Nathalia Melo de Queiroz é um caso de sucesso em um país que acaba de trocar a mamata pela meritocracia.
Filha de Fabrício Queiroz, o motorista da dancinha, que movimentou mais de um milhão como assessor de Flávio Bolsonaro, filho do presidente, a personal trainer e também ex-assessora é a prova de que os 1.169 quilômetros entre Brasília e o Rio de Janeiro não são empecilho quando a vontade de trabalhar é maior do que a vocação ao coitadismo e ao mimimi.
Entre dezembro de 2016 e outubro de 2018, ela atuou como funcionária do gabinete do então deputado Jair Bolsonaro, na capital federal. Sua frequência foi atestada por ponto eletrônico. Cumpriu as 40 horas semanais sem registrar falta injustificada ou licença.
Tudo isso sem precisar largar a carreira como personal trainer no Rio, onde tirava fotos nas redes sociais na praia e nas academias ao lado de famosos como Bruno Gagliasso e Bruna Marquezine.
Seguia, assim, o exemplo da vizinha do agora presidente, que recebia salário de assessora parlamentar enquanto vendia açaí em um distrito a 50 km de Angra dos Reis.
Se você não acredita em teletransporte, imagino que a notícia acima cause algum tipo de estranhamento.
Se esse incômodo não é suficiente para tirar o pó das panelas de casa e gritar palavras de ordem pela janela, um bom exercício talvez seja trocar o nome dos personagens. Quer ver?
Imagine, por exemplo, se os assessores citados acima trabalhassem com a ex-presidente Dilma Rousseff ou com sua filha. E que todos os personagens postergassem os devidos esclarecimentos ao Ministério Público.
Quer outro exemplo? Lula é multado pelo Ibama após fazer uma foto com uma vara de pesca em uma área de preservação. Lula vira presidente e nomeia o novo chefe do Ibama. A multa é, então, cancelada. As autoridades justificam a decisão dizendo que uma vara de pescar em uma área de preservação não é indício suficiente de que tenha havido pesca no local.
Agora troque o nome de Lula pelo de Bolsonaro.
Se, ao tentar visualizar a cena, você sofreu um tilt, a tela do computador ficou vermelha e sua reação foi procurar meu nome no Google em busca de alguma suspeição, sinto dizer: você está agindo igual aos militantes que, ao ouvir notícias sobre rolos apurados do lado petista, tampam os olhos, boca, narinas e orelhas e passam a praguejar contra todos que usaram o santo nome em vão.
Acontece que o presidente agora é outro. Foi eleito em outubro do ano passado com um duro discurso anticorrupção. Nele foram depositadas as esperanças de combater as práticas apontadas pelos eleitores como grandes entraves para o salto econômico e civilizatório do Brasil.
O desejo das urnas é legítimo, mas se você de fato quer que as coisas mudem, é bom riscar duas palavras do dicionário: fé e torcida.
Fé a gente guarda em relação a algo superior, a quem prestamos nossa adoração e transcende o nosso entendimento.
Torcida é o que fazemos no estádio, onde nossa participação no jogo se limita a xingar ou desviar a bola com o olho.
Se nossa relação com nossos governantes for mediada por fé e torcida, e não por cobranças e participação, seguiremos olhando para baixo ou para cima em compasso (eterno) de espera, sem qualquer interferência em suas escolhas – que, só por acaso, têm a ver com nossas vidas.
Essa posição de submissão será a senha para o ser “distante e superior” fazer qualquer coisa sob qualquer justificativa, inclusive as que torturam a lógica e a nossa inteligência.
Nas aulas de física, aprendemos que dois corpos não ocupam o mesmo espaço.
Na política, querem provar, agora, entre outras conversas, que o mesmo corpo pode ocupar dois lugares diferentes, um no Rio e outro em Brasília.
Acreditar ou não é questão de fé. Ou de torcida.
Fonte: UOL
Créditos: Matheus Pichonelli