Com o Congresso prestes a discutir uma reforma tributária que pretende, por ora, simplificar impostos indiretos, opina que está na hora de o país encarar o debate sobre “tapar os buracos” do Imposto de Renda, acabando com isenções e deduções, e, daí aumentar as alíquotas existentes. Ainda assim, adverte: “O efeito sobre a desigualdade será bastante positivo, mas definitivamente não vai resolver todos os problemas do Brasil nem transformá-lo num país europeu”.
Pergunta. As propostas de reforma tributária na mesa focam muito mais na questão da simplificação dos impostos indiretos. Alguma chance da questão distributiva entrar? O que, em sua opinião, não pode faltar na reforma?
Resposta. Acho que, até agora, quase tudo é sobre redução da burocracia, simplificação, diminuir conflito federativo… Mas há um relativo consenso entre as pessoas que estudam esse tema sobre o que poderia ser feito para melhorar também a distribuição de renda sem causar problemas econômicos de outra ordem. O ideal seria mudar a composição da carga tributária para aumentar a tributação sobre a renda e o patrimônio e aliviar os impostos indiretos, que tem um efeito regressivo na desigualdade e também causam distorções do ponto de vista da atividade econômica. Isso tornaria a composição de nossa carga tributária mais parecida com a de países ricos.
P. Quais são os caminhos para se chegar a isso?
R. Um ótimo começo seria resolver os problemas do Imposto de Renda, fechando os seus buracos, que são as deduções e o que entra na conta de seu rendimento tributário, que está submetido a uma alíquota padrão que vai até 27,5%. Não adianta mexer nas alíquotas sem mexer nessas coisas. Um dos problemas graves é a chamada pejotização, a pessoa que começa a receber como empresa, porque paga menos impostos, e aí depois repassa lucros e dividendos para ele mesmo sem pagar imposto adicional. A renda dos mais ricos é cada vez mais dominada por esses rendimentos que são isentos. Se você pega os dados da Receita, entre os mais ricos as alíquotas efetivas começam a cair bem no topo. Temos que ampliar a base tributável para incluir, no limite, todas as rendas, o que significaria tributar renda e capital do mesmo jeito ou do jeito mais parecido possível.
Em segundo lugar, devemos limitar ou reduzir as deduções, que estão beneficiando só quem declara Imposto de Renda. Por definição, são os 10% ou 20% mais ricos. Em alguns casos, como no caso de deduções de saúde, que não têm limite, acabam sendo muito altas. E acaba sendo uma forma de subsídio do Estado para pagar plano de saúde.
Feito isso, você poderia pensar nas alíquotas. No geral as pessoas dizem que se aumentar a alíquota vai aumentar a evasão e prejudicar a economia. Mas, na prática, temos evidências suficientes de que existe um bom espaço para aumentar para além de 27,5% sem que nada de ruim fosse decorrer. Países muito parecidos ao Brasil têm alíquotas que chegam a 35 ou 40%, um patamar razoável num futuro próximo. Um argumento bom é que poderíamos diminuir o imposto sobre pessoa jurídica, que também traz incentivos ruins para empresas não crescerem, e compensar aumentando na pessoa física. Com tudo isso conseguiríamos aumentar bastante a arrecadação do Imposto de Renda. O efeito sobre a desigualdade será bastante positivo, mas definitivamente não vai resolver todos os problemas do Brasil nem transformá-lo num país europeu.
P. O campo progressista costuma apresentar a taxação de lucros e dividendos e grandes heranças como bala de prata para os problemas.
“Um adulto com uma renda entre 4.000 e 5.000 reais por mês já está entre os 10% mais ricos. É difícil convencer quem ganha isso de que está entre os mais ricos”
R. Toda reforma complicada é sempre vendida como grande solução para algum problema. Reconheço a importância disso para se conseguir apoio, mas nenhuma medida sozinha vai resolver o problema…
P. Você é a favor de tributação de grandes fortunas?
R. Sou a favor de começarmos pelo Imposto de Renda. Já temos a institucionalidade necessária para transformá-lo num imposto bom. E é um vespeiro bem menor do que mexer nas grandes fortunas, algo que seria um passo gigantesco que a gente já não dá há muito tempo. Existem outras distorções que podemos resolver, como o imposto sobre herança. A maior parte dos Estados cobram muito pouco também. Em alguns países chega a 40%, mas no Brasil a alíquota máxima é de 8%. Tem também o IPTU, um tributo potencialmente muito bom, inclusive do ponto de vista econômico, mas a maior parte dos municípios não cobram ou cobram muito mal, com isenções, valores desatualizados, alíquotas baixas… Quando se tenta fazer IPTU progressivo, sempre dá em judicialização. É pouco popular.
