O Brasil é um dos países nos quais as mudanças nos hábitos de consumo durante a pandemia do coronavírus mais pressionaram o custo de vida das famílias.
É isso o que mostra estudo do economista argentino Alberto Cavallo, professor da escola de negócios da Universidade Harvard, que comparou a inflação causada especificamente pelas consequências da crise sanitária com a variação capturada pelos índices de preços ao consumidor existentes.
Entre 18 nações emergentes e desenvolvidas analisadas pelo pesquisador, o Brasil registrou a maior disparidade entre o que ele batizou de “inflação da Covid” e o indicador oficial (o IPCA), em maio.
A diferença, no caso brasileiro, foi de 0,88 ponto percentual entre os dois índices acumulados em 12 meses, ante 0,82 ponto percentual nos Estados Unidos e no Uruguai. Em terceiro lugar, aparece a Coreia do Sul, com 0,49 ponto percentual.
Segundo Cavallo, o Brasil aparece no topo da lista porque apresentou uma combinação entre alta forte nos preços de alimentos (9% anuais em maio) e queda no custo de transporte (de 2,5%).
“Como as pessoas estão consumindo mais comida (com inflação) e menos transporte (com deflação), o índice da Covid ajustado tem mais inflação”, disse Cavallo à Folha.
Ele ressalta que, embora 12 dos 18 países analisados tenham apresentado padrões similares, a divergência entre as taxas de inflação setoriais brasileiras na pandemia tem sido maior e mais persistente.
De acordo com Cavallo, em julho, o índice de preços ajustado pelos efeitos da Covid ainda se mantinha 0,88 ponto percentual acima da inflação oficial no Brasil.
Para construir o índice de inflação relacionado à pandemia, o pesquisador registrou as mudanças nas tendências de consumo dos norte-americanos entre janeiro e abril, com base em dados de gastos com cartões que são disponibilizados em alta frequência por um projeto das universidades Harvard e Brown.
Cavallo, que é filho do ex-ministro da Economia da Argentina Domingo Cavallo, notou que os novos hábitos em decorrência da crise sanitária –como o maior distanciamento social– causaram significativa mudança no peso de diferentes grupos de bens e serviços na cesta de consumo.
O item “comida em casa” que representa 7,58% do índice de preços ao consumidor americano saltou para 11,28% no contexto da pandemia. A fatia do custo com o segmento imobiliário –já extremamente alta nos Estados Unidos– aumentou ainda mais, de 42,11% para 55,8%.
Na contramão desses movimentos, houve quedas de 15,74% para 6,25% no caso de transportes e de 8,83% para 5,6% em gastos com cuidados médicos.
Usando os novos pesos do contexto da pandemia, o economista construiu o índice de inflação da Covid-19 para os EUA e o comparou com o indicador oficial.
Assumindo que alterações similares nas tendências de consumo ocorreram em outros países, ele calculou as mudanças nos pesos dos diferentes itens que compõem a inflação nas demais 17 nações.
No Brasil, ele estimou um aumento no peso de alimentação em casa de 14,8% para 23,9%. Já a fatia representada por transporte caiu de 19,8% para 8,5%.
O pesquisador concluiu que, com as mudanças de pesos, os índices de inflação oficial têm subestimado o aumento real no custo de vida durante a pandemia na maior parte dos países. O estudo foi publicado pelo NBER (National Bureau of Economic Research), prestigiado centro de pesquisa americano.
No caso dos Estados Unidos, ele mostra que a inflação da pandemia tem pesado mais no bolso da população mais pobre, que destina uma parcela maior de sua renda a itens como alimentação.
Fonte: Folhapress
Créditos: Folhapress