Ao ouvir o agradecimento de um dos apoiadores na porta do Palácio do Planalto sobre o pagamento do auxílio emergencial (AE) nesta quarta-feira, 5, o presidente Jair Bolsonaro deu sinais de preocupação de como a festejada solução para evitar um completo colapso da economia pode se tornar um problema. Há forte pressão para que o governo estenda pelo menos até o fim do ano o pagamento de 600 reais aos informais e famílias de baixa renda. “Não dá para continuar muito porque, por mês, custa 50 bilhões de reais. A economia tem que funcionar”, disse o presidente. O tom temeroso em relação à armadilha de se tornar refém do auxílio mostra que é necessária uma alternativa. Apesar do programa ser ótimo para a popularidade do presidente, ele é insustentável, e Bolsonaro sabe disso. O que foi saída em primeiro momento, pois se tornou trunfo ao surpreender pelo aumento do poder de compra e a ação nas camadas mais pobres, virou dor de cabeça. A longo prazo, o gigantesco programa é inviável.
Ao todo, 66,2 milhões de pessoas recebem o auxílio emergencial, que custa 254 bilhões aos cofres públicos, aproximadamente 50 bilhões de reais por mês, como muito bem lembrado por Bolsonaro. A destinação desse dinheiro só é possível porque os gastos ligados à pandemia, como o próprio AE, o Bem (para trabalhadores com carteira assinada) e ajuda a estados e municípios, fazem parte do orçamento de guerra, vigente até o dia 31 de dezembro deste ano. Esse orçamento, por ser emergencial, não está sujeito ao teto de gastos, a âncora fiscal do governo. Há pressão política para que se alongue até pelo menos o fim deste ano o pagamento do auxílio – usando o orçamento de guerra – enquanto não se consolida um projeto de renda básica para substituir o auxílio. No Congresso, é especulada inclusive a possibilidade de estender o orçamento flexível para 2021.
“O auxílio emergencial tem sido mais importante do que nós esperávamos porque ao analisarmos a massa de rendimentos ampliada, que engloba o trabalho e os benefícios sociais, e somar isso com a política de compensação de renda do governo, nós observamos que o auxílio foi mais que suficiente. Por incrível que pareça, a massa de rendimentos ampliada vai crescer em 2020, então o auxílio mais do que compensou a eventual queda. Mas existem limites, sabemos que ele não pode ser eterno, as contas não se sustentariam”, constata Luana Miranda, pesquisadora da área de Economia Aplicada do FGV IBRE. Segundo a pesquisadora, ao desconsiderar o auxílio da massa de rendimentos da população, a expectativa é que esse indicador caísse 5,7% em comparação com 2019, mas a política emergencial de distribuição de renda fez com que se estimasse um crescimento de 2% no rendimento ampliado para este ano. “Isso dá uma dimensão do tamanho da importância dessas medidas”. Por outro lado, a especialista pondera que, no quarto trimestre de 2020, em que, até o momento, não há previsão de pagamento do auxílio, se observa uma queda na casa dos 5% em relação aos anos anteriores. “O mercado de trabalho ainda vai estar debilitado e isso deve impactar, dentre outras frentes, o consumo, então essa massa em vez de crescer, ela vai cair e isso tem impacto direto na recuperação da atividade econômica do país”, afirma.
O retrato do dia seguinte pós auxílio é o que aumenta a pressão pela ampliação, mesmo que oficialmente, a equipe econômica trabalhe com a teoria de que é possível encarar a retomada sem a extensão do auxílio. Segundo o Secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Saschida, a agenda reformista, que foca na atração de investimento privado para infraestrutura (como o marco do saneamento e a Nova Lei do Gás), bem como as mudanças tributárias tem potencial de geração de empregos, ao mesmo passo que o Congresso possa aprovar o Renda Brasil, programa de assistência social que deve ampliar a base do bolsa família e dar mais assertividade aos gastos sociais.
