Uma ex-guia da Casa Dom Inácio de Loyola afirmou ao GLOBO que foi abusada quatro vezes por João Teixeira de Farias, o João de Deus. De acordo com a paulista, de 28 anos, enquanto a fazia masturbá-lo, o médium rezava o Pai Nosso.
As denúncias contra João de Deus não param de aumentar. Após divulgação de 12 relatos pelo GLOBO e pelo programa “Conversa com Bial”, da TV Globo, no último sábado, esta é a décima primeira a ser ouvida pela reportagem. No domingo, o Fantástico ouviu 25 relatos.
Leia na íntegra o relato da paulista, de 28 anos, que denuncia ter sofrido abuso sexual por João de Deus:
“Fui guia da Casa Dom Inácio de Loyola por pouco mais de dois anos (2015 a 2017), levava diversas pessoas todos os meses para Abadiânia. Conheci a casa no começo de 2015. Fiquei curiosa com tantas coisas incríveis, tantas curas que aconteciam lá, e fui conhecer. Não fui sozinha, fui acompanhada pela pessoa que me apresentou a casa e mais algumas que formavam um grupo. Meses depois, estava trabalhando como monitora e auxiliava nas viagens de grupo a Abadiânia.
Não lembro qual o mês exatamente, João de Deus me parou em frente ao salão da casa, os atendimentos já haviam acabado, falou que me conhecia de outras vidas, falou coisas sobre minha família e algo mais que não me lembro agora. Quando estava voltando para a pousada, me parou na rua e me ofereceu carona — não aceitei, pois o hotel ficava a menos de 5 minutos a pé.
Eu sempre entrava nas filas para acompanhar os grupos. Em uma ocasião, a entidade que se dizia incorporada falou comigo e pediu que eu falasse com o médium João. Eu não fazia ideia do que seria, mas acreditava que seria algo para o meu bem, pois, apesar de ir a trabalho, eu acreditava que a casa me ajudaria com os problemas que eu tinha.
Saindo do salão principal onde acontecem todos os atendimentos, seguindo à direita, (não sei se ainda está assim) tem uma sala onde ele recebe algumas pessoas que a “entidade” pede para vê-lo ou que vão ali conversar com ele, dar presentes, falar de inspirações…. Tem mais um lugar na casa, que não me lembro se fica próximo ao refeitório ou próximo às salas dos banhos de cristais, onde ele me levou uma vez. Do lado de fora da primeira sala que citei, aguardei até ser chamada pelo João. Eu não estava sozinha, estava com uma pessoa conhecida minha.
Entramos na sala, conversamos um pouco com ele, que nos encaminhou para outro cômodo. Ali, ele colocou a pessoa que estava comigo de costas, porque não poderia ver o trabalho que seria feito, e disse as mesmas coisas que falou para as mulheres corajosas que deram seus depoimentos: “vou limpar seus chacras, conheço você de outras vidas, você precisa da minha energia, respira fundo…”. Ele mantinha as mãos somente nos meus ombros.
Em determinado momento, se sentou na poltrona e pediu para eu ajoelhar na frente dele. Colocou o pênis para fora, colocou minha mão no pênis dele, colocou a mão dele em cima da minha e ficou movimentando e perguntou minha idade. Não me lembro se eu tinha 26 ou 27 anos, ele pediu para que eu mexesse no órgão a mesma quantidade de vezes. Mesmo não entendendo e com nojo, fiz. Ele percebeu e disse que antes (na vida passada) eu fazia com mais amor. Ele rezava o Pai Nosso enquanto estava com a mente cheia de más intenções.
Saímos da sala, fomos para a pousada, e eu não entendia nada do que havia acontecido, chorei bastante, me senti uma idiota, com nojo de mim, culpada e mais uma avalanche de sentimentos.
Continuei indo para a casa Dom Inácio, e por vezes a “entidade” falava para eu ir conversar com o João. Cada vez que eu ia, ele tentava avançar um pouco mais, mas eu não permitia — infelizmente, ele me fazia masturbá-lo. Dizia que, se eu quisesse me casar, tinha que pegar a energia dele que era passada pelo pênis. Houve somente uma vez que ele tocou os meus seios. Acredito que a masturbação ocorreu umas quatro vezes em dias distintos, pois das outras vezes eu não ficava próxima dele, não ia a outro cômodo e nem deixava ele trancar a porta, não queria ter que passar por aquilo de novo.
Eu continuei indo até a casa e levando pessoas até lá, porque era o meu trabalho e eu via muitas curas sendo feitas, inclusive em pessoas do meu grupo. Ninguém do meu grupo foi assediado ou abusado, somente eu. Lembro que uma vez ele disse que eu ajudaria ele a encerrar os trabalhos da semana e no sábado pela manhã eu fui até a casa. Ele me levou até o outro quarto que mencionei acima, pediu para me concentrar, sentou na poltrona, pediu para me ajoelhar em frente a ele, começou a orar o Pai Nosso e colocou minha mão no pênis dele.
Assim como fez com as outras mulheres (que o denunciaram), ele me deu cristais, uma cama de cristal (aquela em que várias pessoas fazem seus banhos [cromoterapia] na casa) e falou que me ajudaria a terminar a faculdade. Hoje, vejo que isso foi uma forma de tentar comprar o meu silêncio ou de me agradar.
A última vez em que fui a Abadiânia, fui sozinha, pois sentia em meu coração que deveria ir fazer uma limpeza espiritual, ficar um pouco comigo mesma. Passei na fila, e a “entidade” pediu para eu falar com o João. Chamei um homem (conhecido meu, um amor de pessoa até então) para entrar comigo, pois eu não queria ficar sozinha com João de Deus. Os três dias em que fiquei lá tentei falar com ele e não conseguia, me virava a cara, e eu percebia que por vezes o homem que eu havia chamado ficava distante de mim quando João aparecia. Desta última vez, não entrei na sala, e a partir daí não coloquei mais meus pés em Abadiânia. Foi nessa hora que caiu a minha ficha de que eu havia sido abusada e que não feito nenhum trabalho de cura dentro dessa sala.
Na minha opinião, da forma que consigo ver hoje, distante daquela energia manipuladora e mais segura em falar sobre o assunto, as pessoas se curam pela fé delas. João de Deus é só mais um homem que se aproveita da fragilidade de mulheres e garotas que chegam desesperadas por um amparo espiritual e o veem como um pai.
Não falei sobre isso anteriormente porque quem frequenta Abadiânia sabe da influência que ele tem na política e junto à polícia. Tive medo de ser perseguida não só por pessoas da casa, mas pelos fiéis dele. Além disso, é muito difícil se expor dessa maneira, é muito difícil você entender quem é a vítima nessa situação, foram muitas idas à psicóloga, muito auxílio de amigos e amigas, muitos conselhos das entidades do terreiro que frequento, essas sim, nunca me soltaram a mão e me deram todo o amparo possível. Sou muito grata a essas mulheres que colocaram a cara a tapa e disseram tudo o que ele fez com elas. Foi essa reportagem que me deu forças para falar sobre o ocorrido. Recebam todos o meu carinho e gratidão! Não é mimimi, não são cinco minutos de fama, não é por dinheiro, é porque esse ser é um monstro que acaba com a vida de muitas mulheres.”