A filha da frentista Ceumi Bender, 31, tentou se matar no ano passado, aos 13 anos. O sobrinho da professora de português *Carolina da Silva, 32, vinha avisando que tiraria a própria vida desde os 6 anos. E o fez, aos 15. “Desde muito novo, ele falava: ‘Tia, a minha vida é ruim demais, não tem sentido viver'”, diz *Carolina, que vive em Belo Horizonte (MG) e pediu para não ter seu nome identificado.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta o suicídio como a segunda principal causa de morte de pessoas entre 15 e 29 anos. No Brasil, os casos aumentaram 65%, entre pessoas com idade de 10 a 14 anos, e 45% na faixa de 15 a 19 anos, de 2000 a 2015. A informação, com dados do Ministério da Saúde, é da última edição do Mapa da Violência, publicada em 2017.
O tema volta às rodas de conversa nesta sexta (23), com a estreia da terceira temporada da série americana “13 Reasons Why”, da Netflix. O programa gerou polêmica desde a estreia, em 2017, já que a trama gira em torno das razões que levaram a adolescente Hannah Baker (Katherine Langford) a cometer suicídio. Um estudo divulgado recentemente nos Estados Unidos apontou um pico no número de jovens americanos que tiram a própria vida nos 30 dias seguintes ao lançamento da série. Diante de uma série de críticas, em junho, a Netflix decidiu remover imagens
explícitas da primeira temporada, que mostram como a personagem principal se mata.
Em um manual de prevenção ao suicídio, a OMS (Organização Mundial da Saúde) orienta profissionais de saúde a evitar descrições detalhadas dos métodos usados. Eles podem servir de gatilho para quem está em sofrimento emocional. A frentista Ceumi Bender acredita que de tanto olhar tutoriais sobre como se matar –sim, isso existe na internet– sua única filha decidiu tomar uma atitude extrema. “Pais de suicidas, não sintam culpa”, diz mãe de menino que se matou aos 15 “Achei que ela fosse dar a volta por cima”, diz amiga de Alinne Araújo
Sobreviventes de suicídio contam como venceram a vontade de se matar “Fiz de tudo. Não me sinto culpada”: mãe fala do suicídio da filha, aos 14 Na série “13 Reasons Why”, a cena do suicídio da personagem Hannah Baker foi removida
“Começou com afastamento”
A filha de Ceumi cresceu em Francisco Beltrão (PR), sem a presença do pai. A família se separou quando ela tinha cinco anos. No início de 2018, lembra Ceumi, a menina que gostava de se maquiar e cozinhar se afastou da família e dos amigos e mal falava com as pessoas. A mãe logo descobriu feridas em seu braço e a levou a uma psicóloga. A filha disse que fazia isso porque andava irritada e prometeu não se machucar mais.
Na mesma época, a adolescente decidiu que queria ter mais contato com o pai e pediu para morar um tempo na casa dele, em Santa Catarina. Ceumi fala que a experiência não durou nem três meses. A menina voltou mais magra e triste: “Ela reclamava que o pai era duro, a obrigava a comer toda a comida do prato ainda que não quisesse, e lhe tirou o
celular. E chegou a falar para o avô que tinha vontade de morrer porque ninguém gostava dela”. A garota voltou para casa em julho. Crismou-se na Igreja Católica num domingo. Na quarta seguinte, passou o dia inteiro ao celular, e Ceumi decidiu que iria pedir o aparelho e a senha da filha para vasculhar tudo. Faria isso no dia seguinte.
Antes de dormirem, comeram pipoca. Pela manhã, a encontrou inconsciente: A adolescente ficou duas semanas em coma induzido. Ao todo, passou 40 dias internada. Saiu com a fala e os
movimentos de braços e pernas prejudicados. Levou oito meses para voltar a andar. Também não se recorda de muitos momentos da vida, incluindo os do dia da tragédia.
Hoje, aos 14 anos, a garota consegue frequentar a escola, mas recebe atenção especial de uma professora auxiliar.
Osamigos foram desaparecendo, e Ceumir diz que a menina sofre bullying e é constantemente chamada dos mais variados
nomes devido às sequelas.
A escola, que é pública, nunca procurou a mãe para conversar sobre o que houve. Enquanto isso, a prefeitura ajuda com
uma psicóloga, que as duas visitam uma vez por semana. Também oferece fisioterapia e aulas de canto e artesanato. A
menina precisaria ainda de uma fonoaudióloga, que a mãe não tem condições de pagar.
As duas também se consultam com um psiquiatra: a menina toma remédio para controle de humor, e a mãe, para
ansiedade. Dormem a maior parte do tempo juntas.
“Tem sido muito difícil, porque até hoje moramos na mesma casa e toda hora me lembro de tudo. Minha filha está igual a
um bebê e anda muito envergonhada. Os amigos não a convidam mais para a casa deles e sinto preconceito até
“Depois que tudo aconteceu, vi que ela entrava em sites que ensinavam
métodos de suicídio. E outrasimagens de adolescentesferidos, compartilhando
automutilação. Não tive coragem de assistir a tudo”.
