Em entrevista, ministra dos Direitos Humanos defende que igrejas podem ajudar a “transformar o Brasil”
“A igreja pode colaborar com a transformação da nação.” Com essas palavras, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defendeu em entrevista exclusiva à DW o papel social das igrejas evangélicas no Brasil.
“Temos falta de casas de abrigo para mulheres vítimas de violência. Por que essas igrejas não fazem uma parceria conosco, cedendo o seu espaço físico para abrigar essas mulheres?”, questionou, ao também sugerir que as igrejas podem colaborar para a interiorização dos venezuelanos que buscam refúgio no Brasil. “Se cada igreja trouxesse um venezuelano e cuidasse, nós resolveríamos o problema da fronteira”, disse a ministra, que é pastora evangélica.
A ministra teve ainda um encontro com a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, que incluiu o Brasil na lista de países onde há preocupações sobre direitos humanos. Bachelet disse que se proliferam no país “ataques e até assassinatos de defensores dos direitos humanos, entre estes, muitos líderes indígenas”. “Também há um aumento das requisições das terras de indígenas e afrodescendentes, além de esforços para deslegitimar o trabalho da sociedade civil e seus movimentos”, afirmou.
ONGs de direitos humanos, como a Human Rights Watch, avaliam que o primeiro ano do governo Bolsonaro foi desastroso para os direitos humanos e afirmam que o presidente incentiva a polícia a executar suspeitos. O excludente de ilicitude, que o presidente e o seu governo defendem, é uma licença para matar, afirma a ONG.
Na entrevista à DW, Damares argumentou que os direitos humanos “nunca foram tão debatidos no Brasil” e questionou a natureza das denúncias contra o governo: “Se você observar, quem está fazendo essas denúncias genéricas é a esquerda. Eu acho que só pelo fato de ser a esquerda que está denunciando, já poderíamos desconfiar que tem alguma coisa errada.”
Ela também defendeu o projeto de lei do presidente Jair Bolsonaro para permitir a mineração em terras indígenas. “O presidente Bolsonaro não vai sair com uma pá nas costas e um balde e dizer ‘eu vou garimpar’. Se o Congresso decidir que haverá mineração legal em áreas indígenas, ela vai acontecer e vai ter critérios, parâmetros e regramento. O garimpo ilegal no Brasil acabou”, afirmou.
A ministra também confirmou que os trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos devem ser encerrados ainda no primeiro semestre deste ano. “Nós temos pressa em dar resposta à sociedade”, disse.
Quando questionada sobre a campanha lançada por seu ministério de prevenção à gravidez na adolescência, que não menciona o uso de camisinha ou de qualquer método contraceptivo e promove a “reflexão” sobre os efeitos de uma gestação precoce, a ministra afirmou: “Eu teria que ir para a cadeia ou para um hospício se eu dissesse que vou combater a gravidez precoce apenas com a abstinência.”
DW Brasil: Mais de 30 denúncias de violações de direitos humanos já foram apresentadas perante à ONU contra o governo do presidente Jair Bolsonaro. Principalmente no exterior, há um entendimento de que o Brasil passa por um momento de profundos retrocessos em matéria de direitos humanos. A senhora concorda?
Damares Alves: De jeito nenhum. As denúncias apresentadas são genéricas, não apresentam fatos. Nós gostaríamos de conhecer os fatos, mas eles não aparecem. O que nós estamos vendo é o seguinte: é um grupo muito incomodado porque não está no poder. Isso está muito claro. O presidente Bolsonaro foi eleito de forma legítima, com a maioria do eleitorado. Ele veio com uma nova proposta, que é a universalização dos direitos. Então, há um grande incômodo.
Se você observar, quem está fazendo essas denúncias genéricas é a esquerda. Eu acho que só pelo fato de ser a esquerda que está denunciando, já poderíamos desconfiar que tem alguma coisa errada. Você não vê nenhuma instituição de direita denunciando que o presidente está violando direitos.
