Fríboi é líder nacional em acidentes em frigoríficos

Ao todo, 3.110 acidentes da JBS de 2011 a 2014 (39%) ocorreram na Amazônia Legal

imageNos comerciais da Friboi na TV, o roteiro se repete. O ator Tony Ramos faz uma visita-surpresa à casa de um consumidor, para perguntar qual carne costuma comprar, e encontra um produto da marca na geladeira. “Carne confiável tem nome”, diz o artista. Quando fiscais aparecem repentinamente nas unidades da JBS, dona da Friboi, o resultado tende a ser previsível como a propaganda. Irregularidades e violações de direitos trabalhistas são tão frequentes que deixaram 7.822 funcionários da empresa doentes ou incapacitados para o trabalho nos últimos quatro anos. Isso equivale a cinco acidentes por dia durante todo o período.

Dados inéditos obtidos pela Pública com o Ministério da Previdência Social, por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que a JBS foi a campeã em comunicados de acidentes de trabalho, de 2011 a 2014, somando-se os setores de abate de gado e de fabricação de produtos de carne. No setor de abate de aves – em que começou a se expandir nos últimos dois anos, com a compra da Seara e de outros frigoríficos –, a empresa já subiu para o segundo lugar em 2014 e ficou quase empatada com a BRF (antiga Brasil Foods).

Com lucro líquido de 2,04 bilhões de dólares em 2014, a JBS é hoje o maior grupo privado do país em faturamento e a maior processadora de carnes do mundo. No ano passado, as vendas somaram 120 bilhões de reais. Esse gigantismo foi conseguido com a ajuda de dinheiro público. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio da BNDES Participações (BNDESPar), fez aportes de 8,1 bilhões de reais para favorecer aquisições, tornando-se seu maior sócio. A BNDESPar chegou a deter um terço do grupo. Em 2012, repassou uma cota equivalente a 10% de participação para a Caixa Econômica Federal e manteve-se com 24,5%. O grupo foi, também, o maior doador na campanha eleitoral do ano passado e destinou 366,8 milhões de reais a candidatos e partidos políticos.

A maioria dos acidentes da JBS no país ocorreu no setor de abate de bovinos, uma área historicamente perigosa para os trabalhadores. Foram registrados 4.867 comunicados no total: 1.294 em 2011, 1.225 em 2012, 1.261 em 2013 e 1.087 em 2014. Nesse setor, a empresa foi responsável por um em cada quatro acidentes informados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) entre 2011 e 2013 – cerca de 25% ao ano. Houve redução de 14% nos comunicados da JBS de 2013 para 2014, mas a empresa ainda concentrou um em cada cinco acidentes reportados no último ano (21%) e ficou atrás apenas da Marfrig.

Na área de fabricação de produtos de carne, foram 506 acidentes reportados em 2011, 262 em 2012, 327 em 2013 e 369 em 2014 (incluindo a Seara, comprada em 2013). Nos quatro anos, a JBS foi a empresa com maior quantidade de casos. Já no setor de abate de aves, os incidentes começaram a aparecer em 2012, com a criação da divisão JBS Aves a partir do arrendamento da Doux Frangosul. Foram 49 comunicados naquele ano. Em 2013, a quantidade subiu para 289. Em 2014, depois da aquisição da Seara, houve um salto para 1.153 casos.

Ao todo, 3.110 acidentes da JBS de 2011 a 2014 (39%) ocorreram na Amazônia Legal, principalmente no Mato Grosso. O estado tem o maior rebanho bovino do país, com 28,3 milhões de cabeças, segundo a pesquisa Produção da Pecuária Municipal de 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O grupo mantém unidades também no Acre, no Maranhão, no Pará e em Rondônia. Foram registrados 713 incidentes na Amazônia Legal em 2011. O número passou para 821 em 2012, 840 em 2013 e 736 em 2014. Apesar das flutuações, foram dois por dia, em média, a cada ano.

Infrações deliberadas
Os dados fornecidos pelo Ministério da Previdência Social confirmam a percepção dos procuradores do Ministério Público do Trabalho que fiscalizam de perto esses setores. “A JBS tem uma política deliberada de precarização dos direitos fundamentais dos trabalhadores”, afirma o procurador Sandro Eduardo Sardá, gerente nacional do Programa de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos. “Isso vem gerando uma legião de trabalhadores amputados e mortos em razão de acidentes de trabalho.” O grupo foi criado em 2010 por causa do elevado número de problemas registrados nesse tipo de empresa.

De acordo com Sardá, a JBS mantém condições ruins de trabalho para obter o máximo de lucro. Isso é feito de várias maneiras. Em uma das mais comuns, adota-se um ritmo excessivo – e, portanto, ilegal – na jornada dos funcionários. “É um ritmo de trabalho incompatível com a proteção à saúde dos trabalhadores”, diz o procurador. Nos frigoríficos de aves, isso leva muitos dos funcionários a adquirir doenças ocupacionais. Nos frigoríficos de bovinos, tem como resultado uma grande quantidade de amputações.

Uma amostra da extensão do problema pôde ser vista recentemente. No dia 13 de maio, uma força-tarefa formada pelo Ministério Público do Trabalho, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, pelo INSS, pela Receita Federal e pela Advocacia-Geral da União interditou 45 máquinas que apresentavam riscos à saúde dos trabalhadores em uma unidade de abate de frangos da empresa em Rolândia, no Paraná. Com 4.000 funcionários, a fábrica pertence à Big Frango, adquirida pela JBS no ano passado, e abate 400.000 frangos por dia.

Entrevistas feitas com 400 trabalhadores durante a operação mostram as consequências de uma jornada excessiva. Uma parcela de 52,9% dos funcionários ouvidos – ou seja, mais da metade – admitiu ter tomado algum tipo de remédio, aplicado emplastros ou feito compressas para poder trabalhar nos 12 meses anteriores. Além disso, 38% deles disseram sentir uma dor forte durante a realização de suas atividades. Terminado o dia de trabalho, 75,4% afirmaram ficar cansados (35,1%), muito cansados (23%) ou exaustos (17,3%).

A força-tarefa escolheu essa unidade, entre tantas outras, por meio de cruzamentos de dados públicos e privados. Os procuradores identificaram uma enorme quantidade de consultas médicas relacionadas ao trabalho no ano passado. Foram 2.033, além de 70.279 atendimentos de enfermagem, equivalentes a 225 por dia nessa fábrica. Já os afastamentos por doenças osteomusculares ou traumas somaram 6 mil horas em 2014.

El País