Um servidor do Fórum de Itapevi, na Grande São Paulo, foi punido administrativamente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo após ter ido trabalhar de saia e ter postado uma foto com um texto nas redes sociais. O episódio aconteceu em 2019, mas o processo ainda corre no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O escrevente Renan Felício Awata afirma ter sofrido discriminação sexual, uma vez que não há regra específica no tribunal que proíba o uso da peça.
No processo administrativo, houve arquivamento em relação à utilização da saia em si, mas o tribunal considerou que o texto publicado por ele no Facebook desrespeitou o Estatuto dos Servidores Públicos ao “referir-se depreciativamente a autoridades” (leia mais abaixo).
“Pensei que estaria preparado para enfrentar isso, mas não estava. Mesmo eu tendo um privilégio financeiro, de apoio familiar, tive problemas psicológicos. Imagina quem não tem?”, disse Awata.
“É uma bandeira que eu gostaria que fosse falada não só no meu local de trabalho, mas em outros locais. E as pessoas que não se identificam com o gênero com o qual nasceram? E as trans e travestis que vão aos tribunais?”
Em nota, o TJ afirmou que estava impedido de comentar o caso específico, mas repudiou “qualquer prática discriminatória”.
“O Tribunal de Justiça de São Paulo e a magistrada que conduziu a sindicância ressaltam que repudiam quaisquer práticas discriminatórias em unidades judiciárias ou fora delas”, diz o órgão.
Histórico do caso
Em agosto de 2019, Awata fez uma consulta por email ao departamento de Recursos Humanos sobre a possibilidade de comparecer ao Fórum usando bermudas e sapatos abertos, e a existência de uma regra específica sobre o tema.
Em resposta, o tribunal citou um artigo do Estatuto do Servidor de São Paulo que prevê que o funcionário deve “apresentar-se convenientemente trajado em serviço”. O órgão disse ainda que o ambiente forense não condiz com o uso de bermudas e sandálias, “somente aceitáveis em ambientes descontraídos”.
Na sequência, o funcionário questionou se a regra valia para todos os gêneros, uma vez que colegas do sexo feminino eram autorizadas a usar saias, bermudas, vestidos e sandálias abertas no ambiente de trabalho. Segundo ele, a juíza respondeu que não tinha nada a acrescentar sobre a questão específica de gênero.
Em dezembro de 2019, o escrevente postou uma foto em seu Facebook vestido com uma saia, camisa de botões e tênis em frente ao Fórum de Itapevi.
“Achei que estava na hora de fazer algo que possa influenciar vidas de pessoas na prática. Por mais amor, empatia e compreensão às minorias”, diz parte do texto (leia a íntegra na imagem abaixo).
Um processo administrativo para investigar a conduta do servidor foi então aberto. A questão sobre o uso da saia foi arquivada, mas Awata foi punido com repreensão por conta do texto da postagem.
“Era uma questão de gênero mesmo. Discriminação sexual pela juíza. Se fosse uma mulher com o mesmo cargo, com as mesmas vestimentas, queria saber como o tribunal se posicionaria”, diz o funcionário.
‘Calças, queremos usar Bermudas’
O TJ considerou que Awata descumpriu a obrigatoriedade de tratar colegas com respeito e referiu-se depreciativamente a autoridades, devido à menção feita na postagem nas redes sociais ao nome do então presidente do tribunal, Manoel Pereira Calças.
No texto ele afirma: “Calças, queremos usar Bermudas”.
“O servidor se utiliza de suposta ironia em relação ao Eminente Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça, Doutor Manoel Pereira Calças, em suposta ridicularização de seu nome por meio de trocadilho para divulgação de sua manifestação”, diz a juíza Carolina Lacombe no processo.
A magistrada afirma ainda que “sobre as questões envolvendo o direito de minorias, ataca a diferenciação de vestimentas que lesiona homens (notadamente apontados como maioria opressora em discursos correlatos) que, com calor, não poderiam utilizar bermudas e/ou saias, sem qualquer referência concreta a condutas lesivas a alguma minoria e mesmo havendo ar condicionado no local de trabalho”.
Renan Felício Awata abriu uma reclamação na Corregedoria Geral de Justiça por discriminação, mas o processo foi arquivado em 2021. O caso ainda corre no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Vestimenta no Judiciário
São comuns casos em que pessoas são barradas em tribunais pelo país por conta da vestimenta. Também em 2019, uma advogada foi impedida de entrar no Tribunal de Justiça de Rondônia por estar com uma roupa considerada “inadequada”.
Em 2007, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia inovou ao usar calça comprida no plenário do tribunal. Até 2000, uso do traje era proibido para mulheres nas sessões.
De acordo com a assessoria de imprensa do TJ-SP, o tribunal segue a Portaria nº 7.607/08, que afirma que “as partes, testemunhas, auxiliares da Justiça e demais pessoas devem se apresentar convenientemente trajados e de acordo com sua condição social”.
Renan Felício Awata abriu uma reclamação na Corregedoria Geral de Justiça por discriminação, mas o processo foi arquivado em 2021. O caso ainda corre no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: G1 Globo