Os direitos humanos nunca foram tão debatidos no Brasil como hoje. Segundo pesquisas, quais são os ministérios mais amados pela população e mais falados hoje no Brasil? São o Ministério da Justiça, com o ministro Sergio Moro, e o Ministério dos Direitos Humanos. No passado, o Brasil não lembrava nem do nome do ministro dos Direitos Humanos. Hoje, o Ministério dos Direitos Humanos está no coração do povo, está todo mundo falando em garantias de direitos. Nunca se fez uma discussão com a sociedade sobre direitos humanos como hoje. Isso é mérito do presidente Bolsonaro, é mérito desse governo que está aí.
Em seu discurso na ONU, a senhora destacou as políticas públicas de Bolsonaro para a Amazônia. Eu conversei no ano passado com a relatora da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, e ela classificou as políticas do governo atual como racistas e discriminatórias. O que a senhora acha do recente projeto de lei que permite garimpos em terras indígenas e da determinação do presidente de não demarcar nenhum centímetro a mais de terras indígenas?
Ela teve tempo de ver tudo o que está sendo feito para os índios no Brasil? Eu contesto a fala dela. Ela esteve em quantas aldeias no Brasil? Nós temos 305 povos indígenas. Para ela ter esse relatório, ela tinha que ter ouvido pelo menos 170 povos. Eu duvido que ela tenha tido tempo. É ir às aldeias e conversar com os índios.
Qual é a sensação que os índios estão tendo hoje? A pauta indigenista é transversal no Brasil. Todos os ministérios estão lidando com o tema indígena. Nós temos no Brasil hoje um vice-presidente [Hamilton Mourão] de origem indígena. Nós temos uma Secretaria Nacional Indígena. Nós temos uma ministra que vem do indigenismo, mãe de uma menina indígena. Nunca uma índia ocupou um cargo de alto escalão no governo brasileiro como hoje [a secretária de Saúde Indígena, Silvia Nobre Waiãpi]. Os índios estão em diversos cargos-chave nas regionais da Funai e da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena]. O índio está ascendendo e chegando ao topo de um governo.
De que forma essa política é discriminatória? O que está acontecendo é novamente ONGs que estavam no poder descontentes, prestando relatórios. Eu queria muito que a relatora estivesse comigo. Eu queria muito que a relatora fosse comigo a, no mínimo, cem aldeias para conversar diretamente com a população indígena. Qual era a política indigenista no Brasil no passado? Apenas demarcar terras e abandonar o índio na terra. Isso sim é política discriminatória. O presidente vai gastar tempo protegendo as áreas que já existem e os nossos índios que estão lá.
Mas a presença de garimpos em terras indígenas não implica violações de direitos humanos?
Os governos passados foram covardes em não combater o garimpo ilegal. O presidente Bolsonaro está tendo a coragem de combater o garimpo ilegal. De que forma? Os índios querem minerar? É possível a gente minerar? O Congresso Nacional vai liberar? O presidente Bolsonaro não vai sair com uma pá nas costas e um balde e dizer “eu vou garimpar”. Ele está levando o assunto para que o Congresso decida. Se o Congresso decidir que haverá mineração legal em áreas indígenas, ela vai acontecer e vai ter critérios, parâmetros e regramento. Ninguém vai chegar a uma aldeia com um trator, tirar o índio e começar a catar minério, ouro e diamante. Não é assim.
Que uma coisa fique clara: nós temos um presidente responsável, que tem compromisso com a vida do índio. Então, assim, pelo amor de Deus. Está todo mundo achando que a partir de amanhã todo mundo vai estar com uma pá dentro de uma aldeia. Não. O assunto começa a ser debatido de forma madura, sem medo, sem covardia, porque nós vamos tirar da terra indígena o garimpo ilegal que está lá. Ou vão dizer que não tem garimpo ilegal, que não tem gente dentro de aldeia estuprando meninas? Nós vamos combater os bandidos que, por anos, se perpetuaram em áreas indígenas no Brasil e ficaram ricos. Acabou. O garimpo ilegal no Brasil acabou. A palavra de ordem é: já era para vocês.
