De nutricionista e louco, todo mundo tem um pouco. Pelo menos no mundo da internet e das redes sociais, onde todo tipo de musa fitness e profissionais da saúde e do mundo do esporte compartilham conhecimento (ou falta de), a frase é verdadeira.
Em um perfil, o carboidrato está liberado. No outro, uma inocente banana vai fazer um estrago no seu shape de verão. Sentar-se à mesa para almoçar de repente virou uma tortura. O cardápio do dia: estresse ao segurar o garfo e sintomas de transtornos alimentares no prato principal.
“A alimentação vai além da função unicamente biológica”, comenta a nutricionista comportamental Larisa Carvalho. “Quando comemos, há também uma questão sociocultural forte envolvida e o mais perigoso é que, nas redes sociais, alguns comportamentos ligados à comida que não são normais acabam sendo normatizados”.
“Vai comer isso?”
Inclua na lista lançar olhares de julgamento para o macarrão à bolonhesa na marmita do colega, levar um pote com frango e alface para um restaurante pelo terror de não encontrar nada adequado à sua dieta no local ou ainda pular eventos sociais para não “sair da linha”.
O resultado é que a preocupação excessiva com o que se leva à boca, ainda que travestida de “busca pela saúde”, pode assumir contornos de distúrbios alimentares primos da anorexia e da bulimia. “Nem toda dieta leva a um transtorno alimentar. Mas todo transtorno alimentar vem de uma dieta restritiva”, sublinha Larisa Carvalho.
Quando não têm um diagnóstico com nome fechado ou a frequência necessária para que o distúrbio seja carimbado por um psiquiatra (ocorrência de pelo menos uma vez na semana, com mínimo de três meses de duração), os sintomas podem assumir o que nutricionistas chamam de “comer transtornado”, quando o ato de se alimentar vira sinônimo de estresse constante e não apenas mais uma atividade do dia, como trabalhar, cuidar dos filhos e estudar.
Alguns desses sintomas que ficam no meio do caminho entre o patológico e o normal já ganharam até nome. A “ortorexia”, por exemplo, é a preocupação excessiva com a qualidade e a procedência dos alimentos e a obsessão por rótulos e produtos “limpos” na dieta.
O Metrópoles foi buscar com especialistas em nutrição comportamental – área que preza pelo comer “intuitivo” no lugar de dietas – sintomas e sinais de alerta de que sua relação com a comida não anda legal. Não precisa colocar o dedo na garganta depois de uma refeição para ter um problema com a alimentação. Ligue o sinal de alerta para os seguintes sintomas:
#eatclean: Você já deve ter visto nas redes sociais a hashtag associada ao consumo de alimentos limpos e naturais. Nada de errado, segundo os especialistas, desde que com moderação. “Não existe na nutrição o conceito de alimento ‘puro’”, diz a nutricionista comportamental Karen Carolina da Silva. “A comida de verdade é sempre incentivada, mas um comer normal exige também uma flexibilidade”, continua. Em casos extremos, a pessoa pode deixar de comer em restaurantes ou eventos com medo de que os orgânicos sejam contaminados com agrotóxicos ou que as receitas levem ingredientes considerados não saudáveis por ela.
Time da marmita: Muita gente prega que organização é a base de uma dieta bem sucedida e mostra logo a organização de marmitas. Quando a preocupação leva a restrições nutricionais e sociais, no entanto, pode ser um sinal de alerta. “Levar marmita para uma festa, por exemplo, não é um critério diagnóstico, mas a depender da frequência e de outros fatores associados, como um descolamento social, pode merecer uma atenção ou olhar para isso”, diz Karen. Já para Larisa Carvalho, tanto a obsessão pelos alimentos naturais quanto as marmitas podem ser um sinal de “ortorexia”, comportamento que leva a pessoa a se restringir por achar que se comer qualquer coisa “suja”, como industrializados ou vegetais não orgânicos, ficará doente.
