Luiz Inácio Lula da Silva está na prisão há pouco mais de um ano e um mês. Desde então, o Intercept tenta conseguir autorização judicial para falar com ele. No Brasil, é comum que criminosos deem entrevistas de dentro da cadeia – mas Lula é diferente. O ex-presidente da República foi impedido de falar durante toda a corrida eleitoral, que chegou a liderar antes de declarar apoio a Fernando Haddad. E tem convicção do porquê: para ele, toda a movimentação da Lava Jato, operação da PF responsável pela investigação que resultou em sua condenação de mais de 12 anos, foi uma manobra para evitar que ele disputasse a presidência e o PT voltasse ao poder.
Na semana em que o presidente Jair Bolsonaro reconheceu que havia prometido uma vaga no STF para Sérgio Moro, o ex-juiz responsável pela condenação de Lula que hoje ocupa o ministério de seu opositor, fui à sede da Superintendência da Polícia Federal no Paraná, em Curitiba, para entrevistar o ex-presidente. A autorização do Supremo saiu no começo do ano, junto com a dos outros veículos que entraram com o pedido de entrevista, a um espaço seguro de três meses depois das eleições. Lula diz que tenta controlar o ódio, mas não segura a língua ao falar do atual ministro: “um juiz que depende da imprensa para condenar não é juiz”. “Ele é mentiroso, o delegado que fez o inquérito meu do apartamento é mentiroso, o TRF4 mentiu ao meu respeito.”
A entrevista com Lula durou exatamente uma hora. A Polícia Federal é rígida com seus protocolos. A Lava Jato, é claro, é um assunto inevitável. Porém, diante da ascensão de Jair Bolsonaro e outros líderes de extrema-direita no mundo, eu queria saber a visão de Lula – que, goste ou não, é um dos mais importantes líderes da esquerda mundial – sobre os motivos que nos trouxeram até aqui, depois de 14 anos de um governo que, ele diz, foi excelente para a população.
Sim, ele foi o presidente que mais combateu a pobreza, a desigualdade, que mais criou universidades e programas para obsessivamente acabar com a fome no Brasil. A vida das pessoas melhorou. O que explica, então, o sofrimento que fez com que a população migrasse o voto dele e de Dilma, com o PT, para um extremista como Bolsonaro? “Quando você cria o ódio na sociedade, quando você cria a antipolítica, quando você tira a esperança de qualquer pessoa, sabe, nas instituições existentes, ou seja, qualquer coisa vale. Qualquer coisa vale”, ele disse. Lula também mencionou que, no mundo, quem está perdendo para a extrema-direita não é a esquerda – mas, sim, o modelo neoliberal. Esse foi, então, o modelo dos 14 anos de governo do PT? “Eu nunca disse que era socialista.”
Lula também falou sobre sua estratégia nas últimas eleições, em que o PT insistiu em sua candidatura de dentro da cadeia – e apostou na transferência de votos para Fernando Haddad. Muitos dentro da própria esquerda criticaram a estratégia que impediu que outro candidato progressista – Ciro, do PDT, por exemplo – aglutinasse a centro-esquerda contra Bolsonaro, contornando o antipetismo que ditou o tom da eleição. Lula comparou a estratégia à eleição de 1989, em que não apoiou Brizola e foi, ele mesmo, o candidato da esquerda derrotado por Collor, e disse que Ciro precisa aprender a conversar e respeitar. “Se o Ciro quiser aliados, ele tem de saber conversar”, Lula disse.
O ex-presidente ainda falou sobre a falta de representatividade na esquerda, cujos líderes ainda são da elite intelectual, e sobre segurança pública e meio ambiente. São assuntos sobre os quais o PT tem uma posição oposta à do atual governo, mas que, na prática, deixou um legado questionável.
Fonte: Intercept
Créditos: Intercept