MENOS TEMPO E DINHEIRO

CRESCENDO NO BRASIL: Uber sobe em duas rodas, desafia os mototáxis e dá desconto na chuva

“Essa corrida é pra levar algum item?”, escreve o motorista da Uber após confirmada a viagem no celular. “O item sou eu”, digito. “Ok, a caminho”, responde. Quando ele chega, me dá um capacete, coloca sua mochila no peito para dar espaço na garupa e partimos. O aplicativo norte-americano oferece transporte sobre duas rodas em mais 90 cidades do Brasil, mesmo enfrentando resistência de algumas prefeituras.

No município de São Paulo, onde o serviço ainda não está disponível, alguns motoqueiros parceiros da Uber relataram que já levaram passageiros (com ou sem produto) após o pedido ser feito pela opção de entrega “Flash Moto”. “O cara ia mandar um anticoncepcional para a namorada e pediu para ir junto. Chegamos lá, e ele fez a garota tomar a pílula na nossa frente”, relata um piloto que já realizou mais de 200 viagens com passageiros agarrando sua cintura pela Grande São Paulo.

Outro motoqueiro, que trabalha também para o iFood, fez o cliente colocar o bag térmico nas costas para realizar a viagem por São Paulo. “Foi minha primeira viagem. Não estava preparado. Ainda bem que ele tinha capacete próprio. Se não, não ia rolar”, conta.

Em tempos de combustíveis e tarifas de transporte subindo, oferecer até metade do preço e do tempo para determinado trecho parece algo atrativo, não é? Mas algumas promoções têm sempre seus poréns: quando chove, o valor do Uber Moto desce, enquanto a versão convencional, sobre quatro rodas, sobe. A cultura do conforto e a tal “tarifa dinâmica” podem chegar a triplicar a diferença de um para o outro — a diferença, em geral, é de 30%.

Os motoqueiros devem contar com capacete extra (higienizado antes cada viagem), roupa impermeável e toucas descartáveis — nas viagens feitas pela reportagem do TAB a touca não estava presente.

Ciladas e cilindradas

O clima está longe daquele de 2014, quando a Uber chegou ao país e a briga com os taxistas rendeu emboscadas, ameaças, tapas na cara, vidros quebrados e latarias amassadas. As disputas agora são nos tribunais.

Municípios como Vitória da Conquista (BA) e João Pessoa (PB) entraram na Justiça contra mototaxistas da Uber e da 99. Ganharam na primeira instância, mas perderam na segunda. Pela legislação federal, a atividade é permitida, mas precisa de regras locais. Muitas prefeituras decidiram proibir o serviço, e aí começa o conflito.

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal em outubro de 2020, porém, acabou abrindo as portas para os mototaxistas digitais. O plenário do STF respondeu a uma ação vinda de Formosa (GO), município que obrigava os motoqueiros a se ligarem a agências de transporte e a pontos fixos. Os magistrados decidiram que os municípios podem regulamentar, mas nunca restringir o exercício profissional para aqueles que preenchem os requisitos da legislação federal.

De acordo com a lei 12.009, para exercer o trabalho é preciso ter 21 anos de idade, dois anos de habilitação na categoria A (para duas ou três rodas), ser aprovado em curso especializado e regulamentado pelo Contran (Conselho Nacional de Trânsito) e portar colete de segurança com dispositivos refletivos.

Um projeto de lei específico para a liberação do uso de aplicativos para mototáxi (PL 7376/17) foi aprovado pela Comissão de Viação e Transporte da Câmara de Deputados e está tramitando no Congresso.

Sem freio?

O Uber Moto começou por Aracaju (SE) em novembro de 2020 e foi se expandindo mês a mês. Já o mesmo serviço pela 99 (a empresa de capital chinês) iniciou em janeiro de 2022 com o serviço em nove cidades: além da capital sergipana, incluiu Feira de Santana (BA), Goiânia (GO), Campo Grande (MS), João Pessoa (PB), Recife (PE), Sorocaba (SP), Sobral (CE) e Teresina (PI).

As empresas adotaram como estratégia entrar primeiro em cidades de médio porte para testar a funcionalidade e receptividade, tanto dos passageiros quanto dos motoristas. Em Presidente Prudente (SP), por exemplo, agências de mototáxi apontaram que a tarifa da Uber era “desleal” na concorrência, perdendo prestadores e fregueses.

Por outro lado, já se percebeu que muitos clientes confundem as opções de transporte e entrega na hora de clicar, causando constrangimentos e cancelamentos quando o motoqueiro não atua nas duas funções.

Antes, esses mototaxistas consultavam o preço do Uber e davam desconto de 10% em cima do valor indicado no aplicativo. Agora os preços estão mais salgados. Um trecho dali até Interlagos saiu por R$ 12, enquanto o carro do Uber oferecia por menos de R$ 9.

O mototaxista autônomo do Grajaú se mostrou bem mais ousado que os pilotos do Uber Moto: entrou em uma viela de pedestres, passou no vão entre dois ônibus, furou semáforo e passou raspando de vários retrovisores. A procura por ali é grande, porque é a estação final da linha 9 do trem — e alguns bairros à beira das represas Billings e Guarapiranga não contam com bom transporte público.

Menos tempo e dinheiro

Celebridades como Anitta, Ludmilla e Bruna Marquezine já postaram suas aventuras com mototáxi para driblar os engarrafamentos e não atrasar em seus compromissos pelo Rio. Lá, como em São Paulo, ainda não há serviço da Uber Moto. Mas sim nos municípios do entorno, como Belford Roxo, Nova Iguaçu, São Gonçalo, Osasco, Santo André e Carapicuíba.

Para conferir, fui até Taboão da Serra, município da região metropolitana de São Paulo onde começou o serviço neste mês. Na primeira tentativa, a mensagem “procurando motoristas parceiros nas proximidades” ficou um bom tempo na tela do app. Após dez minutos, apontou que não havia moto disponível. Os preços iam mudando à medida que a chuva diminuía: de R$ 11 passou para R$ 15, enquanto o trecho de carro oscilava entre R$ 24 e R$ 29.

Na segunda tentativa, apareceu um motoqueiro que saiu de São Paulo e veio me transportar na cidade vizinha. Fora o aplicativo no celular acoplado ao guidão e ter me chamado pelo nome, não havia nada que o identificasse como parceiro do aplicativo.

O trajeto incluía a BR-116, conhecida como “rodovia da morte” por seu histórico de acidentes, e algumas ruelas taboanenses. Mas a condução foi tranquila e seguindo as leis de trânsito. Na conversa, o motoqueiro contou que o transporte de passageiros dá mais dinheiro que o de produtos, porque os trajetos em geral são maiores. Ele já fez corrida de mais de 35 quilômetros de extensão com clientes, enquanto as entregas são do tipo “last mile”, trecho final dos produtos, após passarem por caminhões e furgões até um entreposto.

Os aplicativos recomendam que o passageiro use capacete próprio e vestimenta adequada, além de seguir as medidas básicas de higiene durante a pandemia. A Uber respondeu que disponibiliza toucas e produtos para higiene dos capacetes. Além disso, exige atestado de antecedentes criminais de seus motoristas.

 

 

Fonte: Uol
Créditos: Uol