O louco dos rótulos: A mesma preocupação excessiva pelo comer “limpo” pode transformar a pessoa em escrava de rótulos no supermercado. “Tem situações relatadas em que a pessoa gasta horas no supermercado escolhendo os produtos. Algumas dizem dedicar mais de três horas do dia à alimentação, escolhendo alimentos, preparando ou fazendo compras. Comer, para essa pessoa, se torna uma coisa extremamente cansativa”, aponta a nutricionista Karen Carolina.
Nem só de vômito se faz a bulimia: Embora seja muito associada à provocação do vômito, a doença, na verdade, pode se manifestar com outros comportamentos compensatórios após uma crise de compulsão alimentar. “Laxantes, uso de diuréticos, exercícios em excesso, às vezes por três horas no mesmo dia”, lista Karen Carolina. Muitas vezes, inclusive, a atividade física vêm em momentos pouco convencionais, como subir e descer várias vezes a escada do prédio ou fazer abdominais em cima da cama. Tudo com o objetivo de controlar os números na balança.iStock
O louco do espelho: Se você é ou conhece alguém que dedica várias horas do dia a “esmagar” os músculos para que eles cresçam, ligue o sinal amarelo. A preocupação excessiva com tríceps e deltóides pode ser um braço do chamado distúrbio dismórfico de imagem, quando a pessoa apresenta obsessão por alguma parte específica do corpo. Nesse caso, pelos músculos. “Essa obsessão pode vir até com delírios. Ela não enxerga o corpo da forma como ele é. E isso se traduz em exercícios físicos intensos, tratamentos estéticos exagerados e outras atividades para crescer os músculos sem que ela encontre satisfação”, diz Larisa. O comportamento, quando causa estresse e prejuízo social, é chamado de “vigorexia”.
Rituais: Se você conhece alguém que só cozinha os alimentos com determinados tipos de panela, como a de barro, ou utensílios, como colher de inox, repare se a mania não soa patológica. Assim como a preocupação com fertilizantes ou agrotóxicos, quando os rituais no comer e no cozinhar impedem a pessoa de se alimentar fora de casa ou de viajar, por exemplo, é hora de procurar ajuda. “Há relatos até de que essas pessoas se sentem melhores ou mais evoluídas do que outras porque acham que se alimentam melhor”, comenta Karen Carolina.iStock
É o fim da dieta?
Segundo as especialistas, a chamada nutrição comportamental começou a ganhar contornos mais definidos nos últimos cinco anos, justamente como o contraponto à onda de dietas emagrecedoras de cardápios fechados e restritos. A ideia é que a pessoa se desapegue da ideia de listas de alimentos e aprenda a comer naturalmente, obedecendo sinais de fome e saciedade e, por que não, suas vontades. O chamado “comer intuitivo”.
“As dietas que restringem muito grupos alimentares podem fazer a pessoa entrar em um efeito sanfona, o que traz prejuízos para a saúde metabólica e psicológica, já que leva à perda de autoestima”, pontua a nutricionista Karen Carolina da Silva. “Ela coloca a ideia de sucesso ou fracasso. Disciplina ou indisciplina. A nutrição comportamental vai justamente ressignificar tudo isso e levá-la a um comer normal e equilibrado, incluindo todos os grupos alimentares. Ela vai aprender que pode confiar no corpo dela. Ele sabe o que precisa”, diz.
Não confundir com “brigadeiro liberado”. “Costumo dizer que a gente pode comer de tudo, mas não comer tudo”, ensina Larisa Carvalho, da mesma linha. Embora num primeiro momento, após anos de dietas restritivas, a pessoa acabe naturalmente sentindo desejo por alimentos mais calóricos, como uma espécie de “compensação”, ela garante que com o tempo o corpo aprende a se saciar com menos.
“Quando você libera um alimento para a pessoa comer quando quiser, ela aprende a escolher os momentos certos e a parar quando saciar o paladar”, ensina. “Tudo é uma questão de reconexão com o próprio corpo”.
Fonte: Metrópoles