Mandei fazer uma camiseta Cunha Livre e vesti no último episódio do programa deste portal, “Reaça e Comuna”, que tenho a honra de dividir com a esfuziante e luminosa jornalista Cynara Menezes, todas as quintas-feiras. Fui vestido com minha camisa Cunha Livre para questionar um questionamento destes tempos assim chamados de “Estado Policial”.
Não se questiona tanto que há seletividade na questão dos alvos e dos punidos pelos mecanismos repressores do Estado? Então, se isso é verdade, todos que defendem Lula Livre têm que defender necessariamente Eduardo Consentino Cunha Livre também. Ou será que a defesa vai cair no erro que aponta nos acusadores? Há seletividade de mártires?
Épocas alucinadas colocam dilemas idem perante as sociedades. Lula pode ser um dia inocentado pela história. Quem se lembra do juiz que condenou Mandela? Hoje só lembramos que o apartheid foi uma praga que assolou a África do Sul e que Mandela foi um injustiçado. Assim como foram todos os judeus condenados pelos tribunais nazistas. Assim como foram todos os enviados para a morte pela justiça de Stalin.
Assim como jamais existiram bruxas e Joana D’Arc ardeu nas chamas da opressão cega e do punitivismo odioso antes de seu delicado corpo arder nas chamas das fogueiras da Inquisição. Sabemos que o Terror decapitou inocentes na fúria cega da revolução francesa, incendiada pela chama de lavar os palácios do asco nobiliárquico.
É exatamente por sabermos de tudo isso, por estarmos cansados de saber, aliás, e justamante por sabermos bem que sociedades em determinados momentos entram em transes ou surtos provocados por líderes alucinados ou por uma alucinação coletiva, que sociedades em momentos de mínima sanidade criam e constroem algo abstrato chamado ins-ti-tu-i-ções. E no topo desse conceito vago e rarefeito está uma invenção fenomenal, chamada Constituição.
É ela uma espécie de confissão de loucura das sociedades. Elas estão ali como a nos dizer: “No dia em que ficarmos todos em transe e cegos e regredirmos à selvageria, apliquem este remédio em nós. É um antídoto chamado civilização, que extermina nossos impulsos primitivos”.
E onde entra o Cunha Livre nisso tudo? Ora, os loucos que somos, os mesmos que reconhecemos nossa completa falta de lucidez potencial e, por isso, criamos um antídoto chamado Constituição, inventamos que nessas horas de alucinação o sanatório geral deveria ser comandado por um guardião do antídoto. E demos o nome ao guardião do antídoto de Supremo Tribunal Federal. É uma espécie de junta médica que decide se e quando e também o quanto de antídoto deve ser usado em cada época para curar seus ataques de insanidade.
Ora, a Constituição de 1988 determina expressamente que ninguém pode ser preso até “trânsito em julgado”. Em português que não é de criminalista, todos os loucos têm direito a recorrer até a última dose de Justiça. É assim que está na bula do remédio. Escrito em letras garrafais. Mas a junta médica decidiu que o remédio não deveria ser aplicado em certos casos. E aí, aí, bem, quando quem comanda o sanatório flerta com os surtos, ninguém controla mais doido nenhum.
Então, o fato concreto é que, para todos os efeitos práticos, Cunha, Geddel, Lula, Cabral e a turma toda estão na mesmíssima situação. E a questão é saber: teremos mártires seletivos? Há anjos no inferno ou temos de expulsar o inferno da Terra e libertar todas as almas? Quem acha repugnante que o ex-presidente da Câmara tenha de ficar nas masmorras e é contra o Cunha Livre e se emociona com o Lula idem, está sendo tão parcial e seletivo quanto aqueles que critica. E tão contraditório quanto. A Justiça não tem que ser para todos? Logo, a injustiça não pode ser para ninguém.
Se a prisão de Lula é injusta, Cunha Livre!
Fonte: PODER 360
Créditos: PODER 360