Presentes desde o Orçamento de 2020, as emendas de relator facilitaram o trabalho do governo de Jair Bolsonaro (PL) nas negociações com as bancadas do Congresso Nacional ao serem usadas em troca de apoio político.
Nos últimos meses, contudo, a verba, também conhecida como “orçamento secreto”, se tornou central em escândalos de fraudes na compra de caminhões de lixo, ônibus escolares, tratores, ambulância, entre outros. Mas afinal, o que são as emendas de relator? Saiba mais abaixo:
O que é o “orçamento secreto”? Existem quatro tipos de emendas:
- Individual;
- De bancada;
- De comissão;
- De relator.
A de relator, cujo código técnico é RP-9, se diferencia das demais porque é definida pelo deputado ou senador escolhido como relator-geral do Orçamento a cada ano — em negociações informais e sem critério definido para quem e para onde o dinheiro será destinado. Ganham prioridade na fila, por exemplo, políticos aliados de integrantes do governo federal.
Por que o apelido “secreto”? Além da falta de regras estabelecidas para o encaminhamento dessas verbas, não há transparência para acompanhar para qual área a emenda de relator será destinada. Assim, a fiscalização sobre a execução desse dinheiro também é dificultada.
Segundo a legislação, cabe aos ministérios definir a alocação desses recursos. Mas, na prática, os próprios parlamentares podem escolher o destino das emendas. Ou seja, há situações em que o dinheiro é enviado a uma pasta e deixa outra desamparada — a que recebe não é, necessariamente, a que mais precisa.
Por que é alvo de crítica? Pela inexistência de um mecanismo claro de monitoramento do pagamento das emendas, tampouco do destino do dinheiro ou do objetivo da ação.
Entenda os casos envolvendo o ‘orçamento secreto’:
- Caminhões de lixo
Entre 2019 e 2022 o orçamento destinado às compras de caminhões de lixo com recursos do governo federal aumentou 833%. De acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, de R$ 24 milhões passou para R$ 200,2 milhões. O número de veículos adquiridos saltou de 85 para 453. As cidades priorizadas compõem os redutos eleitorais de aliados do presidente Bolsonaro, ainda segundo o jornal.
Controlados pelo centrão, os órgãos responsáveis por esse abastecimento são: a Sudeco (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste), a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco).
Essa distribuição é usada para promover políticos aliados ao Executivo Federal e ganhar tração em cidades mais pobres. O governo destinou cerca R$ 381 milhões. Destes, a reportagem identificou pagamentos inflados de R$ 109 milhões.
À reportagem a Codevasf negou irregularidades, enquanto a Sudeco afirmou que agiu com um “alinhamento de todo o Executivo”. Já a Funasa disse que os municípios são responsáveis por definir o tamanho do caminhão. O Palácio do Planalto não respondeu aos questionamentos.
- Codevasf
Alvo de operação da Polícia Federal, a Codevasf deixou de lado sua função histórica de entregar obras de irrigação no semiárido após virar feudo de caciques do centrão — grupo de partidos que dá suporte ao governo no Congresso. Desde que foi turbinada por emendas do “orçamento secreto”, passou a priorizar obras de pavimentação e a entregar máquinas a municípios.
Em julho, a PF deflagrou a Operação Odoacro, que investigou supostas fraudes em licitação e desvio de verbas públicas em um “engenhoso esquema de lavagem de dinheiro, perpetrado a partir do desvio do dinheiro público proveniente de procedimentos licitatórios fraudados”, segundo a polícia.
Foram apreendidos cerca de R$ 1,3 milhão em cédulas de dinheiro, além de itens de luxo, como relógios importados e moto aquática. A operação foi realizada nas cidades de São Luís, Dom Pedro, Codó, Santo Antônio dos Lopes e Barreirinhas. Ao todo, 16 mandados de prisão foram expedidos.
Um deles foi apontado como líder de uma quadrilha que tem como um dos focos desviar recursos públicos. De acordo com a investigação, o grupo criminoso tinha contas bancárias vinculadas a CPFs falsos para realizar as fraudes e dificultar a atuação de órgãos de controle.
