O dia ainda amanhece quando três crianças venezuelanas andam pelas ruas de Pacaraima, na fronteira do Brasil. Não carregam mochilas e nem vestem fardas. Ao invés de irem à escola – que já não frequentam há meses – catam no lixo sobras de comida.
“Nossa mãe não tem trabalho. Ela vendia café na rua, mas perdemos tudo quando queimaram nossas coisas”, diz uma menina venezuelana de 11 anos se referindo aos ataques do último sábado (18). “Procuramos comida, latinhas e coisas para vender”.
Junto com o irmão de 9 anos, e um amigo de 12, ela revirava lixeiras em busca de comida na manhã desta quarta-feira (21) na Rua Suapi, principal ponto de comércio em Pacaraima.
“Também pedimos comida, o que sobra, o que as pessoas não comem aqui e ali”, conta a garota apontando para duas padarias nos arredores.
“Alguns têm compaixão e dão de comer às crianças. Há brasileiros de bom coração”, diz a avó dos irmãos que irrompe em lágrimas. “Não temos dinheiro, não temos trabalho”.
Ela, os netos e outros venezuelanos não dormem mais nas ruas de Pacaraima há quatro dias. Estão ficando na casa de uma moradora, também venezuelana, e o que as crianças conseguem em meio aos entulhos é dividido entre eles.
“Já vi muitos venezuelanos procurando comida no lixo. As crianças não tem culpa e há pais que colocam os filhos para pedir, para vender porque ambulantes são proibidos de ficar nas ruas. É triste, uma tragédia, mas a população não tem como ajudar”, diz Leoneide Do Nascimento, que mora em Pacaraima há 18 anos.
No sábado, o assalto a um comerciante brasileiro supostamente cometido por quatro venezuelanos, e a falta de ambulância para socorrê-lo revoltou moradores.
Nos ataques, alimentos, roupas e outros pertences que estava em acampamentos foram incinerados.
“Não tenho medo de procurar comida no lixo. Já me acostumei”, diz o garoto de 9 anos depois de entrar em uma lixeira – e ser ajudado por um venezuelano adulto a sair.
Lá e em outras lixeiras que reviraram acharam cenouras estragadas, batatas-doces, um pimentão murcho, e alguns poucos temperos.
“Depois que encontramos levamos para a nossa mãe e ela cozinha. Às vezes é sopa e dividimos”, diz a irmã que chegou a Pacaraima há poucos dias.
“O governo federal tem que se empenhar muito mais para garantir a integração local e uma acolhida digna para os refugiados venezuelanos que estão em Roraima e intensificar a interiorização dos que desejam reconstruir a vida em outras cidades brasileiras”, avalia Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos
Na cidade não há abrigo infantil, mas o prefeito Juliano Torquato diz que as fiscalizações são constantes tanto na cidade, quanto na fronteira. Em média 180 crianças passam por lá todos os dias, estimou a Polícia Federal em fevereiro.
“O conselho tutelar orienta os pais para que não deixem os filhos na rua, nem permitam que eles peçam esmola ou trabalhem. Estamos sobrecarregados, mas vamos fiscalizar mais”, disse Torquato.
Para ele, os ataques de sábado foram o reflexo do cansaço da população.
“Não concordo com a forma como aconteceram as coisas no sábado, mas a população se revoltou. Aqui temos uma rotina de insegurança. Precisamos de ajuda”.
Fonte: G1
Créditos: G1