Mudanças

Das fake news à revogação: entenda contexto envolvendo mudanças no Pix

Das fake news à revogação: entenda contexto envolvendo mudanças no Pix

A onda de desinformação envolvendo as regras da Receita Federal sobre o Pix levou o governo federal a recuar e revogar a instrução normativa que estabelecia mudanças sobre esse meio de pagamento. Apesar de a norma não tratar de tributos, mas da ampliação do monitoramento de transações financeiras, a divulgação de fake news tomou conta das redes sociais nos últimos dias. Além da repercussão negativa, a crise levou à redução do uso do Pix e à propagação de golpes, com criminosos se aproveitando das informações falsas para tirar dinheiro das vítimas.

Duas semanas depois de a medida entrar em vigor, o governo tentou contornar os boatos com publicações de conteúdos e declarações desmentindo as informações falsas, mas não teve sucesso.

O uso do Pix é gratuito desde que o meio de pagamento foi implementado, mas em função das mentiras criadas sobre essa ferramenta o governo federal publicou uma medida provisória para reforçar a gratuidade do uso do Pix e proibir a cobrança de taxas adicionais.

Segundo a medida provisória, o pagamento realizado por meio do Pix se equipara aos pagamentos feitos com dinheiro em espécie. O texto proíbe que um consumidor seja cobrado a mais caso decida fazer um pagamento por Pix.

A seguir, entenda o contexto da crise relacionada ao Pix.

Medida entra em vigor

As novas regras da Receita Federal entraram em vigor no dia 1º de janeiro de 2025. A partir disso, instituições de pagamento seriam obrigadas a enviar relatórios à Receita Federal de movimentações financeiras de contribuintes, algo que já era feito por instituições bancárias tradicionais.

Pela regra, ao final de um mês, seriam somados todos os valores que saíram da conta por todos os tipos de movimentações financeiras, incluindo Pix. Quantias acima de R$ 5.000 para pessoa física e R$ 15 mil para pessoa jurídica deveriam ser informadas por instituições financeiras à Receita Federal.

Apesar disso, informações falsas sobre a taxação do sistema começaram a circular, sobretudo nas redes sociais.

Receita publica declaração explicando a norma

Uma semana após a medida começar a valer e diante dos boatos, a Receita Federal divulgou uma nota negando que taxaria transações financeiras envolvendo Pix. No texto, o órgão informou que a medida visava “a um melhor gerenciamento de riscos pela administração tributária, a partir da qual será possível oferecer melhores serviços à sociedade”.

Na ocasião, a Receita ressaltou que a norma atualizava e ampliava a obrigatoriedade do envio de informações, que antes estabelecia o limite mensal de R$ 2.000 para as movimentações de pessoas físicas e de R$ 6.000 no caso de pessoas jurídicas.

O contador e especialista em recuperação judicial Marcello Marin explica que a fiscalização já ocorria no país, a mudança apenas ampliava a regra. “O monitoramento das transações já acontece a bastante tempo, toda movimentação vai para a Receita Federal, que pode fazer uma análise ou não disso, aqui estamos falando de todos os dados financeiros tais como, saques, Ted’s, pix entre outros. A nova regra expandia isso para os bancos digitais, fintechs e operadoras de cartão, nada que a receita já não tenha acesso se realmente precisar”, explicou.

Em complemento, a contadora Camila Bandeira aponta que o objetivo da norma era deixar a fiscalização mais rigorosa, “para evitar sonegação e ao ser detectada alguma inconsistência, o contribuinte deverá dar explicações formais justificando a origem dos recursos e nesse momento pode ser gerada uma cobrança de impostos adicionais. Ou seja, não será uma nova taxa, apenas a fiscalização do que já existe”.

Governo tenta contornar repercussão negativa

Em meio à onda de fake news, integrantes do governo e associações se empenharam em divulgar notas e declarações para assegurar que o Pix continuaria sem alterações para os usuários.

