Mais de um ano depois da descoberta do vírus SARS-Cov-2 e da covid-19, cientistas no mundo todo ainda tentam entender porque as pessoas reagem de forma tão diferente à infecção. O novo coronavírus pode provocar sintomas leves, formas graves e sequelas a longo prazo meses após a contaminação.
A falta de ar, a perda do olfato e do paladar e o cansaço atingem com frequência os pacientes logo após o contágio, mas muitas pessoas continuam doentes, como se a infecção tivesse se tornado crônica. Esse tipo de caso se tornou frequente nos últimos meses, após a primeira onda da doença, em março e abril.
O fenômeno levou o hospital Foch, na região parisiense, a criar um setor especializado no atendimento a pacientes que ainda convivem com sequelas da doença. Segundo Nicolas Barizien, chefe da unidade de reeducação do hospital, os primeiros casos começaram a aparecer após o fim do primeiro lockdown, em maio.
Pacientes que tiveram versões leves da covid-19, sem hospitalização, procuraram o médico para relatar o retorno dos sintomas, após serem considerados curados. De acordo com o médico, novos exames foram prescritos, mas os resultados não apontaram nenhuma alteração.
“Os pacientes têm um impacto real na qualidade de vida, no cotidiano, com sintomas que muitas vezes fazem com que sejam incapazes de levar uma vida normal. Eles descrevem uma sensação de falta de ar, mesmo com um esforço mínimo”, diz.
Mulheres são mais afetadas
A Síndrome Pós-Covid, diz, atinge principalmente mulheres entre 25 e 60 anos, que têm uma vida ativa. Na maioria dos casos, os pacientes não estão acima do peso ou tem outras doenças que os incluiriam no grupo de risco, como Obesidade ou Diabetes.
“Hoje, o que nos incomoda, é que não temos soluções milagrosas para propor a esses pacientes. Mas, analisando o perfil deles, podemos aliviar os sintomas”, diz o especialista francês.
Não existem provas objetivas que expliquem esses sintomas, o que dificulta a vida dos doentes. Muitos ouviram dos médicos que estavam “inventando” problemas que não existiam.
“Foi preciso tempo, para que estudos fossem iniciados em centros que se especializaram ao longo do ano em consultas da Síndrome Pós-Covid. Há pesquisas em nível europeu e francês que vão reunir todas essas informações. Temos vários pacientes e eles têm um perfil relativamente similar. Acontece algo com eles depois da infecção, que ainda não entendemos exatamente o que é. Mas sim, alguma coisa acontece”, frisa.
Esse é o caso de Véronique Le Thiec, professora que trabalha em uma escola na região parisiense e presidente da Associação Après20: Associação Covid Long France.Ela ficou doente em março e perdeu o paladar e o olfato. Nove meses depois, ela ainda não sente o gosto ou o cheiro dos alimentos.
“O sintoma apareceu de uma hora para outra. Então pensei que tudo também voltaria ao normal subitamente. Tem que ter paciência”, declara. Ela foi contaminada novamente em outubro e outros sintomas se intensificaram. Outros pacientes relatam ter tido insônia, cansaço crônico e problemas digestivos.
Segundo Nicolas Barizien, os diferentes centros nacionais que tratam a Síndrome, pilotados pelo Inserm (Instituto Nacional da Saúde e Pesquisa Médica), estão listando todos os sintomas que atrapalham a vida dos pacientes durante meses a fio.
Uma boa parte deles, diz, são cardiorrespiratórios, como tosse, falta de ar, ou opressão no peito. Outras queixas incluem refluxo, diarreia ou aceleração do trânsito intestinal, dores de cabeça, sensação de mal-estar e problemas de concentração —sabe-se que o SARS-Cov-2 tem receptores no intestino e no cérebro.
Clínica de reabilitação
A equipe do especialista francês criou no mês de junho um dispositivo no Hospital Foch para avaliar o impacto da doença na capacidade funcional desses sintomas. Trata-se de uma clínica de reabilitação, com médicos, psicólogos, nutricionistas e fisioterapeutas.
O médico explica que, além das queixas cardiorrespiratórias, há pacientes, por exemplo, com problemas de memória e outros que perderam peso e têm dificuldade para recuperar a massa muscular.
Uma das pistas dos cientistas é que, depois da covid-19, algumas pessoas desenvolvam uma inadaptação da frequência cardíaca e da respiração, que podem estar elevadas em repouso e continuar baixa durante o esforço.
Para isso, o hospital realiza testes cardíacos de esforço e busca detectar suspeitas de hiperventilação. Alguns remédios podem melhorar essa condição, mas as moléculas não são eficazes para todos os pacientes.
Tratamento alivia sintomas
O tratamento por enquanto é sintomático e alivia o cotidiano dos pacientes. Os médicos têm consciência de que se trata de uma convalescência longa demais – que pode ocorrer em outras doenças, como em uma gripe grave. A diferença é que, nesse caso, há traços concretos dessas doenças nos exames laboratoriais.
“O problema dessa síndrome é que todos os exames são normais, o que gerou dúvidas entre os médicos sobre sua existência, que diziam aos pacientes que eles não tinham nada. E não é porque não achamos nada que não há nada.”
Segundo ele, muitas pesquisas vêm sendo feitas, que necessitam de exames sofisticados nos hospitais, que em breve poderão trazer respostas mais concretas sobre o que causam os sintomas duradouros.
“O que recomendamos é que as pessoas permaneçam ativas e façam um pouco de atividade física. Pode ser simplesmente andar meia hora por dia e fazer alguns exercícios de reforço muscular em casa, para não prejudicar ainda mais condicionamento físico depois da doença.”
*As entrevistas foram concedidas originalmente ao programa Priorité Santé, da redação francesa da RFI.
Fonte: UOL
Créditos: Polêmica Paraíba