Nos últimos anos, diversos projetos de leis foram apresentados nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional, visando criar uma Escola Sem Partido, ou seja, proibir que professores e professoras “doutrinem” crianças com questões políticas e noções de gênero e diversidade sexual na sala de aula. Recentemente, com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para presidência da república, o tema retornou à Câmara dos Deputados; a própria campanha do candidato eleito pautou esse tema.
À primeira vista, todo mundo quer uma escola que não tenha partido, que seja para todos (as) estudantes, que não coloque nenhum tipo de conhecimento arbitrário ao alunado. Contudo, quando analisamos mais a fundo as ideias desse movimento e dos seus representantes, percebe-se o contrário. Não é escola sem partido que querem; é escola com pensamento único.
O movimento Escola Sem Partido nasceu em 2004, por iniciativa do procurador Miguel Nagibe em São Paulo. Ele tinha escutado um relato de sua filha ao chegar da escola e teria ficado indignado quando ela disse que o professor de história havia comparado Che Guevara a São Francisco de Assis. A partir disso, fundou uma associação, criou um site e vários núcleos espalhados em todo o Brasil. Modelos de projetos de lei são disponibilizados para serem apresentados em todas as casas legislativas do país.
Todos os parlamentares que apresentaram projetos em suas casas legislativas são evangélicos ou católicos e pertencem a partidos conservadores como o PSC, MDB, PSDB, PP, DEM, dentre outros da mesma linha ideológica. Todos têm uma visão econômica liberal e um histórico de embates com a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) e os movimentos feministas.
Em 2016, uma lei estadual foi aprovada na Assembleia Legislativa de Alagoas, vetada pelo governador do estado, mas o veto derrubado pelo poder legislativo. Uma liminar do ministro Luis Roberto Barroso suspendeu os efeitos da norma. A Procuradoria Geral da República (PGR) já se posicionou contrária a essa e outras leis de vários municípios brasileiros, por entender que ela fere direitos e princípios constitucionais. O Supremo Tribunal Federal (STF) até hoje não pautou a questão.
Quem observou pela imprensa a cobertura das discussões e aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), no Congresso Nacional, entre 2011 e 2014, viu que a incorporação dos termos gênero e orientação sexual nas formas de enfrentamento às discriminações foi vetada por pressão dos setores conservadores, formado pela bancada evangélica e católica e, excluíram também, as questões de raça do texto final. Esses grupos religiosos criaram um discurso em torno da chamada “ideologia de gênero”, que, segundo eles, visa destruir as famílias e acabar com a inocência das crianças. Esse “pânico moral” foi espalhado nos anos de 2015 e 2016 durante as tramitações e aprovações dos planos estaduais e municipais de educação. Voltou à tona durante a campanha eleitoral deste ano, sobretudo a partir da candidatura do presidente da república eleito e de seus seguidores em todo o país.
Alunos (as) que tem uma religião diferente da cristã ou mesmo que não possuem nenhuma crença sofrem nas escolas. Uma aluna de uma escola pública no Rio de Janeiro foi impedida de entrar no estabelecimento escolar por está com guias de sua religião. Alunos (as) LGBT enfrentam, no dia a dia, agressões físicas e simbólicas por ter uma orientação sexual e identidade de gênero não hegemônica. Ficaremos apenas nesses exemplos, mas casos de racismo, machismo e preconceitos contra pessoas com algum tipo de deficiência são muito comuns. A Escola Sem Partido quer proibir essas discussões.
A educação tem um papel fundamental na mudança de mentalidades e comportamentos. A cultura do estupro, o machismo, a homofobia, o racismo, dentre outras formas de preconceitos e discriminações serão enfrentadas concretamente quando a discussão entrar, de forma séria e científica, nas salas de aulas. A escola deve ser um espaço por excelência de convívio com a diversidade e não um local de hostilidade aos diferentes.
Portanto, os projetos de leis baseados no movimento Escola Sem Partido, não visam uma escola sem influências partidárias, mas uma escola que esconda a diversidade presente na sociedade e não combata preconceitos e discriminações que as pessoas gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, mulheres, negros, indivíduos de religiões de matriz africana sofrem no dia a dia. É urgente que o STF possa julgar a ação constitucional que tramita lá, para pacificar a questão em todo território nacional e tirar o véu do obscurantismo que tentam impor às escolas brasileiras.
Fonte: Joel Martins
Créditos: Polêmica Paraíba