A senhora diz que, no governo Bolsonaro, a sua pasta é responsável pela agenda de valores. O seu ministério está elaborando uma política pública para estimular a abstinência sexual na adolescência, que seria a forma mais eficaz para evitar a gravidez precoce. Os métodos contraceptivos e a educação sexual ainda serão estimulados ou o foco na conduta moral vai prevalecer?
Eu teria que ir para a cadeia ou para um hospício se eu dissesse que vou combater a gravidez precoce apenas com a abstinência. Os métodos anteriores continuarão, vamos continuar falando de camisinha, de preservativo e de pílula. Só que nós vamos trazer para essa abordagem também o retardar do início da relação sexual no Brasil. Não vamos dizer que está proibido o sexo. Nós vamos conversar com o adolescente e, quando falo de adolescente, me permita: nós vamos conversar é com a criança. O nosso foco é abaixo dos 14 anos. Entre 15 e 19 anos, a gravidez precoce tem diminuído, mas abaixo de 14 não tem tido sucesso ou diminuição.
Então, o que estava posto parece que não estava dando muito certo. Vamos pegar o que já está posto e acrescentar uma conversa e um diálogo com a criança sobre “vamos esperar um pouquinho?”. A idade média do início da relação sexual no Brasil está em 12 anos para o menino e 13 para a menina. É muito cedo. Por que nós estamos preocupados com isso? Porque uma menina de 13 anos não está madura fisiologicamente e não tem maturidade emocional para começar tão cedo o início da vida sexual. Nós estamos trabalhando em retardar essa idade. Nós não vamos estipular uma idade ideal. Nós vamos conversar com esse menino e com essa menina.
Apesar de dizer que a população LGBTI é o segmento que a senhora mais ama, a senhora critica com muita veemência qualquer desenho ou material escolar que se refira a famílias homossexuais e diz que “o cão está muito bem articulado” para influenciar as crianças. A senhora dá um cunho muito negativo ao fato de uma criança poder se identificar como homossexual. Como explica essa contradição?
Essa frase foi tirada de uma palestra em que eu critico a ideologia de gênero. Eu sou contra essa ideologia que chegou forte ao Brasil – e eu liderei movimentos de resistência – dizendo, por exemplo, que meninas não podiam mais vestir cor de rosa no Brasil, porque menina e menino tinham que ser neutros. Tanto que tem uma frase famosa minha em que eu digo que agora meninas podem vestir rosa e meninos podem vestir azul. É uma teoria que chega ao Brasil dizendo que não pode mais ter bonecas e brinquedos de menino. Havia um patrulhamento ideológico absurdo. A ideologia de gênero, infelizmente, usou o movimento gay e a homossexualidade para impor a sua pauta no Brasil. Essa ideologia que parecia proteger os homossexuais, na verdade, traiu os homossexuais, usando esses movimentos para dizer que ninguém nasce homem, ninguém nasce mulher, gay ou lésbica, mas se torna tudo isso. É uma ideologia que fez muito mal a todos os movimentos no Brasil. Essa ideologia é do cão e vem para desconstruir tudo o que está posto e não apresenta nada no lugar. E o movimento gay concorda comigo, com certeza.
Como a senhora pretende combater a violência contra o público LGBTI?
O governo Bolsonaro tomou a decisão de buscar os invisibilizados. E, nessa busca, nós fomos para regiões ribeirinhas para ver como é que estão os LGBTI lá na floresta, nas aldeias. Você já viu algum índio gay, alguma índia lésbica se autodeclarando? As bandeiras LGBTI já estão consagradas nos grandes centros urbanos. Nós não vamos baixar a guarda, vamos continuar fortalecendo, mas o nosso grande alvo é a comunidade tradicional, os povos ribeirinhos. Eu me assustei. Eles estavam esquecidos e abandonados pelas políticas públicas. É notório que o que acontece com as travestis é a violência na rua. A gente observa que muitas delas estão na rua por falta de opção, porque não encontram empregos. Vamos reforçar a capacitação e a empregabilidade das travestis. Nós estamos lançando o selo Empresas e Direitos Humanos. A empregabilidade trans faz parte do critério para receber o selo. Também estamos preocupados com a população LGBTI no cárcere. A pauta LGBTI continua forte no nosso ministério e está mais fortalecida do que no passado.