No último dia 10, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou um vídeo nas redes sociais desmentindo que as transações feitas pelo sistema seriam taxadas.

“Tem uma quantidade enorme de mentiras, desde ontem, em todas as redes sociais, dizendo que o governo vai taxar o PIX. Eu quero provar que é mentira. O governo não vai taxar o PIX. O que nós podemos fazer é fiscalizar para evitar lavagem de dinheiro”, declarou.

No mesmo dia, a Receita voltou a explicar que a medida não prejudicaria o cidadão brasileiro. “Quem precisa da atenção da Receita Federal é quem utiliza esses novos meios de pagamento para ocultar dinheiro ilícito, às vezes decorrente de atividade criminosa, de lavagem de dinheiro. O foco da Receita Federal é para eles. Não é para você, trabalhador, pequeno empresário”, disse o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas.

Queda nas transações

Com a crise, o volume de transações realizadas pelo Pix caiu 16% em janeiro na comparação com dezembro de 2024. A queda é a maior já registrada para esse período desde a criação do sistema de pagamento, em novembro de 2020. Levantamento feito pelo R7 mostra que, de 9 a 14 de janeiro — data em que começaram a se espalhar os boatos sobre a tributação —, a quantidade de operações somou 982,3 milhões.

No mesmo período de dezembro, o Banco Central registrou 1,17 bilhão de transações. Os dados foram obtidos pela reportagem com base no SPI (Sistema de Pagamentos Instantâneos) do BC.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, atribuiu a queda nas transações via Pix a um movimento sazonal, mas reconheceu que as notícias falsas sobre a forma de pagamento causaram um mal-estar.

Revogação da instrução normativa

Por fim, na quarta-feira (15), Barreirinhas anunciou a revogação da norma que alterou as regras de fiscalização de movimentações financeiras.

“Nos últimos dias, pessoas inescrupulosas distorceram e manipularam um ato normativo da Receita Federal, prejudicando muita gente no Brasil, milhões de pessoas, causando pânico, principalmente na população mais humilde, desacreditando injustamente um instrumento de pagamento tão importante no dia a dia das pessoas”, afirmou Barreirinhas em entrevista coletiva à imprensa.

Consequências da revogação

Com a repercussão, a AGU (Advocacia-Geral da União) pediu que a Polícia Federal investigue a divulgação de informações falsas sobre uma suposta taxação do Pix. O advogado-geral da União, Jorge Messias, informou que a investigação vai “identificar todos os atores que geraram esse caos nas redes sociais”.

Especialistas entendem que a revogação da medida foi prejudicial, principalmente no ponto de vista político. Segundo os analistas, a crise enfraqueceu a credibilidade do governo, que já havia sido afetada durante a decisão de taxação de compras internacionais, popularmente conhecida como “taxa das blusinhas”.

Para o economista Igor Lucena, a retirada da norma abre espaço para que pessoas continuem praticando crimes de sonegação fiscal. “A revogação da regra trouxe consequências graves. Por um lado, ela abre brechas para que pessoas continuem sem ser taxadas, promovendo sonegação fiscal e até criminalidade. Por outro, enfraquece a credibilidade do governo, que enfrenta críticas da oposição”, disse.

“A memória recente de medidas impopulares, como a ‘taxa das blusinhas’, contribuiu para a rejeição da regra. Na época, o governo afirmou que as empresas arcariam com os custos, mas, na prática, os consumidores sentiram o aumento nos preços de importações de lojas virtuais estrangeiras. Esse histórico reforçou a percepção de que a medida, embora revogada, tinha o objetivo de aumentar a arrecadação”, completou.

Já Bandeira entende que, do ponto de vista econômico, revogar a norma foi uma forma de preservar a confiança dos usuários no Pix, “uma vez que o aumento de informações relacionadas a possível tributação estava desestimulando os pagamentos”, disse.

R7