Na prática, a medida permite que empresas obtenham aval para fabricação desse produtos em território nacional e venda desses produtos em farmácias, o que indica a possibilidade de ampliação do uso medicinal da Cannabis no Brasil.
A medida é uma entre duas propostas em análise na agência. Em outra frente, diretores ainda analisam a possibilidade de aval ao cultivo de Cannabis para pesquisa e produção de medicamentos.
A primeira proposta aprovada nesta terça cria uma nova categoria de produtos sujeitos à avaliação da agência: os produtos à base de Cannabis.
Isso já indica um passo extra da agência em relação a esse mercado, ainda que o aval ao cultivo não seja aprovado, já que as novas regras trazem um modelo próprio para registro desses produtos no país.
Com isso, empresas não precisariam submeter os produtos às mesmas regras de medicamentos.
O texto também cita a possibilidade de que empresas importem substratos de Cannabis para fabricação dos produtos. Neste caso, porém, devem importar a matéria-prima semielaborada, e não a planta ou parte dela.
As medidas foram sugeridas pelo diretor Fernando Mendes, que havia pedido vista da proposta apresentada em outubro pelo diretor-presidente da agência, William Dib.
Em seu voto, Mendes propôs a criação de um modelo alternativo de autorização para registro desses produtos.
Para ele, a proposta anteriormente em discussão na agência poderia levar a um abrandamento das regras atuais de registro de medicamentos no país.
“Não tenho conhecimento de que algum país tenha alterado suas regras de registro [de medicamentos] para acomodar produtos à base de Cannabis”, disse. Segundo Mendes, algumas agências têm adotado processo em outras vias que não o de medicamentos, mas ainda com análise criteriosa.
Em seguida, defendeu a possibilidade também de um modelo alternativo, ainda simplificado, mas que enquadre esses produtos em outra categoria, por tempo limitado.
Neste caso, a empresa deve ter informações técnicas sobre o produto, com informações sobre controle de qualidade e avaliação periódica de uso por pacientes. Também deve haver medidas de rastreabilidade.
A proposta mantém o veto à possibilidade de liberação de cosméticos, cigarros e outros produtos à base da planta. Após serem apresentadas por Mendes, as propostas foram aprovadas pelos demais diretores.
Pelo modelo aprovado, empresas interessadas em obter a autorização sanitária devem apresentar autorizações de funcionamento e certificados de boas práticas. Também devem comprovar condições para controle de qualidade dos produtos.
A resolução traz ainda regras para embalagem desses produtos, que devem conter uma faixa de cor preta e não podem conter os termos medicamento, remédio, fitoterápico, suplemento ou outros.
A venda será restrita à prescrição médica e retenção de receita e só poderá ser feita em farmácias e drogarias. Será vedada a venda em farmácias de manipulação.
Produtos à base de Cannabis com teor superior à 0,2% de THC, um dos derivados da maconha, também devem conter o aviso de que o uso dos produtos “pode causar dependência física e psíquica”.
O texto traz ainda normas para prescrição dos produtos, que devem ganhar diferentes tipos de receita a depender da concentração de THC. Se menor que 0,2%, será de receita tipo B, com necessidade de renovação de receita em 60 dias.
Produtos com concentração superior a 0,2% de THC só podem ser prescritos a pacientes terminais ou que tenham esgotado as alternativas terapêuticas. Neste caso, a receita é do tipo A, mais restrita, semelhante ao padrão aplicado para morfina, por exemplo.
Segundo a Anvisa, a indicação e forma de uso dos produtos caberá ao médico assistente. Pacientes devem assinar termo de consentimento livre e esclarecido.
A medida segue para publicação no Diário Oficial da União. A norma deve ser revisada em até três anos.
MACONHA MEDICINAL
COMO É HOJE
Lei 11.343, de 2006, proíbe plantio, cultura, colheita e exploração de Cannabis, “ressalvada hipótese de autorização legal” para fins medicinais e científicos, em local e prazo predeterminados e mediante fiscalização
Atualmente, pacientes que fazem tratamento com óleos e extratos à base de canabidiol, substância encontrada na Cannabis e conhecida pelos seus efeitos terapêuticos, precisam de aval da Anvisa para importar os produtos, o que ocorre a custo alto.
