No último dia 22 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou um julgamento para decidir sobre a descriminalização do aborto realizado por mulheres com até 12 semanas de gestação. A análise foi suspensa por pedido do ministro Luís Roberto Barroso e será retomada de forma presencial. Até o momento, apenas a ministra Rosa Weber, relatora da ação, proferiu seu voto, defendendo a descriminalização nesse período.
Caso a decisão do STF seja favorável, grávidas e médicos envolvidos nos procedimentos não poderão ser processados e punidos, representando uma possível mudança significativa na legislação brasileira sobre o aborto.
Divisão na opinião pública
O tema tem gerado intensos debates e manifestações em todo o país. Movimentos de mulheres promovem manifestações pelo Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Legalização do Aborto, acontecendo nesta quinta-feira (28) em todas as capitais brasileiras. Essas mobilizações ocorrem em meio ao julgamento no STF, adicionando uma dimensão de urgência e visibilidade ao debate.
O Polêmica Paraíba conversou com a jornalista Alana Yaponirah, 45, que é mãe de dois filhos, e que aceitou compartilhar sua experiência. Inicialmente contrária ao aborto, Alana mudou sua perspectiva após uma gestação de um bebê anencéfalo, decidindo não abortar, mesmo sendo permitido por lei. Hoje, ela é a favor da descriminalização, reconhecendo a importância do direito de escolha das mulheres sobre seus corpos.
Acompanhe a entrevista abaixo:
Polêmica Paraíba: O que levou você a mudar de opinião sobre a descriminalização do aborto no Brasil? Houve algum evento específico que influenciou?
Alana Yaponirah: Em primeiro lugar, eu era contra o aborto de forma geral. Criminalizar mulheres que abortavam, eu sempre fui contra. Na minha opinião, seria puni-la duas vezes. Quem opta por interromper uma gravidez não o faz por questões simples. Sempre será difícil e doloroso. Sem falar que no nosso país, apenas mulheres pobres correm os riscos inerentes a um aborto, inclusive com um índice altíssimo de mortalidade materna.
Quando eu era mais jovem questões como essa não passavam pela minha cabeça. Uma vez que essa era uma realidade muito distante. Sou espírita Kardescista e na doutrina que sigo eu pensava que o aborto era viável em dois casos apenas: no caso de risco de morte da mãe e de estupro. Esse era meu pensamento quando era mais jovem e não tinha conhecimentos mais profundos sobre questões ligadas ao feminismo e maternagem.
Minha forma de pensar o tema mudou completamente após passar por uma gravidez de um bebê anencéfalo. Eu levei a gestação até o final, e faria novamente, por questões pessoais, eu não abortaria meu filho. E naquela época pensava somente em casos de estupro ou risco de morte materna o aborto poderia ser possível, mas com tudo que passei e entendendo que não cabe a mim dizer como cada mulher pode decidir sobre seu corpo.
Historicamente no Brasil mulheres da classe média sempre fizeram abortos em clínicas particulares, independente de se criminalizar ou não, a diferença brutal, é que apenas mulheres pobres morrem por não conseguirem do estado condições mínimas de decidirem sobre as suas gestações. Ainda mais, em um país onde a população carcerária é majoritariamente composta por pessoas negras e pobres, mais uma vez seria cruel com essas mulheres. Nosso país que tem mais da metade das famílias compostas por mulheres mães solo. Sou a favor que as mulheres possam poder escolher entre ter ou não um filho e se por acaso ela não escolha, que ela possa sobreviver a isso sem ter que ser presa por isso.
Polêmica Paraíba: Caso seja reconhecido o direito constitucional das mulheres de interromper a gestação e dos profissionais de saúde de realizar o procedimento, o mesmo não será ofertado pelo SUS. Você acredita que o estado deve desempenhar um papel ativo na garantia do acesso seguro ao aborto?
Alana Yaponirah: Com certeza o estado tem que prover o acesso a esse direito através de políticas públicas gratuitas. O direito à saúde e dignidade humana são direitos universais. Seria hipocrisia acreditar que mulheres que muitas vezes querem abortar por não terem condições financeiras para sustentar a criança tenham recursos para arcar com um procedimento abortivo.
Polêmica Paraíba: Qual é a sua perspectiva sobre os impactos sociais e de saúde pública da descriminalização do aborto no Brasil? Você acredita que essa mudança na lei pode trazer benefícios para a sociedade?
Alana Yaponirah: Uma sociedade mais justa onde mulheres possam viver bem, trabalhar sem serem assassinadas por homens que as têm como propriedade, regular o corpo feminino sempre é uma forma de dominação. Se as mulheres pudessem decidir sobre seus corpos de maneira mais justa, teríamos um mínimo de justiça. E se homens não abortassem seus filhos vivos, sobrecarregando as mães, seria uma revolução positiva para as futuras gerações.
O que diz a Lei atualmente no Brasil
Atualmente, o aborto voluntário é considerado crime no Brasil, exceto em casos de risco para a mãe, anencefalia do embrião ou gravidez decorrente de estupro. O Código Penal brasileiro prevê detenção para a mulher que provoca o aborto, variando de um a três anos, assim como para quem o pratica, com ou sem o consentimento da gestante.
O julgamento atual no STF coloca em pauta a possibilidade de revisão dessa legislação, abrindo espaço para uma discussão aprofundada sobre os direitos reprodutivos das mulheres no país.
Os dispositivos 125 e 126 da mesma legislação também sancionam aquele que induz ao aborto, independentemente do consentimento da gestante. As penalidades, nessas circunstâncias, são agravadas se, como resultado do aborto, a mulher sofrer lesões corporais graves ou falecer. No entanto, existem exceções à norma que criminaliza o aborto. Conforme estabelecido no artigo 128 do Código Penal, o aborto praticado por médico não é passível de punição em duas situações: quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário) ou quando a gravidez resulta de estupro, e o aborto é realizado com o consentimento da gestante ou, se ela for incapaz, de seu representante legal.
Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a interrupção da gestação de fetos anencéfalos (sem cérebro). Na prática, os ministros entenderam que aqueles que realizam e se submetem à cirurgia não cometem crime.
Fonte: Adriany Santos
Créditos: Adriany Santos