vítimas alegam golpe

Caravana pró-Bolsonaro que nunca saiu do lugar vira disputa por reembolso; entenda

Evento criado para defender pautas "conservadoras", a Caravana da Liberdade foi lançada em abril, com o objetivo de levar 3 mil apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a Brasília em maio, quando foram realizadas diversas manifestações pró-Bolsonaro em todo o país.

Evento criado para defender pautas “conservadoras”, a Caravana da Liberdade foi lançada em abril, com o objetivo de levar 3 mil apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a Brasília em maio, quando foram realizadas diversas manifestações pró-Bolsonaro em todo o país. A ideia era manter os participantes em acampamentos improvisados em frente ao Congresso por uma semana, o que nunca aconteceu.

A meta, segundo os organizadores, era fazer pressão sobre os senadores para que iniciassem o processo de impeachment dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), votassem pelo desligamento imediato dos senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Jader Barbalho (MDB-PA) da CPI da Covid, além de defender o retorno do voto impresso e auditável; e prestar apoio incondicional ao presidente.

A caravana foi amplamente divulgada nas redes sociais, principalmente no Twitter, por nomes com centenas de milhares de seguidores e abertamente apoiadores de Bolsonaro. Para dar suporte aos planos dos organizadores, foram criados três métodos de pagamento voluntário: via PIX, um site de financiamento coletivo e depósito bancário — este no caso de o participante querer participar da viagem a Brasília. Os preços variavam entre R$ 350,00, R$ 450,00 e R$ 550,00, dependendo da região do Brasil de onde partiriam os ônibus fretados. O valor incluiria transporte, locação de banheiros químicos e para banho, tendas, compra de água mineral, café da manhã e almoço. A caravana não chegou a ser realizada na data prevista e foi remarcada para 16 de junho.

O advogado Walmir Lucio Ribeiro explicou que a Caravana da Liberdade não foi efetivamente realizada porque os recursos obtidos durante a campanha não foram suficientes para a sua concretização. “Nunca houve intenção de lesar ninguém. Inclusive era de conhecimento de todos os organizadores que, em caso de cancelamento, os valores doados seriam devolvidos”, explicou.

O mentor: Pablo

Um mês antes da nova data, no dia 12 de maio, Lorenza Agostini, do canal do perfil Vida Destra no YouTube, realizou uma live com os organizadores, para que explicassem detalhes do evento. Foram convidados o idealizador da caravana, Pablo Verdolaga, com mais de 21 mil seguidores no Twitter, e seu parceiro na empreitada, Marcello Neves, com mais de 51 mil seguidores.

Durante a live, Pablo Verdolaga apresentou-se como empresário radicado na cidade de Natal (RN), e explicou que a ideia de criar a Caravana da Liberdade surgiu durante um almoço que realizou com amigos, também empresários. “Todos eles conservadores como eu. Daí surgiu o assunto política, como não poderia deixar de ser, e a revolta sobre alguns assuntos em que a vontade popular não vem sendo respeitada. A liberdade, a Justiça, a Constituição. Foi quando surgiu a vontade de fazer um movimento diferente dos que já estamos acostumados. Um que durasse vários dias e atraísse gente do país todo”, disse na ocasião.

Já Marcello Neves, também apresentado como empresário, radicado em Florianópolis (SC), revelou que auxiliaria Pablo na logística do evento. “O Pablo foi o mentor da história. Eu apenas estou ajudando. Tenho um pouco mais de experiência em logística, já fiz grandes eventos, eventos nacionais, como o Rock in Rio, então conheço bem de logística”, afirmou, na mesma live.

Graças à ampla divulgação nas redes que se seguiu à transmissão, apoiadores de todo o Brasil continuaram a dar suas contribuições, na expectativa de verem os ônibus partindo para Brasília no dia 16 de junho, como prometido. Mas a Caravana da Liberdade nunca saiu do lugar.

A revelação: Pablo não era Pablo

Na data prometida, ao ser questionado por seguidores do Twitter, que contribuíram com dinheiro, Pablo Verdolaga chegou a responder nos comentários com informações de que cerca de 30 ônibus haviam partido rumo a Brasília. A partir de então, ele teria se afastado por um tempo das redes sociais.

Os seguidores começaram a publicar centenas de posts e comentários nas redes, cobrando imagens da caravana e um posicionamento. Os dias se passaram e, diante do silêncio de Pablo, o empresário Marcello Neves começou a desconfiar que havia algo errado. Iniciou uma investigação particular e descobriu que, na verdade, Pablo não era Pablo. Era Fábio.

Uma segunda live, então, foi realizada, no dia 23 de junho, dessa vez no canal de YouTube Belinha Opressora, comandado pela advogada Inez Nogueira, e com a participação de Brunão. Neves revelou então que os depósitos e os pagamentos via PIX eram feitos não em nome de Pablo Verdolaga, mas sim em nome de um suposto amigo deste, chamado Fábio, que seria Fábio Oliveira Leite.

