Sexualidade e comportamento são temas que acompanham a youtuber Dora Figueiredo, de 24 anos, desde a adolescência. Por conta da criação aberta e sem preconceitos que recebeu dos pais, falar sobre sexo foi um assunto natural para ela. Ex-estudante de nutrição na Universidade de São Paulo, ela largou a faculdade quando percebeu que aquilo não a fazia feliz.
Foi ideia do pai de criar um canal no YouTube para falar sobre sexo. “Ele me disse que não tinha muita gente falando sobre isso da forma que eu poderia falar, me dirigindo aos jovens, sem tabu, e que eu pudesse passar a criação que eu tive”, lembra. Em fevereiro de 2016, nasceu o canal de Dora, que já soma mais de 1,4 milhão de inscritos.
Dora ama falar sobre sexo e relacionamentos, mas faz questão de ressaltar que não quer substituir ajuda profissional ou ser a “Laura Müller da internet”, e rejeita a visão de que é alguém bem resolvida consigo mesma. Ela só quer ser, em suas palavras, uma amiga em quem seus seguidores possam confiar.
Em entrevista à Universa, ela fala sobre ir além dos temas que envolvem sexo e amor, mensagens grosseiras dos homens, como falou sobre sua depressão pela primeira vez e qual tema polêmico gostaria de tratar em seu canal.
Como foi a criação do canal?
Eu comecei porque eu queria fazer uma coisa diferente do acadêmico e conversar com as pessoas, coisas que sempre amei. Quis falar sobre relacionamentos e sexualidade porque eu comecei a namorar sério com 14 anos, então, sempre fui a conselheira do colégio: todas as minhas amigas pediam ajuda para mim.
Em casa, sexualidade nunca foi um problema. Com 16 anos eu já tinha uma cama de casal no quarto, para eu poder receber meu namorado em casa. Enquanto os pais das minhas amigas as reprimiam, os meus falavam que eu poderia fazer o que eu quisesse, desde que eu tivesse maturidade e responsabilidade o suficiente. Então foi natural que eu tenha me tornado essa pessoa conselheira.
Vocês não tinham aulas de educação sexual na escola?
A gente teve “educação sexual” entre várias aspas. Estudei em um colégio particular, que não era religioso, mas aprendemos somente como colocar a camisinha e quais são as Doenças Sexualmente Transmissíveis. E não adianta só saber o que é a puberdade, o que é sexo e como colocar um preservativo. Por isso há uma taxa tão grande de disseminação de DSTs entre jovens. A educação deles, hoje, é a pornografia, que é feita por homens e para homens.
Antes, você focava bastante em comportamento e relacionamentos, depois de um tempo passou a fazer um conteúdo mais diversificado, falando sobre saúde mental também. O que te fez abordar estes assuntos?
Não tenho pretensão de ser a Laura Müller, de ser uma educadora sexual. Eu sou uma apresentadora. E chegou uma hora que eu pensei: “Poxa, não é que eu esgotei o assunto de sexo, mas é que eu já falei tanto sobre, e eu não sou só isso”. As pessoas começaram a pedir conteúdos diferentes. Em um vídeo, eu comentei que tinha depressão e os seguidores ficaram chocados. E depressão é um tabu, assim como o sexo. Eu faço questão de abordar o assunto porque muitas pessoas não conseguem falar sobre isso com os outros, ou então nem sabem que podem ter depressão.
As pessoas acham que você é bem resolvida por sempre falar sobre sexo?
Muito. Eles diziam: “Meu Deus, como você tem depressão? Você é uma mulher tão inteligente, tão segura de si, como alguém assim é deprimida?”. Tenho depressão desde a adolescência, tomo remédio e não tenho vergonha de falar disso. O primeiro vídeo sobre depressão foi muito doloroso de fazer. Chorei o vídeo inteiro, falei sobre a primeira vez que eu quis me matar, como me sentia na época, contei o processo todo. O resultado não é numérico ou financeiro, ele veio na rua: as pessoas me paravam para conversar ou me mandavam mensagens dizendo como aquilo as ajudou.