Sem a regulamentação, universidades que desejam ter acesso à planta, por exemplo, precisam obter por importação ou doação previamente autorizadas. Empresas que têm autorização para pesquisas também reclamam de entraves e custos altos
Até agora, há apenas um medicamento à base de Cannabis com autorização para venda no Brasil. É o Mevatyl, indicado para tratar espasmos em pacientes com esclerose múltipla, e cujo preço fica acima de R$ 2.000
INDICAÇÃO
Principais doenças apontadas nos pedidos de importação de canabidiol: epilepsia, autismo, dor crônica, doença de Parkinson e neoplasia maligna
O QUE ESTÁ EM DISCUSSÃO
Anvisa discutiu duas propostas de resolução: uma que trata de registro de remédios à base de Cannabis e seu monitoramento e outra com requisitos técnicos e regras para cultivo de Cannabis para pesquisa e produção de medicamentos
O cultivo ainda será analisado.
Fonte: Anvisa
LINHA DO TEMPO
Nov.2013. Após ver informações na internet sobre testes com canabidiol, um dos derivados da maconha, a família da brasileira Anny Fischer, que sofre de uma síndrome rara, decide importar dos Estados Unidos um óleo rico na substância para a criança
Mar.2014. Uma das tentativas de importação falha e o canabidiol é barrado na alfândega. A família conta sua história a um jornalista, que lança o documentário “Ilegal” sobre o caso
Abr.2014. A família de Anny consegue laudo médico da USP de Ribeirão Preto e entra na Justiça para conseguir importar o produto. O pedido é aprovado. Após o caso, Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) passa receber mais pedidos de autorização para importação de produtos à base de canabidiol
10.out.2014. Conselho Regional de Medicina de São Paulo autoriza a prescrição de canabidiol no Estado
11.dez.2014. Conselho Federal de Medicina autoriza médicos a prescreverem o canabidiol, mas somente para crianças com epilepsia e que não tenham tido sucesso em outros tratamentos
15.jan.2015. Anvisa libera uso medicinal de produtos à base de canabidiol, um dos derivados da maconha, retirando-o de uma lista de substâncias proibidas e colocando-o em uma lista de substâncias controladas
Mar.2015. Cresce volume de decisões judiciais que obrigam a União a fornecer o canabidiol a pacientes com diferentes tipos de crises convulsivas, não apenas as epiléticas
23. abr.2015. Anvisa simplifica regras para importação de produtos à base de canabidiol e cria lista de produtos que podem ter facilitado processo de autorização para importar
Ago. e set.2015. STF começa a discutir se é crime portar drogas para uso próprio. Julgamento, no entanto, foi suspenso após pedido de vistas do ministro Teori Zavascki
21.mar.2016. Após determinação judicial, Anvisa publica resolução que autoriza prescrição e importação de medicamentos com THC, um dos princípios ativos da maconha. Antes, essa substância fazia parte da lista daquelas que não poderiam ser objeto de prescrição médica e manipulação de medicamentos no país
22.nov.2016. Anvisa aprova critérios para uso de medicamento à base de maconha e abre espaço para que remédios à base da planta possam obter registro para venda no país
Nov. e dez. 2016. Três famílias, duas do RJ e uma de SP, conseguem habeas corpus que as permitem plantar e extrair óleo de maconha para uso medicinal e próprio; número irá crescer nos anos seguintes
Jan. 2017. 1º medicamento à base de maconha, Mevatyl, composto por THC e canabidiol e indicado para espasticidade, ganha registro na Anvisa para chegar ao mercado brasileiro
2017. Anvisa inicia missões internacionais para países que regulamentam cultivo de Cannabis para pesquisa e produção de medicamentos e começa a planejar medida semelhante no Brasil
2018. Cresce número de pacientes com autorização para importar medicamentos à base de canabidiol
Jun.2019. Anvisa avalia colocar em consulta pública duas propostas de resolução: uma com regras para cultivo de cannabis para pesquisa e produção de medicamentos e outra com regras de registro e pós-registro desses produtos
Fonte: Anvisa
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Natália Cancian