Patrimônio Público

Grupo propõe que a população adote estátuas e outras obras do patrimônio publico

Na ausência do poder público, moradores e trabalhadores do entorno dos monumentos têm assumido a função de guardiões das peças ao ar livre espalhadas pela cidade.

 

 

Em setembro do ano passado, quatro meses após a inauguração da estátua da escritora Clarice Lispector no Caminho dos Pescadores, no Leme, o contrato da prefeitura para a conservação de monumentos e chafarizes da cidade foi encerrado e não há data para a retomada dos trabalhos. As obras de arte ficaram sem manutenção periódica. Mas Clarice, de autoria do escultor Edgar Duvivier, não está totalmente sem cuidados.

Um grupo de funcionários do quiosque em frente à estátua cuida da limpeza e está sempre atento a possíveis danos. Na ausência do poder público, moradores e trabalhadores do entorno dos monumentos têm assumido a função de guardiões das peças ao ar livre espalhadas pela cidade.

 

– Em geral, turistas e moradores também cuidam e brincam com a estátua, mas não danificam. É uma via dupla, a gente cuida da estátua e a estátua bem cuidada atrai turistas e admiradores de Clarice Lispector, que aproveitam para tomar alguma coisa e passam algum tempo no quiosque – diz o gerente, Carlos Henrique da Costa.

A caixa Verônica Alves Silva e o garçom Marcelo Farias Barros ajudam na limpeza. Diante da escultura, o guia turístico Alex Belchior, que se dedica a pesquisar e a catalogar monumentos e chafarizes do Rio, comemora e lamenta ao mesmo tempo:

– É gratificante encontrar esses guardiões, pessoas dedicadas a cuidar do patrimônio. Percorro a cidade inteira e vejo como tantos monumentos e chafarizes estão degradados.

Nas andanças pelos bairros, Belchior faz uma campanha solitária para que a vizinhança se envolva na preservação dos monumentos e busca adeptos para sua causa. A 500 metros da estátua de Clarice, na Praça Heloneida Studart, entre a Avenida Atlântica e a Rua Gustavo Sampaio, também no Leme, o vendedor de plantas José Henrique da Silva Alves e o guardador de carros Bruno Pinto Marins se dispõem a dar uma limpeza no que restou do busto do compositor Ary Barroso.

Os óculos e a placa com o nome do artista desapareceram do monumento, instalado em abril de 1974 pela Banda do Leme. Resta outra placa, menor, com a inscrição “Meu Brasil brasileiro”.

– Antigamente, a prefeitura ainda limpava de vez em quando, mas agora não aparece mais. Tem que ser o pessoal daqui mesmo. Mais difícil será consertar o que está quebrado – diz José Henrique.

No bairro de Vila Kennedy, na Zona Oeste, os moradores se esforçam para manter em bom estado a Estátua da Liberdade, do francês Auguste Bartholdi, também criador do monumento original, em Nova York. A escultura do século XIX ficava na Urca, na casa da família Paranhos, e chegou a Vila Kennedy em 1964, enviada pelo governador Carlos Lacerda, no dia da inauguração do conjunto habitacional, que foi construído com recursos do governo americano.

O monumento, na Praça Miami, foi restaurado pela prefeitura em 2014, graças à pressão dos moradores. Com o recrudescimento da violência na região nos últimos meses, as atividades em torno da escultura ficaram mais raras, mas a fiscalização informal para evitar pichações continua.

– Não adianta inaugurar novos monumentos sem envolver vizinhança e escolas próximas, sem mobilizar quem transita pelo local. É preciso valorizar a história do homenageado e também do escultor. Não perco a esperança, acho que a reação tem que partir mesmo da população – diz Belchior, que nasceu e mora na Vila Kennedy e foi um dos articuladores da restauração da Estátua da Liberdade. Com ajuda da comunidade, ele criou um centro de memória virtual e um site do bairro, onde conta a história da estátua.

Em 2010, o pesquisador criou um site com 800 monumentos e chafarizes da cidade. Em 2012, lançou o livro “Inventário dos Monumentos da Cidade do Rio de Janeiro”, com apoio da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH). Há cinco meses, Belchior iniciou a atualização do inventário, que deverá listar 1.200 obras de arte. Percorreu oito dos 66 bairros que pretende visitar. Sem patrocínio, faz a maior parte dos trajetos a pé.

-Tenho encontrado várias placas e bustos furtados, os chafarizes já não têm mais água e muitas áreas com monumentos históricos importantíssimos estão ocupadas por moradores de rua – conta.

Diante da estátua do médico e cientista Carlos Chagas, na Praia de Botafogo, Belchior se decepciona:

– A placa desapareceu. No inventário de 2012, estava aqui.

Na Praça Mahatma Gandhi, no Centro, o guia aponta o Chafariz do Monroe, o maior da cidade, fabricado na tradicional fundição francesa Val D’Osne e comprado no fim do século XIX por Dom Pedro II, em Viena. Sem água, a peça é usada como banheiro por moradores de rua. Várias placas e um dos bustos do entorno foram roubados.

A Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente, à qual está vinculada a Gerência de Monumentos e Chafarizes, informou que o contrato para manutenção das obras de arte venceu em setembro do ano passado e não foi renovado pela gestão anterior. Na atual administração, o contrato ainda não foi retomado por falta de recursos.

“Os contratos de conservação de monumentos e de chafarizes encontram-se em fase de licitação e entrarão em vigor quando o processo estiver concluído e as contas do município, equilibradas. O valor estimado, de cada contrato, é de R$ 850 mil”, informou a secretaria, por meio de nota.

Segundo a assessoria, o orçamento da secretaria foi reduzido de R$ 313,3 milhões em 2016 para R$ 116,9 milhões este ano, um corte de 62,6%. Serviços “pontuais” têm sido feitos pela própria secretaria ou pela Comlurb.

Fonte: O Globo