P. Quando você fala de colocar o Imposto de Renda como alvo preferencial, estamos falando de uma classe média que tem dificuldade em se achar na régua da desigualdade. Para ficar claro, quando falamos dos 10%, do 1% e do 0,1% mais ricos, de que universo estamos falando?
R. Em números de 2015 com valores atualizados pela inflação, um adulto com renda entre 4.000 e 5.000 reais por mês já está entre os 10% mais ricos. É difícil convencer quem ganha isso de que está entre os mais ricos. Mas para estar entre o 1% mais rico, teria que ganhar a partir de 20.000 a 22.000 reais por mês. No 0,1%, entre 75.000 a 80.000 reais por mês em valores atuais.
Esse 1% mais rico é composto por 1,5 milhão de pessoas e possui 25% da renda nacional. Se você faz uma ótima reforma tributária, esses 25% não vão cair para 10%, como é na França. Mas de repente vira 20%, o que não é uma revolução, mas é uma melhora significativa. Você não vai resolver todos os males, mas não tem jeito.
“Para um regime que não tem necessidade de prestar contas, é muito fácil mexer em coisas que farão a desigualdade aumentar”
P. Apesar desse consenso mínimo, a reforma da Previdência foi abordada primeiro. Da forma como está no Senado, ela terá efeitos na desigualdade?
R. São questões diferentes. A reforma da Previdência tem uma motivação clara: a gente tem uma crise fiscal e uma mudança demográfica. Do jeito que está, o Estado se limitaria a pagar o INSS. No final, a reforma que saiu da Câmara resolveu os pontos distributivos mais problemáticos. Não mexeram no BPC, mantiveram o piso de um salário mínimo e os 15 anos de contribuição mínima… No IPEA fizemos simulações com a reforma do Temer e constatamos que não iria mudar muita coisa com relação a desigualdade. Mas corrige muitas distorções importantes.
P. Sua obra também mostra que no Brasil a desigualdade aumentou nos períodos de ditadura. Que fatores estimularam esse aumento?
R. A qualidade da democracia, e também seu limite, é que você precisa negociar tudo o tempo todo e levar em conta todos os interesses que estão em jogo e que representam as pessoas. Ponto. Mas o oposto acontece na ditadura. A partir do momento que você apela para a violência e rompe a ordem, pelo menos durante algum período inicial você tem uma possibilidade muito maior de reformar tudo e refundar o país numa direção consistente. E isso você vê em vários lugares. Por um período curto, para um regime que não tem necessidade de prestar contas, é muito fácil mexer em coisas que farão a desigualdade aumentar.
P. Há setores, sobretudo no campo liberal, que defendem que acabar com a pobreza é mais importante que reduzir a desigualdade. O que você argumentaria para tentar convencê-los do debate sobre a desigualdade?
R. Podemos pensar em três fatores: bem-estar, poder e Justiça. Em termos de bem-estar, temos algumas evidências, não definitivas, mas bastante sugestivas e fortes, de que a própria desigualdade pode dificultar seu crescimento no futuro. É difícil construir coalizões quando as pessoas são muito diferentes entre si. Qual interesse comum que a gente tem para seguir junto? Inclusive, se você esperar o crescimento para só depois erradicar a pobreza, vai demorar muito mais tempo. Você pode redistribuir também. Portanto, se você tem tanta preocupação com o bem-estar dos mais pobres, o jeito mais rápido é crescendo e redistribuindo.
