Casais animados dançavam pelados quando o DJ interrompeu o forró para anunciar o grande momento da noite do último sábado (20/10): uma mulher seria “rifada”. Depois de sortear dois ingressos para uma “festa liberal”, o apresentador chacoalhava para o alto uma cartela de papel cheia de nomes femininos. Cada quadradinho tinha um deles: Sandra, Ângela, Raquel, Débora, Helena, Olga.
Ao chegar à Sexy Friday, autodefinida “a festa liberal mais bombada de Brasília”, na boate Paraíso Brasília Club, no Setor de Oficinas Norte (SOFN), o cliente podia comprar bilhetes por R$ 20 a unidade. O prêmio: fazer sexo com a garota de programa e atriz da produtora de filmes pornô Casa das Brasileirinhas Luna Oliveira (nome artístico). A noite de prazer poderia ocorrer no flat dela ou em uma suíte de motel paga pela casa de swing.
A identificação do comprador era anotada no papel, ao lado do nome da escolhida. Pelo menos duas mulheres seminuas circulavam pelo salão da boate com cestas lotadas de tíquetes da rifa. Elas ofereciam aos frequentadores do local a compra dos bilhetes. Já eram quase 4h de sábado (20/10) quando o dono da festa iniciou o sorteio.
“Aqui dentro, debaixo dessa parte preta, tem um nome de mulher. A pessoa que tiver comprado esse nome ganha o sorteio. Pode escolher entre passar a noite no flat dela, no Sudoeste, ou num motel, com tudo pago”, explicava.
O nome contemplado foi Raquel, não adquirido por nenhum dos presentes. “Vamos usar o valor da rifa para investir em um próximo prêmio, e hoje ninguém ganha, então”, afirmou o homem em cima do palco da Paraíso Brasília Club, boate distante 11km da Praça dos Três Poderes.
“Festa liberal”
A noite começa tímida, até que, por volta da 0h, a casa fica cheia de mulheres e homens, todos maiores de idade, em busca de prazer e liberdade. O ingresso custava R$ 50 por casal.
As cortinas vermelhas de veludo escondiam o palco, onde mais tarde haveria show de striptease e sexo ao vivo. Há mesas e cadeiras distribuídas pelo salão. Naquela noite, estava permitido entrar com “isoporzinhos” de bebida, em geral abastecidos com garrafinhas de catuaba, vodca, energético e cerveja.
À meia-noite, foi liberado o acesso às salas da casa. No primeiro espaço, há uma espécie de gaiola, com barras de ferro brancas e um pufe no meio, cercada por pequenas cabines com glory holes (buracos de glória).
Homens encaixam o pênis nas fendas da parede preta e uma pessoa do lado de dentro os masturba. Em determinado ponto da noite, havia uma fila de oito deles, revezando-se com uma mulher. A prática sexual é chamada de “gang bang”, quando apenas uma pessoa faz sexo com várias outras de forma simultânea.
Logo ao lado, está o aquário do voyeurismo: um vidro deixa exposto o quartinho, onde exibicionistas realizam fantasias. Naquele ambiente, havia apenas uma cama, grande o suficiente para que quatro pessoas se deitassem. Quando a equipe do Metrópoles passou pelo corredor que dá acesso ao local, dois casais faziam sexo enquanto eram observados.
No outro ambiente, um casal de meia-idade transava numa cama redonda, em frente a uma televisão que passava filmes pornôs. Enquanto isso, pessoas com copo na mão observavam tudo: alguns com cara de paisagem, outros hipnotizados.
Sexo grupal na mesa de sinuca
Quando a noite esquentou, até a mesa de sinuca exposta no salão principal ganhou novo uso e virou palco para cenas de sexo grupal, embaladas ora por funk, ora por sertanejo e pop.
O consentimento ali é regra, mas alguns insistem em desrespeitá-la. Irritada, uma mulher que circulava de calcinha e sutiã pegou as roupas guardadas por ela atrás do balcão do bar e foi ao banheiro. Lá, reclamava: “Ele quase quebrou meu braço, e o segurança não fez nada. Achei que estava segura aqui”.
O comportamento invasivo, porém, segundo a moça, aparenta ser exceção. Um “não” costuma ser o suficiente para barrar as investidas, ela diz. O ambiente é democrático: há pessoas de várias idades, pesos e alturas.
