O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello não foi objetivo em seu depoimento na CPI da Covid, na opinião dos colunistas políticos do UOL Josias de Souza e Leonardo Sakamoto. Em vez disso, optou pelo “embromation” e, por várias vezes, teria mentido à comissão no Senado Federal em Brasília.
“O general Pazuello tem duas características muito marcantes que acompanham o trabalho dele no Ministério da Saúde. A primeira delas é uma presunção. Ele se acha mais relevante do que é, ele acha que tem conteúdo, mas às vezes o conteúdo não aparece. E a segunda característica é que ele fala como se ele estivesse falando para as tropas, com voz de comando. (…) Ele tem um certo ‘embromation’, que é uma característica dele. Você pergunta A e ele responde B, C, D e vai até o Z, sem fornecer a resposta que você queria obter dele”, disse Josias de Souza.
Sakamoto acredita que o depoimento do ex-ministro foi uma “sopa de mentiras”. “Eu me sinto até num episódio de ‘Além da Imaginação’, em que você não sabe se aquilo é real ou não. Parece que estou na Matrix, alguém precisa me guiar. E isso é um problema”, disse o colunista.
Pazuello afirmou que foi à comissão para responder a todas as perguntas. Apesar disso, depôs com um habeas corpus concedido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) que garante o direito de ficar em silêncio em caso de questionamentos que possam, de alguma forma, incriminá-lo.
O general chegou a dizer aos senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Omar Aziz (PSD-AM) que ‘perguntas com respostas simplórias, gostaria até que nem fossem feitas’. Aziz o repreendeu respondendo: “Vossa excelência não vai nos dizer o que vamos perguntar ou não, e para muitas dessas respostas basta (responder) sim ou não”.
Acho que a CPI corre risco de desmoralização grande se, diante dessa profusão de mentiras do general Pazuello, nada for feito. Ele está adotando o método dos bolsonaristas de reinvenção, de pintar realidade, de mudar o discurso e de se fazer de louco, mesmo tendo afirmado, registrado, gravado e difundido o que efetivamente disse, de terceirizar responsabilidades. Se isso não tiver uma consequência, aí você pode fechar a CPI e nadar em uma piscina de cloroquina que não vai para lugar nenhum.
Leonardo Sakamoto
“Arremesso de responsabilidade a distância”
O colunista Leonardo Sakamoto comentou que Pazuello manteve a postura, adotada durante toda sua gestão no ministério da Saúde, de terceirizar as responsabilidades do combate à pandemia para os estados e municípios.
“O ministro copiou o presidente Jair Bolsonaro no arremesso de responsabilidade a distância. Pazuello terceirizou e, além de imputar, contou novamente a mentira de que o Supremo Tribunal Federal teria impedido o governo federal de agir, dando todo o poder de articulação e de execução de política para os municípios e para os estados, o que é mentira”, disse o colunista.
Uso da cloroquina
Pazuello disse na sessão que o presidente Bolsonaro nunca deu orientações diretas sobre o uso da cloroquina como remédio para covid. Mas Josias viu uma incoerência na declaração do general, devido às constantes demonstrações públicas do presidente a favor do medicamento —e indo contra a recomendação da Organização Mundial da Saúde, que reafirmou que não funciona para tratar a doença.
O Bolsonaro recomendou cloroquina até para ema, no Palácio da Alvorada, mas não recomendou nada para o Pazuello. Aí fica muito difícil acreditar em um depoimento como esse.
Josias de Souza
Pazuello disse que o ministério defendeu o uso da cloroquina no início da pandemia, na gestão de Henrique Mandetta, para reagir à fase inflamatória da doença, já que o remédio é um anti-inflamatório. Disse também que o órgão seguiu a orientação do Conselho Federal de Medicina.
Depois, já na gestão de Pazuello, o Conselho Nacional de Saúde, ligado ao ministério, emitiu a nota informativa 17 em janeiro deste ano, onde diz de forma pouco clara que o ministério “não orienta ‘tratamento precoce’ (…) sem validade clínica comprovada para tratamento da Covid-19, mas orienta sim o ‘atendimento precoce’, ou seja, o acolhimento em unidades de saúde aos pacientes desde os primeiros sintomas da doença”. A cloroquina pode ter efeitos colaterais graves se usados incorretamente ou para tratar covid, como arritmia e hepatite medicamentosa.