Apesar da equipe econômica ver o copo meio cheio, de que é possível um Brasil sem auxílio emergencial na parte final do ano, é nítida a preocupação caso o tempo das reformas não seja o mesmo que a economia do país precisa. O comércio foi fortemente impactado pela pandemia, em vista que o isolamento social — necessário para evitar o colapso do sistema de saúde — tirou grande parte da população de circulação das ruas, o que diminuiu drasticamente os números do setor. A Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), divulgada pelo IBGE, indicou que em abril o volume de vendas do comércio varejista nacional mostrou queda de 16,8%, frente ao mesmo mês de 2019. Em maio, último balanço divulgado pelo instituto, houve um crescimento de 13,9% na comparação com abril. No confronto com o igual mês de 2019, o comércio varejista assinalou recuo de 7,2% em 2020, reduzindo o ritmo de queda de abril. O indicador mostra não só uma recuperação, ainda que lenta, do comércio varejista, como também a importância do auxílio emergencial para manter minimamente o poder de compra do brasileiro. Não será tão fácil acabar com o benefício sem ter uma carta na manga para o seu lugar.
“Eu não esperava que a pandemia fosse durar tanto tempo, mas o que se observou de fato, e principalmente no Brasil, é que esse auxílio foi muito importante para a sustentação do poder de compra da população nesse período. Por um lado, isso indica o sucesso da política proposta, por ter conseguido manter uma desaceleração mais contida das atividades, principalmente nas vendas do varejo, mas claramente existe um efeito colateral, devemos nos fazer a seguinte pergunta: como que desmonta isso agora? As questões de distanciamento impostas devem continuar, e simplesmente acabar com o auxílio me parece ser algo muito difícil de acontecer”, aponta Lívio Ribeiro, pesquisador da Fundação Getulio Vargas. Ribeiro chama atenção para a situação dos Estados Unidos. A maior economia do mundo também implantou um auxílio emergencial para sua população. O pagamento dos 600 dólares semanais se encerrou no último dia 31 e agora se discute a prorrogação do auxílio, nem que seja uma ponte, para não haver uma ruptura que possa destruir a demanda de consumo.
Tendo em vista que o auxílio ajuda a manter os setores mais básicos da economia, como o de consumo, um dos efeitos imediatos que podem ocorrer, e que assusta tanto a classe política dos EUA como do Brasil, é o desemprego. Por aqui, é visto que uma perda ainda maior de renda da população ocasionaria numa redução do consumo no país, como se fosse um efeito cascata. O último balanço divulgado pelo IBGE indica que 12,2 milhões de brasileiros já estão sem trabalho. Uma piora desse número, que é esperada, pode agravar ainda mais um cenário que já é crítico, e atrapalhar os planos de uma retomada econômica mais robusta.
O governo federal e o Ministério da Economia estudam implementar o Renda Brasil em substituição ao auxílio emergencial. O novo programa deve unificar outros antigos como o Bolsa Família e Seguro-defeso, mas o valor ainda não foi definido pela equipe econômica, no entanto, especula-se algo entre 200 e 300 reais por mês, o que representaria metade das parcelas pagas pelo auxílio emergencial. O texto, entretanto, ainda não foi apresentado. Porém o benefício não deve abarcar todos os beneficiários do auxílio emergencial. “O aumento do desemprego com o fim desse programa ocorreria porque os setores mais básicos empregam muito, a questão agora é se o governo vai acabar com o auxílio e pagar os gastos ou fazer o período de transição com o Renda Brasil. Quando se cria uma fonte de renda como o auxílio, acaba por impulsionar muito a economia local, como a das comunidades e dos pequenos negócios, mas quando se encerra, acontece justamente o efeito contrário: a desaceleração”, explica Daniel Duque, economista e pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV IBRE.
Com as escolas ainda fechadas, muitos pais não vão ter com quem deixar suas crianças para poder buscar trabalho. Um fim abrupto do auxílio emergencial pode ocasionar uma grave crise social no país, em que várias pessoas vão se encontrar em situação de pobreza, por isso a importância de uma transição adequada, seja para a extensão do auxílio ou para a criação do Renda Brasil. Sérgio Firpo, economista e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) faz um alerta: “Não vejo uma outra saída para além de uma grave crise social se o governo não oferecer alguma forma de expansão do auxílio. A economia não vai melhorar tão rapidamente, existe ainda muita incerteza sobre a retomada. Se não houver uma forma de proteger essa população, a gente vai ter um gravíssimo problema social, porque os atuais programas não vão dar conta dos novos pobres que surgirão na pandemia”.
Fonte: Veja
Créditos: Polêmica Paraíba