Proposta de congressistas endossada pelo ministro Paulo Guedes (Economia) de cortar salário acima do teto do funcionalismo (R$ 39,3 mil) é insuficiente para financiar uma ampliação significativa do Bolsa Família.
A medida defendida por membros do governo e líderes enfrenta forte lobby de servidores, especialmente do Judiciário, no Congresso.
Em 2015, o governo Dilma Rousseff (PT) apresentou um projeto semelhante. A proposta representaria o equivalente a R$ 1 bilhão por ano de redução de despesas para a União.
Para bancar o Renda Cidadã, programa que deve substituir o Bolsa Família, a equipe do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) busca cerca de R$ 20 bilhões.
Com essa verba, a ideia é ampliar a cobertura das transferências de renda a famílias na linha de pobreza e extrema pobreza, além de aumentar o valor do benefício mensal.
Embora tenha peso político e moralizador, o projeto de cortar os supersalários, debatido por governo e congressistas, tem baixo impacto nas contas públicas. O efeito é maior em estados e municípios.
Uma proposta de regulamentar o teto do funcionalismo já chegou a ser aprovada pelo Senado no fim de 2016, quando o então presidente da Casa, Renan Calheiros (MDB-AL), conduzia uma pauta de ataques ao Judiciário, em uma reação ao avanço da Lava Jato.
Foi criada uma comissão responsável por levantar os salários acima do limite constitucional.
Na época, a relatora, senadora Kátia Abreu (PP-TO), chegou a citar que o corte nos supersalários economizaria por ano aproximadamente R$ 1 bilhão para o Poder Executivo da União.
Na segunda-feira (5), quando Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) selaram as pazes em um jantar, Kátia e Renan estavam presentes.
O projeto seguiu para a Câmara, onde ainda não foi votado no plenário. O texto do Senado se juntou ao de 2015, da equipe de Dilma, mas, por falta de acordo e diante do lobby de servidores, os deputados não analisaram o tema.
A ideia é deixar claro, em lei, que “penduricalhos” dos salários de servidores também estão sujeitos ao teto de remuneração. Isso valeria para gratificações, bônus, horas extras, adicional noturno e valores recebidos por participação em conselhos de estatais.
Em 2017, a equipe econômica de Michel Temer (MDB) tentou retomar a discussão.
O ex-ministro do Planejamento Dyogo Oliveira foi à Câmara defender a regulamentação do teto salarial. Ele também citou que o impacto da medida para a União seria, em valores corrigidos pela inflação, um pouco acima de R$ 1 bilhão.
O relator da proposta na Câmara, deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), disse que está em contato com Maia para destravar a votação do projeto desde abril.
A versão atual do texto, segundo Bueno, tem o potencial de reduzir as despesas da União em cerca de R$ 1,2 bilhão por ano.
Outro R$ 1,2 bilhão poderia ser economizado com o corte nas férias do Judiciário. Porém, isso está previsto em uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que ainda nem foi analisada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Em encontro com Guedes nesta semana, um grupo de congressistas liderado por Renan e Kátia voltou a defender a redução de despesas com salários acima do teto como forma de financiar o Renda Cidadã.
Para destinar mais dinheiro à área de assistência social, o governo precisa cortar em outra parte do Orçamento federal, e não nos gastos de estados e municípios.
O time de Bolsonaro enfrenta dificuldades em superar entraves à ampliação do Bolsa Família por causa da trava do teto de gastos. A regra impede o crescimento das despesas acima da inflação.
Para 2021, o orçamento do Bolsa Família foi ampliado em relação a anos anteriores, mas ainda é limitado. A estimativa é que, com R$ 34,9 bilhões, cerca de 15,2 milhões de famílias sejam atendidas.
A verba, no entanto, não prevê a 13ª parcela prometida por Bolsonaro na campanha presidencial, nem um aumento substancial do benefício, atualmente na faixa de R$ 192 por mês para cada família, em média.
O corte nos supersalários resultaria em um programa ainda longe do que deseja Bolsonaro. O presidente quer uma renda básica mensal de R$ 300 e ampliação da cobertura no número de famílias.
Auxiliares do presidente já admitem, de forma reservada, que a meta de R$ 300 por mês não deve ser alcançada.
Bolsonaro quer manter o mesmo patamar das parcelas finais do auxílio emergencial, criado para socorrer informais, desempregados e microempreendedores individuais na pandemia da Covid-19. O auxílio fez a popularidade crescer.
Procurado o Ministério da Economia, não quis se manifestar sobre a proposta de corte dos supersalários.
Para tentar propor uma ampliação significativa do Bolsa Família, o governo estuda uma série de medidas. Uma delas, como mostrou a Folha, seria limitar os gastos com abono salarial, em vez de acabar com o programa.
Esse benefício é pago a trabalhadores com carteira assinada e com renda mensal de até dois salários mínimos (R$ 2.090). Técnicos da Economia defendem que o critério seja de aproximadamente R$ 1.500. Isso liberaria R$ 8 bilhões.
Outra opção em estudo é extinguir o desconto de 20% concedido automaticamente a contribuintes que optam pela declaração simplificada do Imposto de Renda da Pessoa Física. A medida, revelada pela Folha, pode atingir mais de 17 milhões de pessoas. Até agora, uma solução não foi apresentada.
Fonte: UOL
Créditos: UOL