A crise dos planos de saúde, que fecharam 2022 com prejuízo operacional de R$ 11,5 bilhões, o pior patamar mensurado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) em 20 anos, provoca um efeito cascata no mercado e pode ficar ainda mais profunda do que sinalizam os indicadores do setor.
Distribuidores e importadores de produtos como próteses, válvulas cardíacas e outros materiais especiais usados em tratamentos e cirurgias dizem que estão subnotificados os casos de falta de pagamento das mercadorias que vendem aos planos de saúde e hospitais. Os próprios hospitais também se queixam de atraso e atribuem aos planos a responsabilidade pela dilatação dos prazos.
De acordo com a Abraidi (Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde), cresceu no último ano a prática da retenção de faturamento, ou seja, o fornecedor entrega uma prótese de joelho ou um stent para uma cirurgia, mas o comprador, que pode ser o plano de saúde ou o hospital, exige que ele atrase a emissão da nota fiscal, mantendo a transação sem registro oficial por mais tempo.
Segundo levantamento da entidade com cerca de 300 associados, há mais de R$ 1 bilhão em vendas cujas notas fiscais ainda não foram emitidas, um aumento de quase 50% em relação à sondagem realizada há um ano. Ainda segundo a pesquisa, o tempo médio até a emissão da nota fiscal está em torno 48 dias, mas alguns fornecedores dizem ter casos atrasados por mais de seis meses.
A Abraidi afirma que os fornecedores se submetem e aceitam postergar o faturamento porque se trata de um setor muito pulverizado, com inúmeros distribuidores regionais de porte pequeno e médio, que têm receio de retaliação comercial dos compradores, os quais são, geralmente, companhias maiores, com poder de compra fortalecido.
Hella Gottschefsky, diretora jurídica da associação, afirma que a prática posterga o reconhecimento de dívidas com fornecedores, podendo gerar uma falsa impressão positiva nos balanços de hospitais e planos. A entidade diz que está reunindo dados para denunciar à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e que vê analogia com o caso da Americanas. Questionada pela reportagem se o problema tem chamado a atenção, a CVM afirma que acompanha informações e movimentações, tomando medidas cabíveis quando necessário.
A outra parte da preocupação dos fornecedores é com a fiscalização tributária em um momento em que o governo intensifica os esforços para buscar alternativas de arrecadação perdida.
O receio entre os fornecedores é o de serem autuados por sonegação, já que a mercadoria circula sem a emissão de nota. Além do ICMS estadual, a preocupação abrange a incidência dos tributos federais, como Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, Contribuição Social e Pis/Cofins.
Pelos dados da Abraidi, do total de R$ 1,1 bilhão de faturamento retido, quase R$ 503 milhões correspondem a produtos entregues para hospitais privados e mais de R$ 470 milhões são de convênios, planos de saúde e seguradoras. O SUS abrange outros R$ 111 milhões. O problema representa 12% das receitas das distribuidoras e importadoras associadas à entidade.
Antônio Britto, diretor da Anahp (associação de hospitais privados), afirma que o cenário é ainda mais complexo. “A realidade é que estamos enfrentando um momento de uma crise no sistema todo, onde os planos, para melhorar o fluxo de caixa, vêm atrasando o pagamento aos hospitais. E os hospitais não podem pagar os fornecedores sem ter recebido dos planos de saúde”, diz.
Entre os hospitais ligados à Anahp, o indicador de glosas, que são os questionamentos feitos pelos planos às faturas enviadas pelos hospitais e prestadores de serviço, subiu mais de 20% entre 2021 e 2022, e o prazo médio de recebimento cresceu 7%, para 73 dias.
A Abramge, associação que reúne planos de saúde, afirma que as empresas têm obrigação regulatória de provisionar 100% dos valores ainda não pagos.
Fonte: Folha Press/MSN
Créditos: Polêmica Paraíba