Desvio de empreiteiras envolvidas em escândalo da Petrobras chega a R$ 1 bilhão; obra da transposição está incluída

As auditorias e relatórios técnicos ainda não chegaram a render conclusões do TCU

transposição

As empreiteiras suspeitas de integrar o esquema de corrupção na Petrobrás
ganharam de outros órgãos e empresas federais obras com valores que podem ter
sido inflados em ao menos R$ 1,1 bilhão, segundo relatórios do Tribunal de Contas
da União (TCU) analisados pelo Estado. De acordo com auditorias abertas a partir
de 2003, o chamado “clube vip” de empreiteiros teve contratos superfaturados em
20 grandes empreendimentos, como a construção de ferrovias, rodovias,
aeroportos e canais da Transposição do Rio São Francisco.
As auditorias e relatórios técnicos ainda não chegaram a render conclusões do
TCU. Isso porque, na maioria dos casos, as empreiteiras contestam, por meio de
recursos, os critérios usados pelo tribunal.
De acordo com os técnicos do TCU, tanto na Petrobrás quanto em obras de outras
áreas do governo, o sobrepreço em planilhas de materiais e serviços é a principal
fonte de prejuízos nos empreendimentos tocados pelas construtoras, que tiveram
parte de executivos presa na sétima fase da Operação Lava Jato, batizada de Juízo
Final e deflagrada no dia 14. Na estatal petrolífera, o “clube” dos empreiteiros
obteve contratos de R$ 59 bilhões. Segundo o TCU, as irregularidades detectadas
em empreendimentos da Petrobrás somam R$ 3 bilhões.
Ampliação. A Polícia Federal pretende ampliar o leque das investigações para
além da Petrobrás. Os relatórios do TCU são usados como ponto de partida para
as investigações. A suspeita é que o esquema de corrupção na estatal, que envolvia
o pagamento de propina e o financiamento ilegal de partidos em troca de
contratos superfaturados, tenha funcionado em outras áreas do governo.
“Essas empresas tinham interesses em outros ministérios capitaneados por
partidos. São as mesmas que participaram de várias outras obras no Brasil”,
afirmou à Justiça Federal o ex­diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, que
aceitou colaborar com as investigações.

Na construção das ferrovias Norte­Sul e Leste­Oeste em Goiás e Tocantins,
contratada pela Valec, a diferença de preços alcança R$ 475 milhões. Na NorteSul,
as empresas do “clube” assumiram 14 lotes de obras. Em quatro deles, sob
responsabilidade da Constran­UTC, o TCU achou “gordura” de R$ 64,6 milhões
em contratos que somam R$ 390 milhões.
Em outros três segmentos a cargo da Andrade Gutierrez, orçados em R$ 702
milhões, os preços tiveram um aumento de R$ 112 milhões. Só no trecho de 109
quilômetros entre Córrego Jabuti e Córrego Cachoeira Grande, no Tocantins, o
contrato inicial com a construtora, de R$ 270 milhões, estava R$ 43 milhões ou
15% mais caro.
A Valec ainda firmou aditivos que aumentaram o valor global dos serviços para R$
290 milhões. Um dormente, que deveria custar R$ 279, saiu a R$ 367 para o
contribuinte. O TCU mandou a estatal repactuar os preços e abriu tomadas de
contas – tipo de processo que serve para confirmar os danos ao erário e identificar
responsáveis.
Por conta do superfaturamento nas ferrovias, o Ministério Público Federal ajuizou
ações penais e de improbidade administrativa contra executivos das empreiteiras e
a antiga cúpula da Valec – afastada em 2011, em meio a denúncias de corrupção.
Para a procuradoria, há similaridades com o caso Petrobrás. O ex­presidente da
estatal José Francisco das Neves, o Juquinha, chegou a ser preso em 2012, na
Operação Trem Pagador, acusado de enriquecer a partir de desvios da Norte­Sul.
Ele nega.
Os contratos com a Valec se encerraram sem que todas as obras previstas fossem
entregues. A estatal contratou novas construtoras para terminá­las.
O TCU também suspeita de superfaturamento em outros projetos, como o Metrô
de Salvador. O consórcio formado por Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez
recebeu R$ 312 milhões para construir o trecho Lapa­Pirajá, Segundo cálculos de
auditores, a preços de mercado, o segmento custaria R$ 146 milhões. Por causa
disso, a corte determinou que as empresas recolham a diferença de R$ 166 milhões
aos cofres federais. Elas recorreram.
Transposição. Na Transposição do Rio São Francisco, vinculada ao Ministério
da Integração Nacional, a Odebrecht firmou contrato de R$ 458 milhões para
construir o canal do Sertão Alagoano. Pelas contas do tribunal, houve um
sobrepreço R$ 59 milhões, equivalente a 13%.
A Queiroz Galvão, em consórcio com a Galvão Engenharia, arrematou outros dois
lotes, orçados em R$ 690 milhões, para escavar o Canal Adutor Vertente
Litorânea, no Estado da Paraíba. Materiais e serviços previstos no contrato estão
R$ 34 milhões mais caros que no mercado. Na quarta­feira, o tribunal determinou
ajuste nos orçamentos.
Cartel opera há mais de 20 anos. Segundo depoimentos de delatores do caso
Petrobrás, as dez principais empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato –
Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Engevix, Andrade Gutierrez, Constran­UTC,
Odebrecht, Mendes Júnior, Iesa, Galvão Engenharia e OAS – formaram um
“clube” para desviar recursos de obras públicas desde os anos 1990. Na Petrobrás,
o cartel fraudou licitações e superfaturou contratos em pelo menos nove
empreendimentos, mediante o pagamento de suborno a dirigentes. As
irregularidades ocorreram em obras como a do Complexo Petroquímico do Rio de
Janeiro (Comperj) e das refinarias de Paulínia (SP) e Abreu e Lima (PE). O “clube”
ainda mantém contratos de R$ 4,2 bilhões em vigor com a Petrobrás. Entre elas,
havia um grupo de vips, supostamente formado por Odebrecht, Constran­UTC,
Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e OAS, que tinha maior poder de “persuasão”
na escolha dos contratos. A Engevix não apareceu nos relatórios do TCU sobre obras não relacionadas à Petrobrás citados nesta reportagem.

Estadão