Se você tem tanta preocupação com o bem-estar dos mais pobres, o jeito mais rápido é crescendo e redistribuindo
Em termos de poder, existe tensão em uma democracia quando você tem alto grau de desigualdade. Quando falamos em redistribuição, as pessoas logo acham que estamos falando que a desigualdade tem que ser zero. Mas não é isso. Estamos falando em seguir um padrão. Se 150.000 pessoas, que é o 0,1% mais rico, possuem 10% da renda do país, o acesso dessas pessoas aos mecanismos de poder vai ser muito diferentes do camarada que é operário ou camelô ganhando menos de um salário mínimo. Vai ter mais acesso ao político, ao juiz, vai fazer doação de campanha... Uma série de coisas que sequer estão abertas à classe média privilegiada, muito menos ao cidadão comum. Se você se preocupa com a democracia, então deve se preocupar se o cara consegue converter o capital financeiro dele em influência política. E no Brasil não faltam exemplos de como isso aconteceu.
Em termos de Justiça, muita gente boa vai falar que o mais importante é ser igual em direitos civis e políticos. Mas se você se preocupa com desigualdade de oportunidades, não existe um lugar muito desigual em que se tenha igualdade de oportunidades. Na prática, existe alta correlação entre alto grau de desigualdade de renda e grau de desigualdade de oportunidade. Não tem jeito, a pessoa com alta renda vai transformar aquele capital econômico e cultural em investimento para seu filho. Um vai aprender grego e o outro vai estar na fila do ônibus. Portanto, mesmo que você só se preocupe com desigualdade de oportunidade, você deveria se preocupar em reduzir bastante a desigualdade de resultado para que esse grau de desigualdade de oportunidade não continue existindo para as gerações futuras.
P. Acredita que nosso baixo crescimento pode forçar o Brasil a discutir uma agenda de redistribuição?
R. Vejo uma chance grande, acho que é possível, mas há vários problemas. Em tese, qual seria o melhor dos mundos? Fazer um ajuste fiscal que melhore o perfil distributivo do Estado, cortando para os mais ricos. Na prática não foi o que prevaleceu.
P. Acredita então que o ajuste fiscal atingiu mais a base da pirâmide?
R. Algumas coisas entendo por que politicamente foram feitas, mas em outras situações houve opções claras. Todo mundo gritou e quem gritou mais alto conseguiu salvar o seu, manter sua posição relativa, perder menos. Isso é bastante claro. Tem categorias que conseguem reajuste, isso e aquilo.
“Todo mundo gritou e quem gritou mais alto conseguiu salvar o seu, manter sua posição relativa, perder menos”
P. Corremos o risco de estimular um crescimento à qualquer custo?
R. Entre 1920 e 1980 passamos pelo diabo. Mas, com exceção de um período ou outro, estávamos sempre crescendo. Bem ou mal. De 1980 em diante a renda por adulto cresceu praticamente zero no longo prazo. Nos anos 2000 tivemos um crescimento super bom, mas no longo prazo vemos que a renda por adulto segue mais ou menos parecida. A Espanha tinha a mesma renda que a gente em 1950, e hoje é duas vezes maior que a nossa. Japão tinha a nossa renda em 1950, a China tinha 10 vezes menos em 2000… Dado esse quadro, quando chega rum governo dizendo que temos que vender a alma ao diabo para crescer, entendo que haja um apelo muito forte. Ainda mais em uma geração que teve uma quebra de expectativa grande como a de agora.
P. Mas o crescimento por si só pode aumentar a desigualdade.
R. Esse é o problema. As pessoas precisam se convencer de que, ok, podemos colocar o crescimento como prioridade número um, mas não pode ser, de jeito nenhum, um crescimento à qualquer custo. Tem que ser um crescimento compartilhado e fazendo todo possível para reduzir a desigualdade. Seria uma grande conquista, porque existe a mentalidade de que o crescimento vai resolver todos os problemas e que, quando a gente ficar rico, a gente distribui. Acho que esse é o maior risco à curto prazo. É difícil imaginar o Brasil pior em termos de desigualdade, mas há coisas que podem aumentar o sofrimento dos mais pobres e, no limite, nem trazer crescimento, o pior dos mundos. Por exemplo, cortar ou congelar o Bolsa Família. No Brasil, uma demissão ou uma doença na família são suficientes para que uma pessoa volte a cair na pobreza. Grande parte da população tem rendimento informal e a renda pode variar muito de um mês pro outro. O cara trabalha sem carteira, ficou doente, foi demitido, não tem seguro desemprego…
P. Apesar de todos os estudos sobre a efetividade do Bolsa Família, ainda há críticas ao programa e sua permanência é tida como derrota. É possível imaginar um país em que o Bolsa Família já não seja necessário?