Você mencionou que não tem pretensão de ser a Laura. As pessoas te comparam muito com sexólogas conhecidas?
O tempo todo. Acho engraçado porque não é meu objetivo. Eu vou fazer este ano um curso de especialização em sexualidade na USP, e quero fazê-lo para ter propriedade no que eu falo, para poder trazer novidades, participar de congressos. Mas a minha intenção é ser alguém que vai passar conhecimento de forma leve, engraçada, aos poucos.
Existem várias sexólogas e pessoas dando conselhos de sexo no YouTube, mas você tem um alcance muito grande na internet. O que seu conteúdo tem de diferente?
Se você vai numa terapeuta sexual, você senta lá e fala sobre alguns assuntos. Se você está com sua amiga em casa, não existe filtro, porque não tem uma hierarquia, você não está com alguém que te dá medo de se sentir bobo, você não está pagando por isso. Eu sei da vida sexual de muita gente porque eu sou muito aberta sobre a minha. Acho que a diferença é que eu torno isso um assunto pessoal, de amiga, e não como alguém que está analisando.
O que você acha dos conselhos sobre sexo que dão por aí? Acha que o conteúdo é abordado de um jeito que funciona?
Um tempo atrás, os discursos sobre relacionamentos e sexualidade eram desesperadores. Pessoas faziam conteúdo ensinando a “segurar marido”, como ser “irresistível para o outro”. Totalmente o contrário do que eu defendo, que é “seja uma pessoa incrível para si mesma”. Mas ainda compartilham essas ideias, “você tem que fazer estas x coisas senão ele vai separar ou te trair”. A gente precisa viver bem, não precisa ter um homem para ser forte.
E o conteúdo ainda é muito focado em relacionamentos heterossexuais.
Sim, é tudo muito heteronormativo, sempre que eu faço um vídeo focado muito nos héteros eu peço desculpas. Quero muito trazer diversidade para o meu canal, acho isso muito importante.
Seu público é majoritariamente feminino? Recebe muitas dúvidas de fãs?
Hoje, meu público é 60% feminino e 40% masculino, focado em jovens entre 18 a 25 anos. O maior engajamento é feminino, elas são mais fortes nisso, e eu gosto demais delas porque tem uma empatia grande. Recebo muitos emails e mensagens nas redes. Uma única vez que eu abro espaço para perguntas já rende conteúdo para cinco vídeos.
Fazer vídeos sobre sexualidade e comportamento atrai muita atenção não-solicitada de homens?
Ainda acontece, sim. Mas, infelizmente, tive que aprender a lidar. Eu não olho as mensagens privadas do Instagram para me preservar. Eu sei o que vou achar: apesar de ter coisas muito legais, também vão ter os xingamentos, as mensagens grosseiras que os homens mandam para mim. É como se eu tivesse saído na rua e recebesse uma cantada, eles não entendem que isso é assédio. Não vou dar ibope, porque é o que a pessoa quer. Só dou atenção para quem fala coisas legais e tem educação.
E algum assunto do qual você ainda não falou em seu canal, mas quer falar?
Quero fazer um vídeo sobre aborto, acho que é muito importante. Mas eu sinto que o momento não é favorável, e quando este vídeo sair, não vai ser sobre a minha opinião. Eu acredito que aborto é tema de saúde pública. Se eu for falar, vai ser com alguém como o Drauzio Varella, para que todos os argumentos sejam baseados em estudos na área da saúde. Óbvio que eu tenho uma opinião sobre isso, mas acho que não tenho que catequizar as pessoas. Meu ponto é passar informação. Mas sem dúvida alguma eu vou discutir sobre isso, porque são assuntos que eu gosto muito: saúde e o corpo das mulheres.
Fonte: UOL
Créditos: UOL