Após uma operação resgatar 17 trabalhadores de condições análogas às de escravo em uma lavoura de cebola, em Ituporanga (SC), incluindo um rapaz menor de idade, o deputado federal Rafael Pezenti (MDB-SC) divulgou vídeo criticando a fiscalização e sugerindo que ela serve para arrecadar recursos a fim de bancar as “viagens internacionais para Lula e Janja fazerem lua de mel” e “pagar o enxoval renovado com algodão egípcio do Palácio do Planalto”.
As declarações do deputado, que pertence a um partido que conta com três ministérios no governo, circularam entre produtores rurais do interior de Santa Catarina e estão em seu perfil no Facebook. Pezenti diz que o objetivo da operação de fiscalização de trabalho escravo “é tirar dinheiro de quem não tem para bancar o luxo de quem já tem demais”.
A multa relacionada ao auto de infração lavrado em condições análogas às de escravo (444 da CLT) é de R$ 408,25.
A operação do grupo especial de fiscalização móvel contou com a participação do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Defensoria Pública da União e terminou nesta sexta (1). Em duas propriedades, nada foi encontrado. Já, na terceira, houve o resgate.
De acordo a fiscalização, os trabalhadores estavam alojados em locais sem condições de higiene e segurança. Um grupo dormia em local improvisado em um barracão usado no armazenamento de cebola. À coluna, membros da equipe compararam à sensação de dormir no local como em um chiqueiro devido ao cheiro insuportável. Não havia camas, mas insetos, vento e chuva.
Os trabalhadores afirmaram que a água fornecida a eles “não era boa para beber” e não havia local para almoço, tampouco eram fornecidos equipamentos de proteção individual. Nenhum deles estava com a carteira de trabalho assinada. A coluna ainda não conseguiu contato com o empregador e divulgará seu nome e posicionamento assim que possível.
Deputado quer que governo apenas ‘oriente’ na primeira visita
No vídeo, o deputado também cobra um suposto “acordo” para uma “dupla visita” na fiscalização trabalhista: uma primeira com orientações e só na segunda viria o auto de infração. Consultado, o Ministério do Trabalho nega qualquer pactuação nesse sentido. A legislação trabalhista brasileira não prevê esse benefício em casos como trabalho escravo, infantil ou risco para os empregados.
Pezenti chamou a operação de resgate de escravizados é uma “perseguição”.
“A safra já vai ser fraca, chuva acabou com boa parte da produção, muita gente sem poder acessar o Proagro [seguro agrícola], os agricultores endividados, a maioria dos bancos pedindo renegociação e o governo manda uma tropa de choque para espalhar o terror”, afirmou no vídeo.
O deputado alegou que o artigo 5º da Constituição Federal trata da inviolabilidade da “propriedade privada” e, portanto, impede que fiscalizações ocorram sem consentimento do dono, salvo em algumas exceções, como flagrante delito.
A despeito de se tratar de flagrante delito sobre trabalho escravo, aqui há um confusão. Na verdade, o inciso XI do artigo 5º trata da inviolabilidade de domicílio e não da área produtiva, pois a legislação permite a fiscalização trabalhista mesmo sem autorização – vale lembrar que trabalho escravo é algo que ocorre de forma escondida. O que não há é autorização para a entrada na casa do empregador, o que não ocorreu na operação.
Por fim, o deputado Rafael Pezenti afirma que “muita gente, depois dessa safra, vai parar de plantar cebola” e quem não parar “var diminuir produção para não precisar mais contratar mão-de-obra”. E ameaça: “quando a cebola tiver 15 conto o quilo no mercado, vocês começar a dar valor para o nosso agricultor”.
Um dos problemas identificados pela fiscalização na região de produção de cebola no Sul do Brasil, que vem registrando casos frequentes de resgates da escravidão contemporânea, é que produtores custeiam a vinda dos trabalhadores, mas não garantem a volta.
Os trabalhadores receberam R$ 88 mil em salários e verbas rescisórias e foram incluídos no seguro-desemprego especial para trabalhadores resgatados da escravidão, o que lhes garante três parcelas de um salário mínimo. Por conta de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pelo MPT e a DPU com o empregador, eles também receberam R$ 1,2 mil cada um.
Trabalho escravo contemporâneo no Brasil
A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade.
Desde a década de 1940, a legislação brasileira prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
Os mais de 61,7 mil trabalhadores resgatados, desde 1995, estavam em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, cebola, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis, trabalho doméstico, entre outras atividades.
A pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada desde 1995. Números detalhados sobre as ações de combate ao trabalho escravo podem ser encontrados no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.
Fonte: UOL
Créditos: Polêmica Paraíba