Contra o tráfico, uruguaios legalizaram maconha e México recorreu aos militares
A melhor definição para a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro é desse jurista e humanista louvável chamado José Gregori: “era inevitável”.
Pode-se especular à vontade sobre as intenções ocultas de Michel Temer ao decidir-se pela intervenção, mas não dá para escapar ao fato de que, quando um governador, qualquer que seja, declara publicamente ter perdido o controle da segurança pública, como o fez Luiz Fernando Pezão, não intervir seria criminoso.
Aliás, o certo seria afastar Pezão do cargo porque o problema do Rio de Janeiro vai muito além da segurança pública. É quase uma Venezuela em termos de Estado falido.
Não adianta também analisar a intervenção com o fígado. Quem gosta de Temer vai aplaudi-la. Quem odeia Temer vai condená-la. Que cada um desopile seu fígado como quiser, mas não ajuda nada, nadica de nada, para tentar imaginar se a operação inevitável será ou não bem sucedida.
Como jamais faço previsões sobre o futuro e ainda erro muitas vezes em previsões sobre o passado, prefiro apontar para um exemplo de intervenção militar já tentado (México, durante o período de Felipe Calderón, 2006/2012) e para um ponto que raramente aparece na catarata de análises a respeito, o das drogas.
Vamos ao México: em 11 de dezembro de 2006, Calderón decidiu enviar 4.260 soldados, 1.054 fuzileiros navais, 1.420 policiais federais e 50 agentes do Ministério Público ao Estado de Michoacán, na costa do Pacífico.
Era o início do que se convencionou chamar de guerra ao tráfico [de drogas, naturalmente].
Por que Michoacán? Porque, como no Rio, o ano estava registrando uma alta taxa de homicídios dolosos.
Havia um subtexto no emprego dos militares: a ação deles em tese daria tempo para que as polícias mexicanas, corruptas até mais não poder, fossem saneadas. É o que se cobra, aliás, da intervenção militar no Rio: o saneamento da polícia.
Deu certo no México? Não. O ano passado registrou 29.168 assassinatos, a mais alta taxa de homicídios já registrada, superior ao pico de 2011, já no ocaso do período Calderón, que fora de 27.213.
Registre-se que, apesar da má fama, a taxa de homicídios no México (20,5 por 100 mil habitantes) é inferior à do Rio (25/100 mil).
Tampouco deu certo sob o aspecto de saneamento das polícias. É curioso que o candidato da esquerda à Presidência do México, na eleição deste ano, está propondo o mesmo que Temer: a criação de um Ministério de Segurança Pública.
Há outras propostas de Andrés Manuel López Obrador, o candidato esquerdista, dignas de exame: a implementação de comando único para o sistema policial, a introdução de uma Guarda Nacional de amplo alcance, a criação de um Conselho Nacional Assessor para a segurança e uma estratégia de desenvolvimento econômico para acompanhar tais medidas.
Passemos agora à questão das drogas: parece evidente que a violência no Brasil (e no mundo) cresceu à medida que se fortalecia e se consolidava o milionário negócio das drogas. Numa hipótese mega-híper-blaster otimista, digamos que a intervenção militar consiga prender todos os grandes traficantes.
Vai diminuir o consumo? Não. Novas gangues surgirão (o México é, de novo, um exemplo a acompanhar). O ponto aqui seria eliminar ou ao menos reduzir a violência associada ao tráfico de drogas. Nesse capítulo, o exemplo a acompanhar é o do Uruguai e sua tentativa de legalizar o cultivo e a comercialização da maconha.
Claro que não dará tempo para implementar uma política parecida no período estabelecido para a intervenção. Mas ou se começa a tratar do assunto já ou a intervenção terá que ser prorrogada por tempo indeterminado, se é que não fracassará antes.
Clóvis RossiÉ repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano.
Fonte: folha
Créditos: folha