Pressionado a elevar a arrecadação para tirar as contas públicas do vermelho, o presidente de Luiz Inácio Lula da Silva quer aumentar impostos sobre os mais ricos, medidas que dependem de aprovação no Congresso Nacional.
A proposta casa bem com o discurso histórico do PT de combater as desigualdades, mas é novidade nas gestões petistas, já que os primeiros governos de Lula e Dilma Rousseff evitaram mexer nos bolsos dos mais endinheirados e optaram por distribuir renda por meio de programas sociais como o Bolsa Família.
Aumentar tributos é uma agenda impopular e, quando atinge os mais ricos, enfrenta o obstáculo adicional do forte poder de influência política desse grupo.
“Não são medidas fáceis para o Congresso deliberar”, reconheceu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na quinta-feira (31/8), quando o governo anunciou necessidade de elevar a arrecadação em R$ 164 bilhões no próximo ano para zerar o rombo nas contas da União.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil se dividem sobre o apoio às propostas do governo, mas concordam num ponto: se os novos tributos não forem bem desenhados, há o risco de os contribuintes de maior renda continuarem driblando o Fisco — por exemplo, modificando seus investimentos ou o funcionamento de suas empresas.
É o que se chama de elisão fiscal — quando o contribuinte lança mão de brechas legais para fugir dos impostos.
Estão na mira do Fisco medidas como taxar fundos exclusivos para milionários e investimentos no exterior, voltar a tributar lucros e dividendos distribuídos por empresas, e novas regras no imposto sobre herança para impedir que famílias mais ricas evitem essa cobrança.
“Aqui no Brasil, o mais pobre paga mais imposto de renda do que o dono do banco, porque só desconta mesmo de quem vive de salário. As pessoas que vivem de rendimento, as pessoas que recebem lucro no final do ano, terminam não pagando imposto de renda”, disse Lula no programa semanal do governo Conversa com o Presidente, transmitido pelo Canal Gov, logo após o Executivo enviar ao Congresso propostas para taxar fundos de super ricos.
A fala de Lula tem base em números. Um novo levantamento do Sindifisco (sindicato que representa os auditores-fiscais da Receita Federal) mostrou que contribuintes milionários pagam no Brasil alíquotas menores de imposto de renda do que profissionais de renda média e alta, justamente porque uma parcela relevante de seus ganhos está isenta de tributos.
Segundo esses dados, contribuintes que declararam em 2021 ganhos totais acima de 160 salários mínimos (R$ 2,1 milhões no ano, ou R$ 176 mil por mês) pagaram, em média, uma alíquota efetiva de Imposto de Renda (IR) de menos de 5,5%.
A alíquota efetiva é o percentual da renda total que de fato foi consumida pelo IR. É uma taxa menor do que a parcela paga por aqueles com renda mensal na faixa de R$ 7 mil (alíquota efetiva média de 6%). Ou menos da metade da cobrada sobre contribuintes com ganho mensal na casa de R$ 21 mil (alíquota efetiva média de 11,25%).
Alguns economistas, como Sergio Gobetti (Ipea) e Samuel Pessoal (FGV), dizem que para mudar essa realidade também é preciso rever regimes especiais de tributação, como o Simples Nacional, que acaba beneficiando contribuintes de renda elevada, como profissionais liberais e donos de pequenas empresas.
Para eles, alcançar esse público é importante, já que também se trata do topo da pirâmide brasileira. Segundo dados do IBGE, a renda média mensal per capita entre o 1% mais rico da população foi de R$ 17.447 em 2022.
Mexer no Simples Nacional, porém, enfrenta resistência ainda maior no Congresso e não tem sido citada pelo governo.
Entenda melhor a seguir algumas das propostas em discussão, os argumentos a favor e contra, e os desafios para evitar que os mais ricos continuem pagando menos impostos mesmo que essas medidas sejam aprovadas.
Primeiro alvo: fundos de milionários
Está nos planos do governo uma ampla reforma do Imposto de Renda que mexeria na tributação de empresas e voltaria a taxar lucros e dividendos distribuídos a seus acionistas — importante fonte de renda dos brasileiros mais ricos e que hoje não sofre qualquer tributação (entenda melhor ao longo da reportagem).
O Brasil é um dos poucos países que não taxa esse tipo de renda. Só em 2021 (dado mais recente disponível), foram pagos R$ 555,68 bilhões em lucros e dividendos pelas empresas, dinheiro que entrou no bolso dos acionistas limpo de taxas.
Mas o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já disse que a questão será tratada de “forma cautelosa”, por duas razões: demandaria uma revisão também de tributação direta das empresas e afetaria não só milionários, mas brasileiros de renda média alta, como profissionais liberais e donos de empresas menores — o que aumenta a dificuldade de aprovação.
“Não dá para fazer de forma atabalhoada. Primeiro porque pode não sair. E segundo porque pode não produzir os resultados que nós desejamos”, reconheceu em julho, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
Haddad escolheu como medida inicial ampliar a taxação sobre investimentos que atendem brasileiros milionários — são os chamados fundos exclusivos (fechados para apenas um investidor) e os fundos offshore e trusts (investimentos no exterior).
Uma medida provisória e um projeto de lei foram encaminhados ao governo em agosto, e, após negociações, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se comprometeu a pautar as propostas nas próximas semanas.
O governo conta com dois fatores para conseguir a aprovação: são aplicações que atendem uma parcela muito pequena de brasileiros e que hoje são menos taxadas que outros tipos de investimento.
Esses dois tipos de fundos são tributados, atualmente, apenas no saque das aplicações. A proposta do governo é que os investidores passem a pagar uma taxa sobre seus rendimentos anuais, como já ocorre com outras aplicações.
“É uma legislação anacrônica, que não faz sentido nenhum. Não é tomar nada de ninguém, é cobrar rendimento deste fundo, como qualquer trabalhador paga imposto de renda”, já disse o ministro, em uma entrevista sobre a taxação dos fundos exclusivos.
A previsão do governo é de arrecadar R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026 com as duas medidas.
No caso dos fundos exclusivos, a Medida Provisória enviada ao Congresso prevê que essas aplicações passarão a ter a cobrança periódica do come-cotas, de 15% a 22,5% sobre os rendimentos, como ocorre com outros fundos no país.
Segundo estimativas do Executivo, hoje 2,5 mil brasileiros (cerca de 0,001% da população) contam com recursos aplicados em fundos exclusivos, que acumulam R$ 756,8 bilhões e respondem por 12,3% dos fundos no país.
Já o projeto de lei que trata das offshores e trusts prevê tributação anual de rendimentos de capital aplicado no exterior com alíquotas progressivas de 0% a 22,5%.
Para viabilizar a aprovação da proposta, a Fazenda acolheu sugestão do presidente da Câmara, Arthur Lira, para retirar a incidência do imposto sobre a variação cambial — ou seja, uma valorização da aplicação no exterior devido à valorização do dólar, por exemplo, não entraria no rendimento a ser tributado.
Fonte: Terra
Créditos: Polêmica Paraíba