal ter um pai tão incrível.
Uma outra criança diz que o pai é médico nascido em uma família de médicos e todos aplaudem. Agora imagine ser filho do David, que já foi engraxate e hoje em dia é um dos deputados mais corajosos do Brasil? Silêncio constrangedor.
Vamos pensar no fictício Fabinho. Fabinho nasceu em uma família tradicional cristã. O pai de Fabinho, que gosta de ser chamado de “doutor” pelo porteiro, mas é dono de academia, acha o Bolsonaro um “figuraça sem papas na língua”.
A mãe, que trabalha com eventos porque tem um talento “fora de série” pra deixar uma mesa de jantar “pra lá de linda”, também gosta de ser tratada como “doutora” e, apesar de não adorar o presidente, o apoia por ele ser “contra tudo isso que tá aí”.
Esqueceram de avisá-la que o “tudo que está aí” é a humanidade. Fabinho aprendeu a falar frases-feitas vazias porque é como sua família se comunica. Fabinho odeia o mármore brilhoso que colocaram no piso porque, mesmo no verão, sente um frio que nunca passa.
Fabinho quer falar sobre seu pai, um cara valente que enfrentou o pedreiro, porque esse queria fazer valer sua hora de almoço, e que enfrentou a babá, porque essa queria fazer valer a sua hora extra. Mas as crianças e as professoras querem ouvir mais sobre Glenn e David.
Então, sabe o Snowden, que é fodão e herói e tem documentário e filme de ficção e tals? Meu pai é aquele jornalista famoso do filme, sabe? Fabinho não sabe porque é muito novinho e talvez esse não tenha sido um bom exemplo, mas os pais de Fabinho não sabem e não querem saber porque são bem ignorantes e rasos e esse sim é um ótimo exemplo dos muitos pais de muitos Fabinhos do nosso país.
Meu pai, o Glenn, escreveu livros que são best-sellers e, ao lado do meu outro pai, David, luta contra a corrupção e a favor da liberdade. Ele já ganhou tantos prêmios que a gente precisaria agendar uns quatro recreios para eu explicar. É o cara do Intercept, sabe? Que desmascarou o Moro e tal? Fabinho lembra de um domingo que os pais se vestiram de super-heróis verde e amarelo e foram as ruas apoiar o juiz.
Começa a juntar gente. Fabinho não sabe mais como ganhar a competição, então balbucia besteiras tipo “meu pai é um cara sem papas na língua! Figuraça!”. Mas tudo está perdido. Meu pai, o David, nascido na favela do Jacarezinho, começou a trabalhar com nove anos, foi faxineiro, engraxate e office-boy e hoje é aquele político corajoso que luta pelos direitos dos LGBTs, saca?
É jornalista e filiado ao PSOL! Imagine que no meu aniversário chega a Erundina, em vez de uma velha racista e chata como a sua avó? Colega da Sâmia! Você viu o vídeo dela destruindo o Salles-sorrisinho? Meu pai era amigão da Marielle, sabe? Que honra! Fabinho não sabe, pobre Fabinho.
Fora isso, eu estava com meu irmão em um abrigo para crianças e meus pais foram lá para nos adotar e dar tanto amor, mas tanto amor, que só sendo muito filho da puta pra não ver isso.
Fonte: Folha de São Paulo
Créditos: Folha de São Paulo