Oscilando entre discurso hiper-religioso e posições próximas às da esquerda, ministra mais bem avaliada entre os pobres fala à BBC News Brasil sobre abusos, feminismo e críticas de Bolsonaro a direitos humanos.
Damares Alves está à frente de um ministério cujo eixo principal, os direitos humanos, já foi descrito pelo presidente da República e seus filhos como “esterco da vagabundagem”.
Figura mais popular do governo entre a fatia mais pobre da população, segundo o Datafolha, a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos contradiz um dos principais mantras de Jair Bolsonaro e de boa parte de seu eleitorado – “direitos humanos são para humanos direitos” – ao afirmar que eles são “para todos”.
Também diz se dedicar à segurança da população LGBT em geral, com foco especial nos grupos que estão fora dos grandes centros — ribeirinhos, indígenas e quilombolas. O discurso coaduna com a pauta do movimento LGBT, forte opositor do governo, e contradiz falas do próprio presidente, que já declarou que “gays não são semideuses” e a “maioria é fruto do consumo de drogas”.
“Eles devem ter exagerado no discurso”, alega a ministra.
Damares chega a fazer coro com feministas ao afirmar que mulheres são chamadas de “histéricas” quando defendem seus pontos de vista e são frequentemente interrompidas por homens ao tentar completar seus raciocínios. A desigualdade de gênero na política preocupa Damares, também pastora, pedagoga e advogada: “Nós ainda temos mais de 2 mil municípios sem uma mulher sequer na Câmara de Vereadores”.
No entanto, quando é questionada sobre o gabinete de Bolsonaro, que tem apenas duas ministras em meio a 22 ministérios (e órgãos com status de ministério), desconversa: “Ele escolheu pelo perfil técnico e trouxe pessoas que ele conhecia. Mas, no segundo escalão, ele pode escolher com mais calma.”
Damares chora mais de uma vez ao narrar, em detalhes, a série de estupros que sofreu entre os 6 e 8 anos de idade. “O homem que me estuprou interrompeu meu sonho de morar no céu”, diz, alertando que crianças alvo de abusos devem pedir ajuda e não podem se sentir culpadas.
“Tem abuso que é prazeroso para a criança, porque o pedófilo sabe como tocar, onde tocar”, diz. “Eu encontro adultos, especialmente mulheres, que se sentem culpadas por isso. Eu digo que não se sintam culpadas, eram crianças e não tinham controle sobre seus corpos.”
Todo tempo, ela reforça um compromisso pessoal com áreas remotas do país. “Eu vou para a região ribeirinha e lá a gente encontra a lenda do boto. Mas o boto que engravidava a menina era o pai, que botava a culpa no boto. O incesto é de verdade no Brasil e vamos enfrentar isso.”
Ela não economiza frases polêmicas — que costumam gerar manchetes. “Tem criança que conversa com duende. Tem crianças que falam com fadas. Tem crianças que falam com pôneis. Eu não posso falar com Jesus?”, diz.
Também afirma que é “a ministra mais bonita do Brasil”.
“E já estou concorrendo também a mais bonita do Mercosul, e mais bonita do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).”
Oscilando entre discurso hiper-religioso e posições que poderiam se associadas a vozes progressistas, Damares provoca a esquerda: “Você não pode usar certas palavras como empoderamento, porque é da esquerda. Espera aí. Tem mulher mais empoderada no Brasil do que eu? Uma menina que vem lá de baixo, que não tem sapato para estudar, vai a uma escola, sofre violência, é discriminada e chega a ser ministra? Isso é empoderamento da mulher.”
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Folha de S. Paulo