Para Sakamoto, o discurso do governo sobre a cloroquina foi adaptado ao longo do último ano. “Em uma live [de Bolsonaro] que ficou antológica, ele disse ‘olha, não estou receitando, mas se seu médico não receitar, procura outro médico’. O que acontece é que ele vai mudando o discurso e fala que nunca disse o que anteriormente ele disse”.
Atuação de Flávio
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) reapareceu hoje novamente na CPI, durante o depoimento de Pazuello. Sakamoto disse que o filho do presidente vem atuando como uma “espécie de efeito desestabilizador” na comissão. Na visão do colunista, o senador surge quando os depoimentos se tornam um risco para a visão positiva do governo.
“Teve um dia que ele [Flávio Bolsonaro] chamou o relator Renan Calheiros [MDB-AL] de vagabundo e aí o Renan falou que ele não roubava dinheiro do gabinete, insinuando as rachadinhas do Flávio”, diz.
O episódio aconteceu no dia 12 de maio enquanto o ex-secretário-executivo do Ministério das Comunicações Fabio Wajngarten prestava depoimento à CPI da Covid. Na ocasião, Flávio defendia o ex-secretário-executivo e, em razão da troca de ofensas entre Flávio e o relator, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), suspendeu a sessão.
Comunicação truncada
Josias de Souza afirmou que o governo reduziu a transparência na comunicação dos dados sobre o avanço da pandemia no país. Quando o então ministro da Saúde Henrique Mandetta passou a dar entrevistas em uma linguagem leve e direta, obteve uma aprovação de 76%, o que teria incomodado Bolsonaro.
“A certa altura, o Bolsonaro determina que essas entrevistas devem ser feitas no Palácio do Planalto, não mais sob o comando do Mandetta, mas sob o comando do chefe da Casa Civil, que era então o general [Walter] Braga Neto, que hoje está como ministro da Defesa. (…) A palavra do Mandetta se diluiu nessas entrevistas e ela foram rareando até desaparecer por completo”, disse Josias.
O colunista também relembrou outro momento em que Bolsonaro celebrou, já na gestão do Pazuello, quando o Ministério da Saúde retirou do ar os dados sobre os mortos da pandemia.
Lembro como se fosse hoje: o presidente festejou ‘hoje não vai ter dados sobre mortos no Jornal Nacional’. (…) E aí o general Ramos, para completar, deu uma entrevista muito emblemática. Ele reclamou da imprensa, porque ‘era cadáver de manhã, cadáver de noite. Só falam em cadáver. (…)’. Então, o governo se incomodava com o noticiário e aí a transparência ficou zero
Josias de Souza
Contradição com vacinas
A colunista Thais Oyama também lembrou da insistência de Bolsonaro de rejeitar a vacina CoronaVac por ter sido criada na China, o que gerou uma contradição nas ações de Pazuello no ano passado.
Em outubro, o então ministro havia assinado, em uma reunião com governadores, um termo de compromisso para comprar a CoronaVac. Pouco depois, o presidente Bolsonaro desmentiu a compra publicamente, levando o ministro a dizer: “um manda, outro obedece”.
Bolsonaro nunca passou a mão no telefone e falou ‘Pazuello, não quero que você compre a vacina CoronaVac, a vacina do Doria’. Porque essa não é a forma dele agir. Ele sinaliza, deixa claro que não gosta, e portanto que não quer. (…) É só por causa disso que Pazuello fala que nunca recebeu uma ordem direta do Bolsonaro. Ele sempre fala ‘nunca recebi uma ordem direta’. Porque o Bolsonaro, de um jeito ou de outro, deu sim uma ordem.
Thais Oyama
O ex-membro do governo, que comandou a pasta da Saúde durante a fase mais crítica da pandemia, presta esclarecimentos sobre eventuais erros do Executivo, por ação ou omissão, no enfrentamento à crise sanitária. A gestão de Pazuello durou entre 16 de maio de 2020 e 23 de março de 2021. O ex-ministro deve ser questionado ao longo do dia principalmente em relação ao agravamento da crise sanitária no Amazonas e à falta de oxigênio para os pacientes internados.
Fonte: UOL
Créditos: Polêmica Paraíba