“Eu não sabia quem era. Eu tinha os dados dele, CPF, dados bancários desse Fábio, mas ele (Pablo) dizia que era um amigo dele. Ele dizia que por conta da movimentação financeira, por conta do Imposto de Renda, os depósitos e transferências seriam no nome desse suposto amigo dele, o Fábio”, relembrou na ocasião.

Quando eu percebi que o Twitter dele estava bloqueado e ele não respondia mais as mensagens por WhatsApp, eu falei: ‘Não vou assumir essa bucha’. Todo o dinheiro passou pela conta dele, nada passou pela minha conta. Eu tenho família, tenho um nome a zelar.”

A partir daí, os colaboradores que ainda tinham esperança de que o evento fosse realizado intensificaram a cobrança nas redes sociais. Por meio de posts e comentários, exigiam o dinheiro de volta.

Alguns chegaram a levantar a hipótese de que teriam sido vítimas de um golpe. Outros, iam além, afirmando que Fábio supostamente teria ficado com o dinheiro para quitar débitos de um apartamento em seu nome.

Com o passar dos dias, algumas pessoas começaram a ser ressarcidas, mas centenas de outras, não. E continuavam a cobrar nas redes. Até que uma nova live foi marcada pelo canal Belinha Opressora, realizada em 28 de junho, com a promessa de participação de Fábio, que estaria disposto a dar explicações. Mas o empresário não apareceu. “Eu me senti enganada”, afirmou uma seguidora, que pediu para não ser identificada. “Eu tinha fé que iríamos conseguir realizar o evento. Colaborei com R$ 350, era para eu estar dentro de um desses ônibus. Mas a caravana nunca aconteceu. Esse tipo de coisa enfraquece os movimentos da direita”, lamentou.

Outro colaborador da Caravana da Liberdade afirmou ao UOL que nunca mais participaria de uma vaquinha ou financiamento coletivo para ajudar “quem quer que seja”. Decepcionado, diz que espera que o mentor do evento devolva o dinheiro para quem o ajudou.

Reembolsos

O UOL entrou em contato com os advogados nomeados por Fábio Oliveira Leite para cuidar do caso. A decisão de contratar os defensores surgiu após alguns seguidores publicarem dados pessoais dele, como CPF, número de conta bancária e também por conta dos boatos de que ele teria se beneficiado pessoalmente com os valores doados.

O defensor, Walmir Lucio Ribeiro, afirma que havia uma estimativa de arrecadação de R$ 234 mil, mas só foram efetivamente arrecadados R$ 59 mil na conta corrente de Fábio. Havia também a previsão de R$ 15 mil da vaquinha idealizada por uma terceira pessoa no Rio de Janeiro, R$ 50 mil da promessa de um patrocínio de uma rede de supermercados, e mais R$ 40 mil que seriam doados pelo próprio Fábio e mais três amigos, ou seja, R$ 10 mil cada um.

“Caso o valor previsto tivesse sido alcançado, teria dado para locar 20 ônibus com capacidade para 1.020 pessoas aproximadamente. Ainda estamos apurando os comprovantes, mas até o momento, da previsão explicitada acima, apenas cerca de R$ 94 mil se concretizaram, o que levou ao adiamento da caravana do dia 1º de maio para 17 de junho e, posteriormente, ao seu cancelamento”, afirmou.

“A dúvida quanto ao nome dele nunca existiu. Isso porque, em todas as transferências realizadas consta o seu nome, além dele ter participado de uma live, antes do cancelamento do evento, onde transitou virtualmente usando seu avatar (PabloVerdolaga), mas que era de conhecimento dos demais organizadores o seu prenome de registro (Fábio).”

Ribeiro esclareceu que, desde a decisão de cancelar em definitivo o evento, o que inclusive havia sido combinado com os demais organizadores, teve início a devolução dos valores doados de responsabilidade de Fábio. Contudo, no processo teriam sido detectados alguns comprovantes de transferências fraudados. “Apenas na noite do dia 28, após a contratação e orientação desta assessoria jurídica, foram publicadas orientações para a solicitação dos valores de tal forma a gerar segurança jurídica, tanto de quem vai receber a devolução quanto do nosso cliente, que fará os pagamentos. Ressalte-se que a adesão foi muito boa, inclusive várias pessoas já enviaram seus comprovantes e dados para transferência. Todos vão receber”, garantiu.

Para realizar as transferências, é preciso que a pessoa lesada assine um termo “para que aqueles que estão recendo os valores renunciem ao direito disponível de processar Fábio civilmente, exigindo-lhe perdas e danos”, explica. “Sem isso, a pessoa receberia a devolução e ainda poderia pleitear uma indenização por danos materiais e até morais.”.

Fonte: POLÊMICA PARAÍBA
Créditos: UOL