MÃES E FILHOS
23/08/2019 Suicídio entre jovens: “Ele se despediu de todo mundo e ninguém acreditou” – 23/08/2019 – UOL Universa
https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/08/23/sao-muitas-as-razoes-para-o-suicidio-disse-que-faria-e-ninguem-acreditou.htm 4/7
comigo. Falam, por exemplo, que eu deveria esconder as cicatrizes dela. Tenho muito medo que ela tente de novo. O
que faço agora, e o que todo pai deveria seguir, é prestar mais atenção, pegar o celular, sentar mais junto.”
Possíveis gatilhos
Numa pesquisa sobre lesões autoprovocadas por adolescentes, feita em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, em
2018, a socióloga Dayse Miranda identificou o bullying e a perda trágica de um ente querido como algumas das razões
que levam jovens a tentarem se matar.
A pesquisadora do Gepesp (Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção), que surgiu de uma parceria da
UERJ com a Polícia Militar do Rio, perguntou, de forma anônima, a 1.279 estudantes de 9 a 15 anos se, em algum
momento, eles pensaram ou tentaram o suicídio e a automutilação. Do total, 288 responderam “sim” para uma dessas
situações. Uma parte deles tentou se matar (12%). Outros praticaram automutilações sem intenção suicida (8%) ou
tiveram pensamentos suicidas (3%).
Duque de Caxias tem uma das maiores taxas de homicídios do estado do Rio de Janeiro, segundo o Atlas da Violência.
E a pesquisa mostra justamente que o sofrimento emocional da maioria desses jovens está diretamente ligado a esse
cenário.
“Esses jovens têm um problema muito grande com a violência doméstica e com a morte. Ver corpos, ter contato com a
violência faz parte do dia a dia deles”, diz Dayse.
Mas ela destaca que esses gatilhos são característicos desse grupo ao qual teve acesso. É muito difícil chegar a um
padrão quando falamos no problema da juventude em geral.
“O gatilho da pessoa de Caxias não é o mesmo do jovem do Leblon, na zona sul, embora a dor da depressão seja a
mesma. O que dispara o sofrimento varia segundo o grupo socioeconômico e cultural.”
Falta de amparo do poder público
Na série da Netflix, por exemplo, a personagem Hannah não vivia num local violento, marcado por tiroteios, mas
enfrentou bullying, rejeição e estupro. A crise amorosa está entre os fatores mais citados por jovens na pesquisa de
Dayse, porque, ela diz, o adolescente tem muita dificuldade em lidar com o rompimento:
“Entrevistei uma menina que, aos quatro anos, perdeu o irmão. Ela desenvolveu
sintomas de estresse pós- traumático, mas nunca foi tratada. Quando ficou
grávida, aos13, foi abandonada pelo namorado e começou a se automutilar”.
A pesquisa serviu de piloto para um programa que visa habilitar pessoas na prevenção de violências autoprovocadas no
ambiente escolar. O problema, diz a pesquisadora, é a falta de amparo do poder público.
“A família que tem um jovem passando por problemas emocionais precisa fazer parte de um plano de prevenção. Mas,
quando o aluno tiver uma crise, por exemplo, mandamos para onde? Caxias não tem medicamento, nem psiquiatra.”
“Precisamos ouvi-los mais”
A escola pública onde o sobrinho da professora de português *Carolina da Silva estudou não soube lidar com os
rompantes de agressão do adolescente, nas palavras dela. Ele se matou em abril, aos 15 anos.
A vida do garoto foi marcada por violência e abandono: a mãe o entregou à avó paterna quando ele tinha nove meses de
vida. O pai o visitava e o agredia às vezes.
Carolina morava no fundo da casa onde o adolescente vivia. Ela descreve o menino como uma pessoa carente demais,
e que carregava uma tristeza muito grande por não ter uma mãe. A mulher, viciada em drogas, aparecia para visitá-lo, às
vezes, quando estava sóbria.
Na escola e na rua, o garoto era agressivo. Batia e apanhava dos colegas do sexto ano. Passou então a ver um
psicólogo. Por isso, acabou sendo chamado de louco e estranho pelos colegas. Quando ele revidava o bullying, os
professores colocavam o garoto de castigo.
Em casa, a avó tirava o celular e os jogos eletrônicos para tentar corrigi-lo, enquanto a tia buscava dar conselhos, animálo.
Carolina chora. Agora, a atenção ficou redobrada em casa. Ela tem um casal de filhos adolescentes.
“A gente hoje vive tão refém de redes sociais e do trabalho que esquece um pouco da casa, da família. Passei a dar
mais atenção para meu filho, a perguntar como ele está se sentindo. Na escola, quando peço para os alunos escreverem
uma redação, muitos relatam violência doméstica e eu encaminho à direção da escola. Precisamos ouvi-los mais.”
Para pedir ajuda, o Ministério da Saúde oferece o serviço de ligações para o CVV (Centro de Valorização da Vida), que
auxilia na prevenção do suicídio e dá atenção a pessoas que sofrem de ansiedade e depressão. Para falar com um
voluntário treinado para esse tipo de situação, basta discar o número 188 pelo telefone. A assistência também é prestada
pessoalmente, por e-mail ou chat no site (cvv.org.br).
Fonte: UOl
Créditos: –