Em nota, a Codevasf informou que os convênios que motivaram a investigação não são de responsabilidade do órgão e que cabe às prefeituras realizarem as licitações e as contratações necessárias ao emprego adequado de recursos orçamentários.
A empresa informou ainda que a ação policial foi “empreendida não em face da companhia ou de qualquer de seus dirigentes ou empregados”, e sim para apurar eventuais irregularidades em “contratos de prefeituras”.
- Ônibus escolares
Comandado por Marcelo Ponte, aliado de Ciro Nogueira, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) quase realizou uma licitação em abril deste ano que poderia superfaturar a compra de mais de 3.800 mil ônibus escolares.
Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, o processo de compra já havia sido alvo de pareceres técnicos contrários de órgãos de controle do governo, que calculava o montante R$ 700 milhões mais caro do que o adequado.
Após a divulgação da reportagem, o Executivo recuou e reduziu as cotações dos ônibus. Por fim, o pregão ficou R$ 500 milhões a menos do que o anteriormente proposto.
O programa especial, criado para incentivar estudantes a não abandonar as salas, atua principalmente nas regiões rurais de difícil deslocamento.
Questionado sobre o escândalo, Bolsonaro afirmou, na ocasião, que o responsável por descobrir as irregularidades foi o governo. “Temos gente trabalhando em cada ministério com lupa em contratos, por isso não tem corrupção”, depois de a CGU (Controladoria-Geral da União) e a AGU (Advocacia-Geral da União) se manifestarem contrárias à licitação.
- Pastores no MEC
Em março de 2022, o jornal O Estado de S. Paulo também mostrou que pastores participaram de um “gabinete paralelo” no MEC (Ministério da Educação) quando Milton Ribeiro era o então ministro da pasta. Os religiosos, que não tinham cargos oficiais no governo, tinham controle da agenda oficial e negociavam o repasse de verbas federais a municípios.
Um áudio obtido pelo jornal Folha de S.Paulo revelou que o Executivo priorizava a liberação de recursos a prefeituras indicadas pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura Correia, que atuavam como lobistas no ministério. Ribeiro, Santos e Moura foram presos em 22 de junho e soltos no dia seguinte, por decisão do desembargador Ney Bello, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região).
A investigação apontou suspeitas de corrupção passiva, prevaricação, tráfico de influência e advocacia administrativa. Inicialmente focada no MEC, a apuração sobre o balcão de negócios na pasta ganhou fôlego após interceptação da PF captar o ex-ministro mencionando Bolsonaro em uma conversa com sua filha.
No diálogo, Ribeiro diz que conversou com o presidente sobre a possibilidade de buscas. O Ministério Público Federal afirma haver suspeitas de interferência do presidente nas investigações referentes ao ex-ministro.
Após o vazamento do esquema, Ribeiro deixou o comando da pasta no fim de março. Ele nega que os pastores tivessem facilidades no ministério.
- Fraudes no SUS
Segundo reportagem da revista Piauí, o orçamento secreto chegou também na estrutura de saúde pública do país. Prefeituras do Maranhão falsificaram informações ao SUS (Sistema Único de Saúde) para inflar seu teto orçamentário.
O esquema se baseia, basicamente, no envio de emendas sem critérios de necessidade ano após ano e essas prefeituras repassam falsos números de prestação de contas sobre serviços prestados pelo SUS, como consultas e exames, por exemplo.
Com o argumento de aumento nas despesas, os recursos enviados às cidades passam a ser proporcionais. Algumas cidades maranhenses, sozinhas, receberam mais dinheiro para a saúde do que o montante destinado a outros municípios brasileiros.
Diante das denúncias, o Ministério Público Federal do Maranhão abriu investigação. Em nota enviada à reportagem, o Ministério da Saúde informou que encontrou irregularidades em “alguns municípios” e disse que vai apurar o caso. De acordo com a revista, desde o início de julho, o esquema já liberou mais de R$ 300 milhões sem qualquer tipo de fiscalização.
Fonte: UOL
Créditos: Polêmica Paraíba