Enquanto alguns frequentadores estão em meio a gemidos e orgasmos, outros saciam a fome com porções de batata frita e carne de sol acebolada. O cheiro de fritura toma conta do salão e se mistura aos odores de suor e sexo.
Marketing
Enquanto isso, a atriz pornô Luna Oliveira circulava nua em meio à plateia, sem nenhum incômodo visível por ser oferecida como prêmio.
A ideia da rifa foi minha. Já fiz outras vezes e é parte do meu marketing. Ganhei um ótimo cachê para dançar três músicas, sou grata pelo convite, foi muito mais lucrativo para mim do que para os donos da festa. Não me sinto objetificada, é um negócio”Luna Oliveira, atriz pornô
Apesar disso, os donos da festa, identificados como “Kzal Sedução”, podem ter problemas com essa prática. Se lucrarem com a venda da rifa, correm o risco de serem enquadrados no crime de rufianismo.
Prostituir-se no Brasil não é passível de punição, mas a Lei Federal n° 11.106, de 2005, considera delituosa a prática de exploração sexual e favorecimento à prostituição. A pena é de 2 a 5 anos de prisão e há previsão de multa.
Quatro rifas vendidas
O organizador da festa, identificado somente como Michael, o marido no Kzal Sedução, alegou que não teve lucro com a venda dos bilhetes. Segundo ele, o programa com Luna custa R$ 500. Ela vendeu só quatro rifas, arrecadando R$ 80.
“Como a ideia foi toda dela, a dançarina aceitou o risco de lucrar menos. Se tivesse ganhado mais, seria tudo dela também. A rifa é só um jeito de proporcionar a alguém da festa um encontro com uma mulher daquelas por R$ 20. Não ganhamos nada com isso”, explicou.
A polêmica envolvendo o sorteio, contudo, não teria a anuência dos donos da boate. De acordo com a gerente da Paraíso Brasília, identificada como Lu, a casa não tem conhecimento sobre a rifa. “Funcionamos há mais de 20 anos e apenas alugamos o espaço para festas terceirizadas. Abominamos prostituição e não temos nenhum envolvimento com essa prática”, informou à reportagem.
Contradições e sexismo
Oferecer uma mulher como prêmio em sorteio é maneira machista de mercantilizar e objetificar o corpo feminino, segundo Jolúzia Batista, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).
“O problema é a rifa, aqui não devem entrar preceitos morais sobre o lugar onde ela ocorreu. Existe um tensionamento conservador muito grande na sociedade”, afirma.
O episódio, acrescenta Jolúzia, também expõe contradições sociais. “Temos uma classe média liberada, que frequenta esses locais e rifa mulheres; ao mesmo tempo, reprime a sexualidade da sua população. Há uma grande hipocrisia em curso”, afirma a especialista.
A sociedade brasileira é ambígua: ao mesmo tempo, rifa mulheres e se diz conservadora moralmente”Jolúzia Batista
A representante do Cfemea ressalta que existe, há décadas, debate a respeito da regulamentação da prostituição. Se, de um lado, há o discurso contra a objetificação e a exploração das mulheres, por outro, existe demanda para regulamentar a profissão e torná-la mais segura.
Cafetões ou estudantes?
A Sexy Friday não é pioneira em rifar seres humanos no Brasil. Em abril de 2017, alunos do curso de engenharia mecânica da Faculdade Pitágoras, em Maceió (AL), rifaram uma prostituta com objetivo de arrecadar dinheiro para a formatura.
O Ministério Público Estadual confirmou que se tratava de um crime e acompanha o caso, o qual pode terminar com multa e até prisão dos envolvidos. À época, o movimento Olga Benário, que atua pelos direitos das mulheres na capital alagoana, repudiou a criação da rifa, conforme publicado no portal UOL.
“Essa ação depõe contra os formandos, que, ao passar por um curso de graduação, deveriam obter uma aprendizagem para além dos conhecimentos de uma profissão, valorizando as relações sociais, a formação ética e a dignidade humana, que são claramente atacados com essa rifa. Quando se formarem, são engenheiros ou cafetões?”, criticou o coletivo.
Na época, a Faculdade Pitágoras instaurou sindicância para apurar o caso e disse que tomaria as medidas cabíveis. No entanto, não voltou a se pronunciar sobre o episódio desde então.
Fonte: Metrópoles
Créditos: Metrópoles