R. Ainda hoje há pessoas que dizem que o importante é não dar o peixe, mas ensinar a pescar. Mas qualquer país que a gente aceita como exemplo, como ideal, tem vários programas de transferência de renda, tanto para as crianças como para evitar que famílias sejam muito pobres. E são programas que vão existir sempre, sempre haverá algum grau de assistencialismo. O Brasil pode dar muito certo e crescer durante 20 anos como a China, mas vamos continuar tendo o Bolsa Família. Sempre haverá famílias que por acidentes da vida, por decisões equivocadas ou por falta de oportunidades cairão na pobreza. E devemos viver em um país rico o suficiente para que ninguém precise passar por essa situação. E não é justo que os filhos dessa família cresçam nessa situação.
“No Brasil, uma demissão ou uma doença na família são suficientes para que uma pessoa volte a cair na pobreza”
P. Afinal, o que caracterizou os últimos 30 anos de democracia para a desigualdade? Tivemos dois partidos mais ou menos do campo progressista, PT e PSDB, que se revezaram no poder e não tocaram no topo. É uma dívida da social-democracia brasileira?
R. Tem a ver com a forma que a transição foi feita, relativamente pacífica e acordada, mas que trouxe mudanças importantes, com ganhos em serviços públicos e bem-estar para a população. Mas, vendo de fora, o acordo político foi: vamos tentar acomodar quem estava de fora porque não há clima ou condições políticas de mexer em quem já está dentro. E acho que, bem ou mal, foi o acordo possível naquele momento. O Brasil é um país muito complicado. Hoje, por exemplo, o trabalhador industrial do ABC está mais perto dos mais ricos. E se você tributa participação nos lucros, você vai direto em sindicatos e operários que dependem muito disso. Esse é o grau de dificuldade.
Politicamente é mais fácil melhorar a vida dos mais pobres de algum jeito, seja qual for o jeito. Por outro lado é difícil promover redistribuição de fato. Ligar esses dois processos nem sempre é fácil. Se a gente conseguir crescer, então o orçamento está sempre crescendo e posso ir distribuindo para todo mundo e conciliando os interesses do jeito que dá.
P. O que significaram os anos do PT no poder, sobretudo o Governo Lula, para a distribuição de renda?
R. Se olhamos a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, vemos que melhoramos muito. Mas juntando com os dados do Imposto de Renda, vemos um crescimento no topo, um crescimento entre os mais pobres, e quem ficou no meio perdeu em termos relativos. A gente redistribuiu renda, mas não foram os mais ricos que perderam. As mudanças foram mais tímidas. Mas em termos de crescimento de renda e redução da pobreza, melhorou muito. O problema é que chegou ao fim, terminou de forma espetacularmente infeliz. Com uma recessão brutal, um retrocesso de renda e uma quebra de expectativas que acompanhavam essa melhora. É muito doloroso voltar a uma situação em que estava 10 anos antes. O Brasil não precisa de milagre econômico, não precisa de crescimento chinês. Basta ter um crescimento moderado, mas bom, com aumento de produtividade, e manter esse crescimento por 20 ou 30 anos. O problema é que a gente ou não cresce ou cresce muito e uma recessão joga a gente lá embaixo e perdemos tudo o que melhoramos em 10 anos. Se a gente conseguisse crescer o PIB per capita 1% ou 2% ao ano, em x anos nossa renda dobra. Não precisamos de milagre, apenas evitar a catástrofe.
“A pessoa com alta renda vai transformar aquele capital econômico e cultural em investimento para seu filho. Um vai aprender grego e o outro vai estar na fila do ônibus”
P. Há lutas contra outras desigualdades, como a de gênero e racial, que se fortaleceram nos últimos anos. Como conjugar essas pautas, ligadas a grupos específicos, com um projeto coletivo de diminuição da desigualdade de renda?
