As histórias que ouvimos, os telejornais, a divisão de tarefas, os medos e as dificuldades enfrentadas no dia a dia, compõem as histórias das mulheres na nossa sociedade. Somos sujeitos sociais e as relações construídas, muitas vezes, acabam incentivando a internalização de ideias e de imagens socialmente aceitas. Ainda estamos aprendendo a romper essa naturalização histórica e as correntes que nos aprisionam. Ainda estamos aprendendo que somos seres políticos e que, portanto, nossos corpos, nossas atitudes e nossas escolhas, são essencialmente políticas, desde o dia em que nascemos. E é um alívio saber que, a cada nova geração, avançamos na busca pela igualdade de gênero.
A história sobre a política que é contada é a história de homens de meia idade, brancos, heterossexuais, poderosos e das dificuldades e preconceitos de ser mulher na política. Essas imagens vão criando receios entre nós, nos distanciando desses espaços.
Com o ritmo que levamos, de acordo com o Fórum Econômico Mundial, precisaremos de 95 anos para alcançarmos a igualdade de gênero na representação política em nível global. No Brasil, provavelmente, levaremos ainda mais tempo. De acordo com o Global Gender Gap Report 2020, relatório do Fórum Econômico Mundial sobre as desigualdades de gênero, o Brasil ocupa a 104ª posição no ranking de empoderamento político das mulheres quando comparado a outros 152 países. Estarmos na 104ª posição não significa dizer que não avançamos, foram passos lentos, mas algumas conquistas importantes aconteceram.
Em 1932 as mulheres conquistaram o direito ao voto; em 1974 as mulheres conquistaram o direito de portar cartão de crédito; em 1977 a Lei do Divórcio foi aprovada; em 1979 as mulheres garantiram a prática do futebol; em 1985 foi criada a primeira Delegacia da Mulher; em 1988 a Constituição Federal passou a reconhecer as mulheres como iguais aos homens; em 2006 foi sancionada a Lei Maria da Penha; em 2015 foi aprovada a Lei do Feminicídio; em 2018 a importunação sexual sobre a mulher passou a ser considerada crime. Olhar o passado serve também para recarregar as forças para as lutas do presente.
Hoje, na política, as mulheres representam apenas 15% da Câmara dos Deputados e 15% do Senado; 4% dos Governos Estaduais e 12% das Prefeituras. Avançamos não apenas nas legislações sobre cotas nas chapas eleitorais, mas também no financiamento de campanhas. Entretanto, a realidade ainda é distante do ideal.
Além das dificuldades legais e institucionais, os desafios para adentrar na política sendo mulher são muitos: dificuldades pessoais, questões financeiras, impedimentos conjugais e familiares, entre outros. E, quando conseguimos superar esses desafios e chegar lá, sofremos violência política de gênero. A violência política de gênero é caracterizada por agressão física, psicológica, econômica, simbólica e sexual contra a mulher, praticada em contextos de candidaturas, ocupações ou representações políticas, que acabam por restringir ou impedir o exercício de mulheres em funções públicas. Essa violência está presente nos partidos, nas casas legislativas, nos governos e na própria sociedade.
Segundo pesquisa MonitorA sobre as eleições municipais 2020, as ofensas mais comuns na internet contra as mulheres estão relacionadas a assédio moral (42%), gordofobia (27%), e descrédito (18%). Joice Hasselmann, São Paulo; Manuela D’Ávila, Porto Alegre; e Benedita da Silva, Rio de Janeiro foram as candidatas mais atacadas nas redes sociais. Fica claro que a escolha dos ataques não é ideológica, mas sim de gênero. Manuela D’Ávila é certeira em sua entrevista para o Universa Uol: “As pessoas precisam entender que não estamos dizendo que não podemos ser criticadas, só queremos ir para o mesmo lugar deles, onde o debate é sobre ideias e não sobre a vida privada”.
E é justamente no lugar do debate e de ação sobre ideias, programas e políticas públicas, que as pesquisas demonstram o impacto positivo das lideranças femininas, comprometidas com a gestão pública e com o coletivo. Uma pesquisa feita pelo Instituto Vamos Juntas mostra que as mulheres apresentam 40% mais projetos de lei e aprovam 192% mais proposições que os homens na Câmara dos Deputados, gerando uma maior eficiência durante a legislatura. Outra pesquisa realizada pela OCDE mostrou que, nos países com maior participação de mulheres na política e nos governos, é uma tendência a redução das taxas de desigualdade.
A escola de governo de Harvard, a Harvard Kennedy School, afirmou que, com a participação de mulheres na política, as populações tratadas como minoritárias ficam mais propensas a denunciar crimes cometidos contra elas, mulheres se engajam mais em discussões cívicas e o nível educacional de adolescentes e suas aspirações de carreira se eleva. Na economia, para além da política, as mulheres também fazem a diferença: a cada 1% de crescimento nos índices de empregabilidade feminina, o PIB global cresce, em média, 0,16%, pela mera inclusão das mulheres no mercado de trabalho (Organização Internacional do Trabalho). O Fórum Econômico Mundial projeta que, se até 2025 o gap de gênero se reduzir a 25% no mercado de trabalho, haverá um crescimento de US$5,3 trilhões no PIB global.
No cenário atual, cada vez mais as mulheres têm deixado de ser “apenas aquelas que cuidam dos que amam”. As mulheres têm mostrado que podem e devem assumir diversos outros papéis na sociedade. Papéis esses que, há muito, fomos impedidas de realizar. Buscamos respeito a nós e a nossas opiniões, um basta no descrédito pelo simples fato de sermos mulher, o fim das violências físicas, verbais, psicológicas, patrimoniais, políticas e sexuais. E ressaltamos a importância e potência das mulheres na política, contribuindo e elevando o nível do debate, a eficiência das legislaturas e políticas públicas e lutando pela criação de uma sociedade mais justa, com oportunidades que não sejam definidas por gênero, raça ou orientação sexual.
Fonte: Jornal 140
Créditos: Polêmica Paraíba