Nas suas pregações, a senhora diz que este é o momento de a igreja ocupar a nação. A senhora tem contribuído para isso à frente do ministério?
É o momento de a igreja ocupar a nação, sim. A igreja [igrejas evangélicas pentecostais] tem um excelente trabalho social e pode ajudar muito mais o Brasil. É a igreja colaborar com a transformação da nação. Eu tenho um déficit no meu ministério, que é a falta de casas de abrigo para mulheres vítimas de violência. Os Estados não têm, os municípios não têm. Mas muitas igrejas têm um monte de salas fechadas que só abrem no domingo para meia hora de aula. Por que essa igreja não faz uma parceira conosco cedendo o seu espaço físico para abrigar mulheres vítimas de violência? A igreja também pode nos ajudar com a interiorização dos venezuelanos. As igrejas evangélicas podem vir conosco. Nós temos uma grande denominação no Brasil, que é a igreja Assembleia de Deus, que tem mais de 40 mil templos. Se cada igreja trouxesse um venezuelano e cuidasse, nós resolveríamos o problema da fronteira.
O papel da senhora como ministra num Estado laico, em algum momento, já lhe fez entrar em conflito com a sua fé?
Em momento nenhum. Quem está ali é uma gestora ativista de direitos humanos que chegou a ser ministra por causa da sua história na defesa dos direitos humanos no Brasil. Não tem nenhum ato meu como ministra que tenha algum ingrediente religioso. Mas a minha fé me impulsiona a ser uma ministra cada vez melhor. Eu aprendi com a minha fé a amar o próximo como a si mesmo, dar a vida pelo próximo. E é o que eu tenho feito todos os dias.
Em uma entrevista que fiz com o presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Marco Vinicius Pereira de Carvalho, ele disse que pretende encerrar os trabalhos até o fim deste primeiro semestre. Em questão estão os prazos previstos em lei para lavraturas de assentos de óbito, que já passaram. Marco Vinicius chegou a falar que não dá para ficar batendo na mesma tecla. No entanto, as recomendações da Comissão Nacional da Verdade, assim como da Corte Interamericana de Direitos Humanos, são claras ao dizer que a busca por desaparecidos não deve parar, enquanto todas as famílias não tiverem uma resposta. Como a senhora vai garantir esse direito se a comissão for de fato encerrada?
Do jeito que está não pode ficar. As ossadas do Vale de Perus estão no nosso ministério há 29 anos. E até hoje não se terminou a análise daquelas ossadas. É injusto com as famílias. Nós precisamos dar uma resposta às famílias e à sociedade. A história nos cobra isso. Nós temos pressa em dar resposta à sociedade. Nós vamos trabalhar tanto, tanto para que essas respostas sejam entregues em seis meses. No caso do Araguaia, a terra é ácida e vai ser difícil localizar essas ossadas. Por quanto tempo mais a gente vai prolongar essa dor? A lei é muito clara: A Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos é provisória. Nós vamos dar continuidade ao trabalho até o instante em que a gente puder ir. Mas eu acredito que se a gente trabalhar muito a gente consegue resolver toda a questão das ossadas de Perus em menos de seis meses e dá para a gente dar fim a esse trabalho da Comissão de Mortos Desaparecidos. A Comissão vai continuar como uma comissão de desaparecidos no Brasil. Esse foi um tema negligenciado no Brasil. Quantas pessoas desaparecem por ano no Brasil? Nós vamos fazer campanhas para que crianças não desapareçam. O regime militar é uma coisa do passado e nós temos uma lei de anistia no Brasil. A palavra anistia é muito clara: é esquecimento. É não cometer os mesmos erros do passado.
E os casos de desaparecidos políticos poderiam ser contemplados nessa comissão?
Poderão, caso alguém aponte a localização do corpo, e aí vamos lá para fazer a análise. As famílias de desaparecidos podem ainda acionar o Judiciário, mas eu preciso cumprir a lei, e a comissão tinha um prazo, que já passou.
Fonte: Terra
Créditos: Terra