R. Há muitas desigualdades possíveis. Desigualdade regional e racial, por exemplo, são temas diferentes. Longe de mim querer dizer que uma certa e a outra é a errada de falar. Há todas essas dimensões importantes, e em várias temos visto melhoras, aqui e lá fora. E é excelente que esses debates estejam ocorrendo. Com todos os problemas que temos, se você é mulher e sua aspiração é ter uma carreira, é melhor hoje do que décadas atrás. Mas no caso do racismo existe uma relação mais estável, embora alguns indicadores mostrem mostram algum grau de melhora. Mas, claro, depende de como a gente mede, se é em relação aonde estávamos ou aonde queremos chegar. Entendo perfeitamente quem milite para as causas e olhe para o ideal que seria o razoável. Mas, se você olhar para o passado, muitas coisas melhoram. Uma coisa menos controversa é a desigualdade regional, que de fato melhorou nos últimos tempos. A cidade de São Paulo já não tem a participação no PIB que tinha tempos atrás.
“A PERDA DE PODER DOS SINDICATOS FAVORECE A DESIGUALDADE”
P. Você mostra em seu livro que os países desenvolvidos só conseguiram reduzir drasticamente a desigualdade após um período de guerra…
R. Até hoje não conheço um caso bem estudado de um país com situação igual a nossa e com um governo democrático que foi melhorando gradativamente ao longo de 50 anos, devagar e sempre, até chegar ao padrão que o mundo desenvolvido está hoje. Teremos que inventar algo novo se quisermos chegar lá. Olhando para a história recente, para o século XX, é uma invenção do pós-guerra. Os países começam muito desiguais e durante um período de 30 anos, entre a Primeira e Segunda Guerra Mundial, sofrem choques e crises brutais. E de repente mudou completamente. França e Japão eram muito desiguais, mas dez anos depois da guerra eram sociedades muito mais igualitárias.
P. Por quê?
R. Tem a destruição da guerra e também os picos de inflação, então quem investiu perdeu muito dinheiro. Mas além desses dois fatores, em vários lugares a barganha dos Governos foi do tipo “seu filho vai ter que morrer no campo de batalha, eu sei que preciso de legitimidade, então vamos distribuir sacrifícios de modo mais ou menos igualitário”. Foi um período que expandiu tributação de rendas e de heranças com a retórica de que os mais ricos estavam dando a contribuição para a guerra. No Japão você teve reforma agrária, conselho de trabalhador nas empresas, regulamentação de salário… Quer dizer, era a ideia de que todos estão no mesmo barco com todos lutando juntos. A social-democracia é uma conquista que ajuda a diminuir a desigualdade, ou é algo conquistado por uma desigualdade mais baixa? Sempre tenho essa dúvida. Essa diminuição da desigualdade ajudou o Estado de bem-estar deslanchar, e é claro que ajudou a desigualdade a cair mais ainda no pós-guerra. Mas o fato é que todo formulador de política pública tem muito medo de fazer qualquer coisa que possa prejudicar o crescimento econômico, porque o mundo sempre resolveu os problemas crescendo. Se todo está ganhando dinheiro, então tem uma pacificação geral.
P. Em alguns países desenvolvidos a desigualdade volta aumentar. Qual é a diferença com a nossa desigualdade?
R. Os países da América Latina sempre foram muito desiguais e nunca chegaram num nível muito igualitário. No Brasil todo mundo nasce aprendendo que éramos uma colônia de exploração, nosso pecado original. Nesses países ricos existe um choque maior porque há 30 ou 40 anos atrás eram muito menos desiguais. Nos Estados Unidos, por exemplo, a mudança é muito brutal. Esses países possuem uma geração de adultos que ainda está na ativa, trabalhando, e que ainda lembra de quando tudo era mais nivelado. E os americanos e europeus também lembram que, antes da guerra, as épocas foram muito mais pobres e desiguais.
Quando começa a haver maior desigualdade salarial nos anos 80 e 90, diziam que era a mudança tecnológica, os trabalhadores qualificados cada vez mais produtivos e outros mais obsoletos, globalização como pressão estrutural no mundo inteiro… Mas o trabalho do Piketty mostrou que em países como França ou Japão, tão desenvolvidos quanto EUA, a desigualdade não se alterou. A globalização é um condicionante estrutural, há outras coisas que favorecem a desigualdade, como a terceirização da economia, a perda de poder dos sindicatos, a perda de empregos industriais…
Fonte: El País
Créditos: FELIPE BETIM